Erosão avança na Praia da Peroba, destrói pousadas e deixa família sem renda há meses

Negócios fecharam após perda de acesso, destruição de estruturas e paralisação da obra de espigão.

Escrito por
Maria Clarice Sousa* e Nícolas Paulino ceara@svm.com.br
(Atualizado às 13:28)
Montagem com duas fotos mostrando antes e depois da mesma área à beira-mar: à esquerda, uma estrutura de palha em formato triangular com deck voltado para o mar; à direita, o local após ser desfeito, exibindo faixa de areia, mar ao fundo e barreira improvisada com sacos e estacas na encosta.
Legenda: Pousada encerrou atividades após maré consumir estrutura à beira da água.
Foto: Arquivo Pessoal.

A comunidade da Praia de Peroba, em Icapuí, no Litoral Leste do Ceará, segue enfrentando uma crise que combina perda econômica, risco estrutural e incerteza sobre as obras de contenção do mar. A erosão das ondas avançou tanto sobre a faixa de areia que atingiu imóveis e levou ao fechamento de pousadas.

A Pousada do Alciano está sem funcionar há seis meses. Já a Casa da Peroba Sol também anunciou o encerramento das atividades na última segunda-feira (8), alegando que não há mais condições de segurança no local. 

Os administradores da Casa alegam perda total de acesso e risco de desabamento. Em uma publicação nas redes sociais, afirmaram que o sumidouro da casa pode romper e que "turismo na vila entrou em colapso, tornando insustentável a continuidade das operações". "Nossa casa pode desabar a qualquer momento, pois toda a área externa já foi tomada pela erosão", relatam.

Duas fotos lado a lado ilustrando erosão costeira severa na Praia de Peroba: à esquerda, uma casa à beira de um penhasco desabado com rochas de contenção; à direita, um barranco de areia com cercas de madeira caindo na praia e o mar ao fundo.
Legenda: Pousada encerrou atividades após maré consumir estrutura à beira da água.
Foto: Paulo Alcântara.

O empreendimento atribui a situação à paralisação das obras do espigão e à adoção de medidas consideradas insuficientes para conter o avanço do mar.

Família nativa perde a única fonte de renda

A Pousada do Alciano pertence a uma família que nasceu e cresceu na região. A proprietária, Maria Océlia, de 58 anos, afirmou, em entrevista ao Diário do Nordeste, que a pousada também é sua única moradia e que, após o avanço do mar, “não tem mais nada além da casa”.

Segundo ela, o movimento de turistas que antes sustentava a família desapareceu devido à falta de segurança estrutural, deixando o local fechado e sem faturamento desde o início do segundo semestre de 2025. A erosão atingiu diretamente as áreas de convivência da pousada.

Océlia relata que as barracas usadas para refeições foram destruídas, a escada de acesso à praia desabou e o mar avançou entre 150 e 200 metros sobre o terreno, consumindo toda a área externa.

“O mar começou a vir até derrubar tudo”, relata. Sem renda, a família paga contas básicas, como energia, com doações de amigos. “Um doa R$100, outro doa R$200. Fizeram um grupo no WhatsApp para dar uma ajuda”, diz. “Parece uma mentira, mas é a realidade”.

As imagens mostram a Pousada do Alciano antes e depois do avanço da erosão. No registro central, a estrutura aparece intacta, com varandas elevadas e acesso à praia. Já nas fotos laterais, partes da pousada estão retorcidas, suspensas sobre a água ou sem apoio, evidenciando o colapso de pilares e o impacto direto do mar sobre a construção.
Legenda: Ao centro, uma imagem mostra a Pousada do Alciano antes de a erosão atingir as áreas externas. Nas laterais, fotos registram o cenário atual, com a estrutura das barracas destruída pelo avanço do mar.
Foto: Reprodução/Redes Sociais

Sem renda, mas pagando taxas

Mesmo sem condições de funcionar, a pousada continua pagando encargos de taxas municipais e licenças exigidas para operar. Océlia afirma que mantém pagamentos à Prefeitura, ao Corpo de Bombeiros, à Vigilância Sanitária e à licença ambiental, apesar de não ter recebido qualquer retorno ou apoio para enfrentar a crise. 

Ela relata que novas cobranças devem ser emitidas em janeiro e que, sem hóspedes há meses, já acumula dívidas e não tem como regularizá-las.

Para o Réveillon 2026, a família está construindo uma nova escada com o objetivo de receber alguns hóspedes já informados sobre a falta de estrutura em partes da pousada. A expectativa de ocupação, porém, é incerta, especialmente diante da maré alta prevista para janeiro e fevereiro.

Amigos e hóspedes se mobilizam

Amigos e antigos hóspedes têm usado as redes sociais para demonstrar apoio e indignação. As publicações lembram momentos vividos na pousada e lamentam o impacto da erosão na vida da família.

“Todos os momentos vividos nessa pousada são verdadeiros tesouros”, escreveu uma amiga do casal. Outra cliente disse: “Dói o coração ver o descaso das autoridades. Logo mais estaremos comemorando a vitória do recomeço".

Um terceiro comentário reforça o drama familiar: “Meu coração dói em ver essa situação. Isso não é só dinheiro, é dignidade”.

Praia da Peroba com sinais de forte erosão costeira, exibindo uma casa azul à beira de um barranco de areia íngreme e detritos de madeira e plástico espalhados na areia.
Legenda: Maré levou sacos e pedras utilizadas como contenção.
Foto: Paulo Alcântara.

Entenda a obra do espigão

Segundo a Associação Preserve Peroba, cerca de 70% da faixa de praia da comunidade foi afetada pela erosão. O primeiro espigão, apontado como saída fundamental para reduzir o impacto das marés, está com cerca de 60% a 70% concluído, mas a obra foi interrompida. 

De acordo com Luiz Viana, um dos representantes da Associação, a intervenção é considerada essencial para restabelecer o acesso aos imóveis e reduzir danos. Outros estabelecimentos, como pousadas vizinhas, também perderam estruturas ou tiveram parte do funcionamento comprometido.

Na última quarta-feira (10), moradores, vereadores, secretários municipais, o procurador do Município, o perito judicial Luís Parente e representantes da gestão se reuniram para discutir a paralisação. 

Segundo a Casa da Peroba Sol, a equipe da Prefeitura afirmou que o atraso se deve a duas parcelas que seriam de responsabilidade do Governo do Estado. Diante da falta de respostas, os moradores relatam sensação de abandono.

Em junho, o Diário do Nordeste já havia apurado uma interrupção da obra pelo mesmo motivo: falta de pagamento à empresa executora. Na época, fontes ligadas ao projeto confirmaram a pendência.

A reportagem procurou novamente a Prefeitura de Icapuí, desde a última quarta-feira (10), para solicitar esclarecimentos sobre o andamento das obras do espigão e o apoio aos moradores que tiveram bens destruídos. Contudo, não obteve resposta até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto para manifestações.

Já a Superintendência de Obras Públicas (SOP), do Governo do Estado, informou que os repasses do Estado "estão acontecendo normalmente", de acordo com o percentual de medição da obra, totalizando 97,5% dos recursos referentes à implantação da contenção na praia de Peroba.

Uma fiscalização da autarquia esteve no local em novembro e constatou que "a obra está em andamento", com 70% dos serviços executados. A previsão de término dos trabalhos é março de 2026.

*Estagiária sob a supervisão da jornalista Dahiana Araújo. 

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