O que tem no Mausoléu Castelo Branco? Historiadores avaliam os limites entre memória e homenagem

Retirada de peças com referência ao primeiro presidente do período da ditadura deve dar lugar para celebração a abolicionistas cearenses

Escrito por Lucas Falconery , lucas.falconery@svm.com.br
Legenda: Estrutura atual do Mausoléu Castelo Branco
Foto: Fabiane de Paula

Ao lado do Palácio da Abolição, sede do Governo do Estado do Ceará, uma estrutura faz homenagem a Humberto de Alencar Castelo Branco, o primeiro militar que assumiu a presidência do Brasil durante o regime ditatorial depois do Golpe Militar. Após 50 anos da inauguração, o Mausoléu deve ser retirado em breve, conforme anúncio feito nesta quinta-feira (31), o que levanta um debate sobre os limites entre preservação da memória social e homenagens a personalidades controversas.

Manter as obras no espaço democrático foi considerado incoerente pelo governador Elmano de Freitas (PT), que divulgou a mudança durante o evento "Agosto da Memória e Verdade: 44 anos da Anistia". O local deve celebrar líderes abolicionistas, como Dragão do Mar. As mudanças ficarão a cargos de duas secretarias, a da Cultura e a de Direitos Humanos.

A informação foi comemorada por perseguidos políticos e familiares, num retrospecto do passado, como observou Altemar Muniz, professor doutor de História na Universidade Estadual do Ceará (Uece), presente na cerimônia.

“Eu acho que isso pode acontecer porque, historicamente, estátuas são derrubadas e outras são levantadas. Isso é coerente com o momento histórico em que estamos vivendo”, completa o historiador. Mas as memórias também devem ser usadas para refletir sobre momentos decisivos para a sociedade.

As memórias da ditadura precisam ser preservadas até para podermos questioná-la, porque a História é algo vivo e o que parece consagrado pode ser questionado
Altemar Muniz
Professor doutor de História na Uece

Castelo Branco guardava contradições, como analisa Altemar. Isso é possível de perceber numa estrutura do Mausoléu onde foi escrita uma frase dita por ele num discurso:

“Nossa vocação nacional – de nos transformarmos em um país grande e forte, capaz de eliminar a miséria de seu povo, ser um elemento de paz num mundo conturbado, respeitar os seus vizinhos, exercer o poder sem violência, conquistar a riqueza sem injustiça”.

O historiador contextualiza que o período em que o ex-presidente esteve no poder não foi tão incisivo quanto os sucessores, mas isso não justifica a preservação de homenagem.

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“Apesar do fechamento do Congresso, controle e prisões, ainda não havia a linha dura da ditadura. Castelo Branco também fazia parte de um pessoal mais intelectual, coisas que atenuam, mas ditadura é ditadura”, frisa.

A alteração no espaço também é bem avaliada por Francisco José Pinheiro, professor de História na Universidade Federal do Ceará (UFC).

“Vivemos num momento democrático e apesar de ser uma importante figura, ele representa o pensamento autoritário ligado a ditadura militar e eu acho que é uma decisão bastante abalizada”

Legenda: Castelo Branco foi o primeiro presidente na ditadura militar
Foto: Arquivo Nacional/Reprodução

Para Francisco, o local também pode ser beneficiado com informações coletadas pela Comissão Nacional da Verdade, criada para apurar graves violações aos direitos humanos praticadas pelo Estado brasileiro entre 1946 a 1988.

“Construir um acervo da memória dos que foram perseguidos pela ditadura e há material sobre isso”, conclui o professor da UFC.

A queda de estátuas e espaços de homenagens de ditadores e escravocratas acontece ao redor do mundo, como analisa P.A. Damasceno, professor, historiador e mestre em Ensino de História, que também é colunista do Diário do Nordeste. Ele considera a decisão forte e corajosa por acontecer num período político de acirramento ainda forte.

Esses personagens foram significativos como homens do seu tempo e não se trata de apagá-los, mas explicar para a sociedade no contexto atual que as ações deles não são mais aceitáveis
P.A. Damasceno
Historiador

Mas por que só agora foi tomada essa decisão? O debate sobre a permanência da homenagem ficou de lado em diversos momento até porque a administração do Governo do Estado funcionou em outros espaços da capital cearense.

"Isso demonstra que nós estamos vivenciando, mesmo depois de quase 38 anos de processo democrático, ainda estamos limpando as arestas e curando as feridas do processo ditatorial", completa P.A..

