Fortaleza teve ‘taxa do lixo’ há 30 anos e já precisou devolver dinheiro à população; relembre
Entre protestos e decisões judiciais, prefeito da época chegou a desistir da cobrança
As novas gerações podem não saber, mas Fortaleza já cobrou a polêmica “taxa do lixo” há 32 anos. A cobrança foi instituída por lei em 1990, e paga pela população junto ao boleto do IPTU até 1998 – quando uma decisão da prefeitura iniciou uma onda de protestos.
Sob o nome de Taxa de Limpeza Pública (TLP), o imposto era pago pelos contribuintes como parte do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) até 1998. Foi quando a Prefeitura de Fortaleza resolveu desmembrar a cobrança.
A TLP passou então a se chamar Taxa de Coleta do Lixo (TCL), com valor variável por área e padrão do imóvel e por número de moradores – em boleto separado.
A decisão, aprovada por 29 vereadores, desagradou a todos os setores da sociedade, gerando protestos da população, lojistas e motivando ações inclusive por parte da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
À época, o Serviço Especial de Defesa Comunitária (Decom) chegou a receber 90 queixas diárias em protesto contra a taxa de lixo, e abrir de 30 a 40 processos por dia. Em protesto na Praça do Ferreira, foi entregue ao então prefeito, Juraci Magalhães, um abaixo-assinado com mais de 2 mil assinaturas exigindo a extinção da tarifa.
No mesmo ano, 1998, a Justiça do Ceará suspendeu a cobrança.
Os registros constam em reportagens do Diário do Nordeste resgatadas pelo Núcleo de Pesquisa do Sistema Verdes Mares.
Em dezembro de 1998, a prefeitura fez uma nova tentativa de cobrança referente à limpeza urbana de Fortaleza, enviando à Câmara Municipal um projeto para que cerca de 300 mil imóveis da cidade pagassem a agora Taxa de Resíduos Sólidos (TRS).
Com 120 mil isentos, o valor anual da TRS variava de R$ 24 a R$ 120: residências desembolsariam, em média, R$ 60; enquanto indústria, comércio e serviços, R$ 90 a R$ 210.
seriam arrecadados pela gestão municipal, por ano, com a taxa de lixo proposta em 1998. Do total, R$ 18 milhões seriam de imóveis residenciais e R$ 9 milhões de comércios e serviços.
Janeiro de 1999, então, foi carimbado por novas manifestações. “Queima de sacos de lixo e distribuição de abacaxi à população marcaram a manifestação ocorrida na Praça do Ferreira contra a Taxa de Lixo”, dizia publicação do Diário do Nordeste da época.
Os primeiros boletos chegaram às casas dos fortalezenses em abril daquele ano, quando a Comissão de Defesa dos Direitos do Consumidor da OAB/CE classificou, em ação civil pública, a cobrança como “ilegal e inconstitucional”, pedindo liminar contra a cobrança.
Após duas liminares judiciais e de inúmeras tentativas da prefeitura de conscientizar a população sobre a necessidade de se pagar a taxa do lixo, a gestão municipal desiste da cobrança, em maio de 1999.
Prefeitura precisou devolver dinheiro à população
Quase 4 mil fortalezenses chegaram a pagar a TRS, instituída em 1999, até a prefeitura desistir da cobrança. Todos eles receberam o dinheiro de volta, valor que foi devolvido pela gestão municipal em janeiro de 2000, distribuído em 4 lotes.
Já em 2001, uma suposta “tarifa do lixo” voltou a gerar discussão, quando a Prefeitura de Fortaleza propôs a adoção de um sistema de gestão de resíduos sólidos terceirizado, que exigiria uma tarifa para manutenção. O prefeito, então, negou que existisse uma nova “taxa do lixo”.
A Lei 8.621, aprovada em 2001, mas publicada no Diário Oficial do Município somente em janeiro de 2002, dispunha sobre o Sistema de Limpeza Urbana e previa a criação da Agência Reguladora de Limpeza, autorizando a Prefeitura a cobrar pelos serviços de coleta do lixo.
Novamente, o assunto virou caso judicial. O Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) recebeu, em dezembro de 2002, uma ação popular contra a cobrança, com pedido de liminar para suspender a licitação promovida pela prefeitura para contratar a empresa de coleta.
A taxa é, de novo, suspensa.
Em julho de 2003, após argumento da prefeitura de que queria “evitar o apagão do sistema de coleta urbana de lixo”, por suposta falta de verbas para mantê-lo, a liminar judicial cai e o valor volta a ser cobrado dos fortalezenses – o que durou apenas 5 meses até nova suspensão.
Contribuintes que pagaram a “tarifa do lixo” entre julho e dezembro de 2003, então, receberam o dinheiro de volta em 2006.
Em 2010, chegou a ser cogitada a cobrança de coleta de lixo de condomínios. A ideia não foi praticada.
Taxa do lixo em 2022
Uma das pautas mais controversas da gestão do prefeito José Sarto, a cobrança pela gestão do lixo produzido em Fortaleza volta à pauta diária.
A Prefeitura de Fortaleza argumenta que a cobrança da taxa do lixo é feita por determinação do novo Marco Legal do Saneamento Básico, aprovado pelo Congresso Nacional em 2020.
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Gemmelle Santos, professor de Gestão Ambiental no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), destaca que mais de 1.500 municípios brasileiros já cobram pela coleta do lixo, e que há tendência de melhorias ambientais a partir da cobrança.
Existem pesquisas que apontam a redução da geração de lixo e o aumento das práticas de gerenciamento adequado a partir do momento em que a Prefeitura passa a cobrar. Como há uma taxa, a população pensa melhor na hora de gerenciar.
Ele sugere que oferecer descontos a famílias que fizerem coleta seletiva, por exemplo, pode ser um incentivo “para que gerenciem melhor seus resíduos”.
Como vai ser calculada a taxa do lixo?
A taxa de lixo será calculada com base na área de cada imóvel em Fortaleza. O valor foi estabelecido a partir da divisão dos custos com o sistema de coleta de resíduos – que soma R$ 350 milhões por ano – pelos metros quadrados edificados na cidade.
Assim, o valor-base será de R$ 3,64 por metro quadrado a cada ano. Para saber quanto cada imóvel pagará pela taxa de lixo, basta multiplicar o valor-base pela área do imóvel.
A taxa mínima a ser paga em Fortaleza, caso o projeto seja aprovado, é de R$ 21,50 por mês – um total anual de R$ 258. Também foi estabelecida uma taxa máxima para a cobrança, que será de R$ 133,23 por mês – ou R$ 1.598,76 ao ano.
A Secretaria Municipal de Finanças (Sefin) deve criar, antes do início da cobrança da taxa, uma plataforma para que cada usuário possa consultar o valor que deverá pagar.