Mesmo com reforço, orçamento de universidades federais do CE está abaixo do ideal, apontam gestões
UFCA tem parte da verba R$ 8,8 milhões menor do que a necessária, e Unilab estima prejuízos nas atividades pelo déficit financeiro; UFC descarta riscos
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O desencontro entre as necessidades das universidades federais e a verba de fato aprovada pelo Congresso Nacional na Lei Orçamentária Anual (LOA) 2025 tem gerado preocupação entre os gestores. No Ceará, instituições e estudantes apontam orçamentos abaixo do ideal e possíveis prejuízos às atividades, diante do déficit.
Entre janeiro e maio deste ano, uma restrição de gastos imposta pelo Governo Federal, devido ao atraso na aprovação da LOA, permitia que ministérios e órgãos federais utilizassem por mês apenas 1/18 do orçamento – o que gerou, segundo as universidades, problemas no pagamento de despesas e no funcionamento de serviços.
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As instituições federais de ensino superior público, porém, foram retiradas da regra no dia 27 de maio, como o ministro da Educação, Camilo Santana, já havia adiantado que ocorreria, em entrevista ao Diário do Nordeste no dia anterior. Assim, as universidades passaram a utilizar mensalmente 1/12 da verba anual.
Os efeitos cotidianos das contenções financeiras para a comunidade acadêmica, contudo, são aparentes, como aponta Suyane Vidal, representante da União Nacional dos Estudantes (UNE) no Ceará e presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE).
Percebemos como isso interfere no dia a dia quando olhamos pras residências universitárias, algumas com quartos insalubres e problemas sérios de estrutura. Cortes de bolsas, redução de comida em restaurantes universitários… Problemas que já existem e se intensificaram.
A estudante, que cursa Ciências Sociais na Universidade Federal do Ceará (UFC), afirma que a UNE mantém contato com alunos das instituições cearenses sobre os transtornos, que afetam inclusive a limpeza dos campi. Ela destaca a situação da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), em Redenção.
“Lá, todos precisam de residência e de ajuda de custo, porque vêm estudantes de fora e que ficam 100% dependentes da estrutura que a universidade fornece. Na última semana, os alunos decretaram uma paralisação devido aos cortes”, declara Suyane.
UFC descarta riscos
A UFC, maior instituição do ensino superior público do Estado, afirmou, em nota à reportagem, que “trabalhou intensamente em âmbito interno e externo, nos cinco primeiros meses de 2025, para seguir honrando pagamentos de bolsas, auxílios, contratos e demais itens de custeio sem prejuízo à comunidade universitária”.
A instituição ressalta que “os orçamentos aprovados pelo Congresso Nacional nos últimos anos já não correspondem às necessidades reais das instituições federais de ensino superior”, e afirma que o problema tem sido minimizado por suplementações feitas pelo MEC desde 2023.
Por fim, garante que “não há risco de descumprir sua missão institucional ou possibilidade de interromper suas atividades administrativas e acadêmicas”, e que “segue em diálogo com o MEC e o Governo Federal para acompanhar o processo (orçamentário)”.
a menos é a diferença entre o orçamento da UFC de 2024 para 2025 específico para investimentos, como melhorias e ampliações, segundo dados da universidade.
A verba aprovada na LOA 2025 para UFC foi de R$ 1,67 bilhão – R$ 36,6 milhões a mais do que no ano passado, quando a lei destinou R$ 1,63 bilhão à universidade. Apesar disso, o valor destinado somente a “investimentos” caiu 36,5% entre um ano e outro, passando de R$ 7,5 mi para R$ 4,7 mi.
A Universidade tem diversas obras em andamento, entre elas a do Campus Iracema, em Fortaleza; bem como ampliações de cursos, como a implementação da graduação em Medicina na cidade de Russas, no Vale do Jaguaribe.
UFCA tem R$ 8,8 milhões a menos
Pilar educacional no interior do Estado e sede de um futuro hospital universitário, a Universidade Federal do Cariri (UFCA) também tem encarado déficits orçamentários. De acordo com a instituição, a verba mínima necessária para manter os mesmos serviços ofertados em 2024 é de R$ 40,5 milhões – mas, até agora, somente R$ 31,7 milhões estão garantidos no orçamento de 2025.
O valor se refere ao chamado orçamento discricionário, uma fatia de dinheiro voltada apenas a gastos com funcionamento e investimentos – como contratação de serviços terceirizados de limpeza, segurança patrimonial e outros, exemplifica a UFCA. Ele corresponde a menos de 20% do orçamento total, comprometido com gastos obrigatórios.
A demanda da UFCA é quase o dobro do valor aprovado, como informou a universidade, em nota: a verba necessária para ir além do que foi feito em 2024, atender a despesas cotidianas e investir em “renovação estrutural em áreas estratégicas” foi orçada em R$ 61,9 milhões.
é o orçamento total da UFCA para 2025, incluindo gastos discricionários e obrigatórios, como pagamento de pessoal e de encargos.
Com a restrição entre janeiro e maio, a instituição fez diversos contingenciamentos, e “precisou represar, até o momento, aproximadamente R$ 2 milhões em despesas por falta de limite orçamentário”. “A perspectiva é empenhar essas despesas nos próximos dias”, completa a UFCA.
Na LOA 2025, o repasse aprovado pelo Congresso Nacional à UFCA foi de R$ 30,2 milhões, ao qual se soma R$ 1,5 milhão de recomposição pelo MEC. Segundo a instituição, um novo montante, de valor desconhecido, será entregue pelo ministério, “fruto do rateio entre todas as Universidades e Institutos Federais”.
