Memória fraca pós-Covid? Cearenses relatam sequelas após a infecção e médicos indicam o que fazer
Esquecimento constante e outros impactos cognitivos pelo coronavírus são alvo de pesquisas no Ceará
Olhar um amigo, no dia a dia, e não lembrar de como ele se chama. Dar um nome aleatório a um objeto comum. Sair de um cômodo a outro de casa e, no caminho, esquecer totalmente do que ia fazer. As situações incomodam, mas são relatos corriqueiros de pacientes pós-Covid no Ceará.
A perda de memória tem sido apontada como sintoma frequente em quem já foi infectado pelo coronavírus. Estudo de pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) apontou que mais de 6 a cada 10 pessoas tiveram algum nível de “declínio cognitivo” depois da doença.
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Enquanto pacientes se preocupam, médicos e especialistas buscam entender de que formas o vírus pode afetar o sistema neurológico e o que fazer para reduzir os danos.
“Será que tô com Alzheimer?”
As respostas são urgentes para Sandra Silveira, 59, que vê a memória dissipar durante atividades rotineiras. “É um esquecimento total. Às vezes, saio de um canto da casa pra pegar uma coisa e não lembro mais no meio do caminho. É uma sensação horrível”, descreve.
A professora testou positivo para Covid três vezes: uma em 2020, quando perdeu o paladar; outra em 2021, quando a tosse forte a dominou; e a última neste ano, quando os sintomas foram os de uma gripe comum.
No começo, eu pensei: ‘será que tô com Alzheimer precoce?!’ Fui ao médico, ele me tranquilizou de que era uma das sequelas da Covid e recomendou que eu fizesse palavras-cruzadas, pra estimular a memória.
A infecção pelo coronavírus também deixou como “lembrança” uma memória falha para Sâmia Forte, 44. Ela teve Covid há cerca de 1 ano e, por já estar vacinada com todas as doses, sentiu apenas sintomas gripais leves. A sequela, porém, tem incomodado.
“Tenho lapsos de memória, o principal é com nomes: eu olho a pessoa, ela é do meu cotidiano, conheço faz tempo, e não lembro do nome. Foge da memória rapidamente. Não lembro de jeito nenhum”, conta, afirmando que deve ir ao médico para investigar.
Mulheres sofrem mais
No estudo feito por pesquisadores da UFC, mencionado no início da reportagem, as mulheres predominaram entre pacientes com “queixas cognitivas”, como destaca o professor Pedro Braga Neto, neurologista e orientador do trabalho.
Para a pesquisa, publicada como tese de doutorado do médico Wagner Leonel Tavares Júnior, foram acompanhados 219 pacientes: do total, 143 (65,3%) tiveram como queixa principal os sintomas de comprometimento da memória, 97 deles do gênero feminino.
Estudos já existentes demonstram alterações cognitivas relacionadas à memória, atenção e habilidade de realizar tarefas. Acredita-se que a infecção por Covid possa ocasionar, entre outras coisas, isquemia e inflamação no cérebro, em áreas responsáveis pela cognição.
De acordo com Pedro, “algumas pessoas ficaram com sintomas persistentes por mais de 12 semanas após a fase aguda da Covid, a chamada Covid longa”. O acompanhamento de pacientes será expandido para Alagoas, Rio Grande do Norte e Maranhão.
Com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), foi criada a Rede Nordeste de Neurocovid Longo, coordenada por Pedro. Segundo o professor, os pacientes realizarão exames como de sangue, avaliação neuropsicológica e polissonografia para estudo das sequelas.
Queixa comum
Enquanto 75% dos participantes da pesquisa da UFC não haviam sido hospitalizados pela Covid, um ambulatório do Hospital São José (HSJ) estudou pacientes internados nas duas primeiras ondas da pandemia no Ceará.
Melissa Medeiros, infectologista do HSJ e doutora em Farmacologia, relata que a perda de memória também é uma “queixa comum”. Uma nova fase das análises busca retomar contato com cerca de mil pacientes, “para rever quantas das sequelas se mantiveram e quantos voltaram ao normal”.
Estudos mostram que pacientes que perderam o olfato tendem a ter mais sequelas neurológicas, como dificuldade de lembrar palavras, esquecer coisas, trocar palavras. Alguns com 6 meses depois começam a recuperar, outros referem a longo prazo.
A infectologista alerta que a perda de memória também é uma queixa de pacientes com outras doenças crônicas, como HIV, doença renal crônica e cardiopatia; e recomenda atividades que podem ajudar a amenizar o quadro.
“É como se tivesse atrofiado uma musculatura. É difícil, porque não existe uma medicação pra reverter. O que aconselhamos é exercício pra resgatar a memória, como palavras cruzadas; técnicas de mindfulness e até yoga”, indica.