Como é a estrutura do Mausoléu?

O Mausoléu Castelo Branco funciona numa estrutura inaugurada no dia 18 de julho de 1972, cinco anos depois da morte do ex-presidente, para homenageá-lo. Os corpos de Castelo Branco e da esposa Argentina Viana foram trazidos para o Ceará.

Essa vinda dos restos mortais movimentou a cidade com a presença do governador do Ceará à época, César Cals, o presidente Emílio Garrastazu Médici, além de ministros, parlamentares e comandantes militares.

A construção faz parte do conjunto arquitetônico do Palácio da Abolição e surge como um símbolo da arquitetura moderna, com 30 metros de extensão em balanço, ou seja, sem colunas de sustentação. O projeto é do arquiteto carioca Sérgio Bernardes.

Foto: Diário do Nordeste

Na inauguração, foram criadas galerias temáticas para retratar a trajetória de Castelo Branco. Por muito tempo, o espaço recebeu cearenses, turistas e estudantes, mas a estrutura também ficou abandonada por vários anos.

Isso, inclusive, motivou a família do ex-presidente a levar algumas peças destinadas ao Museu do Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro.

Esse histórico foi levantado pelo Centro de Documentação do Sistema Verdes Mares (Cedoc). Entre os itens do local estavam:

  • Faixa presidencial
  • Fotografias
  • Vestimentas
  • Medalhas
  • Espada do Exército
  • Um revólver usado por Castelo Branco
  • Restos mortais do casal

O Diário do Nordeste solicitou entrada no espaço do Mausoléu do Castelo Branco, mas não obteve autorização do Governo do Ceará. A reportagem também questionou sobre como serão as transformações no espaço, o que deve ser feito com o acervo, contudo o Estado informou que não há representante para comentar sobre o assunto no momento.

Quem foi Castelo Branco

Humberto de Alencar Castelo Branco, nascido em Fortaleza, no 20 de setembro de 1897, teve movimentada vida ligada ao serviço militar, como detalha o Centro de Referência de Acervos Presidenciais do Arquivo Nacional.

Castelo Branco se tornou presidente do Brasil em 15 de abril de 1964, sendo o primeiro chefe de estado do regime militar. O registro histórico do Governo Federal considera que nesse período houve a criação de aparatos legais para endurecer a ditadura militar.

“As sucessivas manifestações de oposição ao governo resultaram em intervenção em sindicatos, extinção de entidades de representação estudantis, invasão de universidades, detenções e prisões indiscriminadas”, exemplifica.

Legenda: Castelo Branco morreu num acidente de avião no Ceará
Foto: Arquivo Nacional

Além disso, foram rompidas as relações diplomáticas com Cuba, como uma das primeiras ações da orientação política externa brasileira. Naquele momento, o País buscou apoio econômico, político e militar nos Estados Unidos.

Também foi criado o Serviço Nacional de Informações (SNI), em junho de 1964, para monitorar os dados de interesse da segurança nacional. No mês seguinte, foi aprovada a Emenda Constitucional Nº 9, que prorrogou o mandato de Castelo Branco até 15 de março de 1967.

Ainda assim, aconteceu a eleição direta para governador de estado, no dia 3 de outubro de 1965, em que a oposição venceu na Guanabara e Minas Gerais, provocando uma reação do governo.

Linha do tempo sobre Castelo Branco:

1924: Foi preso por dois meses por suspeita de participação na Revolta de 1924.
1925: Combateu a Coluna Miguel Costa-Prestes (movimento revoltoso).
1932: Foi adjunto da Missão Militar Francesa, oficial-de-gabinete do ministro da Guerra.
1945: Participou dos combates na Itália, durante a Segunda Guerra Mundial.
1952: Comandou a 10ª Região Militar, sediada em Fortaleza 
1954: Exerceu a sub-chefia do Estado-Maior das Forças Armadas
1958: Entrou para o comando militar da Guarnição da Amazônia e da 8ª Região Militar
1960: Chefe da Diretoria de Ensino e Formação do Exército 
1962: Promovido a general-de-Exército, nomeado comandante do 4º Exército, em Recife 
1963: Designado chefe do Estado-Maior do Exército
1964: Passou a exercer o cargo de presidente da República, após eleição indireta.
1967: Faleceu após um acidente aéreo no dia 18 de julho, no Ceará.

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