“A UFCA se planeja para trabalhar com orçamento que o Governo Federal disponibiliza, seja suficiente apenas para a operação básica da instituição, seja maior, capaz de abarcar investimentos de ampliação e melhoramento dos inúmeros serviços prestados.”
Unilab aponta “alívio”, mas desafios seguem
R$ 14 milhões a mais era o valor estimado pela Unilab, no Maciço de Baturité, como reajuste necessário para o custeio do funcionamento das atividades, além das decorrentes de inauguração de novos espaços e despesas de exercícios anteriores. Mas a cifra não foi incluída no orçamento aprovado na LOA 2025.
O valor total destinado à instituição para o ano foi de R$ 193,5 milhões, considerando todo o orçamento, tanto o obrigatório quanto o discricionário. O montante é R$ 5,1 milhões maior do que o repassado em 2024, mas distinto da soma informada pela Unilab ao MEC como “ideal”.
A universidade reconhece que as medidas adotadas pelo MEC “representam importante alívio”, mas alerta que “os efeitos dessas medidas são limitados e não resolvem, de forma definitiva, os desafios orçamentários”.
“O que está previsto até o momento é uma recomposição parcial no projeto de lei (PLOA), no valor de R$ 2 milhões”, informa a Unilab, em nota.
Durante os primeiros meses do ano, com a restrição de gastos, a Unilab afirma que precisou fazer “várias contingências”, tanto em contratos administrativos como em “abastecimento, transporte veicular, passagens e muitos outros”.
“A maioria não está em situação regular ainda, persistindo limitações que afetam o funcionamento da universidade e exigem atenção urgente no planejamento orçamentário”, finaliza a Unilab.
A pesquisadora e educadora popular Estela Sales, 25, estudante de Humanidades da Unilab, afirma que, apesar da recomposição orçamentária garantida pelo MEC, ações de permanência estudantil, como auxílios financeiros e o próprio restaurante universitário (RU), estão com funcionamento deficitário.
O nosso RU ainda está atrasado, está à beira de fechar, e os nossos intercampi (ônibus para transporte dos alunos) ainda estão em falta. Estudantes que vêm de outros países estão prontos pra vir, mas quando chegarem não terão assistência.
A Unilab tem um perfil diferenciado entre as instituições federais do Ceará, já que é voltada à integração entre o Brasil e os demais países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), principalmente africanos. Além de Redenção, a universidade tem um campus no estado da Bahia.
“Precisamos de novos aportes”, diz IFCE
Enquanto seis novos campi do IFCE já foram anunciados pelo MEC, no ano passado, a rede atual alerta precisar de “novos aportes para investimentos na modernização de laboratórios, manutenção de instalações e outras providências relacionadas à assistência estudantil”, segundo nota enviada ao Diário do Nordeste.
A verba discricionária aprovada na LOA 2025 para o IFCE foi de R$ 126,7 milhões, um corte de R$ 6,4 milhões em relação ao que foi pedido na PLOA, conforme a instituição. No total, acrescentando o dinheiro voltado a despesas obrigatórias, o repasse será de R$ 1 bilhão durante este ano.
O subfinanciamento dos campi afeta, principalmente, a assistência estudantil, “que visa garantir condições para a permanência e o bom desempenho dos alunos”, como frisa o IFCE.
“Por ser uma instituição muito capilarizada e inclusiva, precisamos também de mais recursos para cumprir integralmente os preceitos da nova Lei da Política Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), que inclui de forma mais ampla os Institutos Federais”, acrescenta a nota.
O IFCE complementou que não precisou realizar nenhuma contingência no início do ano, “pois nos antecipamos e nos planejamos para trabalhar com a realidade de 1/18, priorizando áreas finalísticas e tendo objetivos claros no atendimento à nossa comunidade acadêmica”.
O que diz o MEC
O Diário do Nordeste questionou o MEC de que forma o funcionamento das instituições será acompanhado para que não haja descontinuidade ou deficiência na prestação de serviços.
Em nota, o ministério reforçou a “recomposição de R$ 400 milhões no orçamento das instituições e a regularização dos recursos para custeio no ano, com volta do limite anual de orçamento em 1/12”, e destacou a evolução dos repasses em comparação a 2021.
“Se a comparação do recurso discricionário do somatório das universidades e institutos federais for realizada entre o valor empenhado em 2021 e o orçamento da LOA 2025, há um aumento de 23,5%, ou seja, de R$ 8,1 bilhões para R$ 10 bilhões”, contabiliza.
“A necessidade de investimento não é um desafio atual e decorre da política implementada entre 2016 e 2022, que reduziu drasticamente os valores para manutenção e investimentos nas instituições federais de ensino superior”, escreveu o MEC.
Por fim, o ministério garante que “está em diálogo constante com as reitorias sobre as demandas da comunidade acadêmica e atua para garantir o pleno funcionamento das universidades e o êxito na missão de garantir o direito à educação superior pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada”.
Em encontro com reitores, neste mês, “o ministro Camilo Santana reconheceu que ‘o grande problema hoje é o orçamento discricionário’, referindo-se à dificuldade orçamentária das instituições”, como destacou Daniel Diniz, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), em publicação oficial.
Daniel é reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e ilustra que, “na UFRN, aproximadamente 10% do orçamento total são para o custeio da instituição, todo o resto é de pessoal e encargos”.
“São necessários recursos para assegurar a implementação dos programas, que propiciam a inclusão e, principalmente, a permanência dos nossos estudantes, e que são atualmente insuficientes para a enorme demanda da população que sonha em entrar em uma universidade pública”, completa o representante da Andifes.