Febre Oropouche: como o CE tenta rastrear chegada do vírus a mosquito que está há 50 anos no Estado

Doença com sintomas semelhantes à dengue já teve quase 100 casos confirmados entre cearenses neste ano

Escrito por Theyse Viana, Lucas Falconery e Bernardo Maciel* , ceara@svm.com.br
Mulher com dor de cabeça
Legenda: Dor de cabeça é um dos principais sintomas da febre oropouche
Foto: Shutterstock

O aumento de casos da febre oropouche no Ceará para 96 confirmados, todos na região do Maciço do Baturité, tem voltado a atenção da população e das autoridades à doença. Equipes da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa) monitoram o cenário e buscam rastrear como o vírus chegou ao interior do Estado.

A arbovirose, que tem sintomas semelhantes aos da dengue, é transmitida pelo mosquito Culicoides paraensis, conhecido como maruim, “polvinha” ou mosquito-pólvora. O inseto já circula no Maciço há décadas, mas os primeiros registros oficiais da febre oropouche são recentes.

“Os moradores já conhecem há pelo menos 50, 60 anos. A novidade é a circulação do vírus, e estamos estudando pra entender como houve esse deslocamento do vírus ou de pessoas com o vírus pra região”, pontua Carlos Garcia, orientador da Célula de Vigilância e Prevenção de Doenças Transmissíveis e Não Transmissíveis da Sesa.

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Um dos pontos que a Sesa tenta esclarecer é “por que isso ocorreu agora – ou se já aconteceu no passado, mas pelo fato de ser uma doença com quadro clínico parecido com dengue, não foi diagnosticada”, frisa Carlos.

“Agora, que estamos testando, sabemos que não é (dengue). Estamos em processo de investigação”, acrescenta. O trabalho é feito em campo, com visita às áreas onde ocorre a transmissão, coleta de vetores (mosquitos transmissores) e entrevistas com pacientes para fazer o “rastreio” da doença.

“A equipe multidisciplinar da Sesa, composta por enfermeiros, médicos, veterinários, biólogos, agentes de endemias e outros técnicos, trabalha em conjunto com os municípios. As investigações de campo, geralmente, são realizadas por equipes de 8 a 10 profissionais”, detalha o gestor.

7.500
casos de febre oropouche, causada pelo arbovírus Orthobunyavirus oropoucheense (OROV), já foram confirmados no Brasil em 2024, de acordo com o Ministério da Saúde (MS). 

Apesar de não ser tão comum no Estado, a febre oropouche não é uma doença nova. Ela foi identificada no Brasil ainda na década de 1960 e, desde então, casos isolados e surtos foram relatados no País, principalmente nos estados da região Amazônica.

Dois óbitos pela doença foram registrados na Bahia, neste ano. No Ceará, porém, “até o momento não há indicação de uma ameaça iminente à saúde pública”, como explica a Sesa. “A maioria dos casos cursa com sintomas leves e autolimitados”, complementa a Pasta em boletim epidemiológico publicado no dia 2 deste mês.

Sintomas da febre oropouche

Os principais sintomas que têm sido relatados pelos pacientes cearenses com a oropouche são febre, dor de cabeça e dores no corpo, comuns a doenças como dengue e chikungunya, como observa Carlos Garcia.

  • Febre de início súbito
  • Dor de cabeça
  • Dor muscular
  • Dor articular
  • Tontura
  • Dor atrás do olhos
  • Calafrios
  • Fotofobia (sensibilidade à luz)
  • Náuseas
  • Vômitos
  • Meningoencefalite (inflamação no sistema nervoso), em casos graves
  • Manifestações hemorrágicas, em casos graves.

Por causa da semelhança com outras arboviroses, as unidades de saúde realizam primeiro testes para essas doenças e, caso descartadas, investigam a presença do OROV. 

Os exames são feitos no Laboratório Central de Saúde Pública do Ceará (Lacen), “mas a coleta é descentralizada nos municípios do interior do Estado”, frisa Carlos, ressaltando que, até agora, não há circulação do vírus fora do Maciço de Baturité.

“Quando as pessoas adoecem ou sentem os sintomas mais clássicos da dengue, é importante que busquem uma unidade de saúde, sejam acompanhadas e, se oportuno, seja solicitado o exame, para monitorarmos.”

O que dizem os pacientes

A funcionária pública Luciana Bezerra Sousa, de 27 anos, ficou assustada ao receber o diagnóstico de febre oropouche em Pacoti, a 90 km de Fortaleza, onde vive. Até então, nunca nem tinha ouvido falar em mosquito-pólvora.

“Quando dei entrada no pronto socorro, a suspeita foi dengue. Eu estava com muita dor no corpo e, nos momentos de febre alta, tive dor atrás dos olhos. Eu não tive vômitos, mas também não tinha nenhum apetite”, detalha sobre os sintomas.

Luciana convive com dor no nervo ciático e, inicialmente, pensou que a dor tinha essa origem e decidiu tomar a medicação de sempre. Mas o quadro se espalhou pelo corpo todo.

“Em vez de melhorar, em 40 minutos, eu piorei muito. Praticamente nem me mexia na cama porque estava doendo tudo e a febre contribui muito pra essa dor, era em torno de 40°C”, completa.

Ao chegar ao hospital, os exames descartaram as doenças mais conhecidas: dengue, zika e chikungunya. “A febre oropouche chegou a atingir meu fígado, o médico até chegou a pensar que seria dengue, mas descartou quando saiu o resultado do exame”, lembra.

A paciente ficou um dia internada e, dentre as orientações médicas, foi advertida sobre o uso de medicamentos para dor sem prescrição. “Fiz todo o acompanhamento, todos os procedimentos e fiquei bem. Foi em torno de 9 dias nesse processo doloroso.”

Como prevenir a febre oropouche

Apesar de a febre oropouche causar sintomas parecidos com a dengue, as formas de prevenção são diferentes. A chave da proteção contra a oropouche não é o combate ao mosquito maruim, diferentemente do que ocorre em relação ao Aedes aegypti.

Isso porque o mosquito-pólvora não se reproduz em locais onde há o acúmulo de água, como caixas d’água, cisternas, potes e outras. Ele vive na natureza, e se reproduz, geralmente, em:

  • Regiões de vales ou áreas baixas de encostas com água corrente utilizadas para a agricultura;
  • Presença de culturas que geram sombreamento e deposição de matéria orgânica, como banana e chuchu, entremeadas na vegetação natural;
  • Residências de alvenaria construídas a menos de cinco metros das áreas de cultivo;
  • Locais protegidos de ventos fortes e com maior umidade do ar em relação a áreas vizinhas.

De acordo com o boletim epidemiológico da Sesa sobre a febre, todos os casos investigados no Ceará têm local provável de infecção em zona rural. 

Carlos Garcia destaca que a melhor forma de prevenção é evitar o contato com o vetor, por meio de medidas individuais e coletivas, como:

  • Evitar o contato com áreas de ocorrência e/ou minimizar a exposição às picadas dos vetores (mosquitos);
  • Usar roupas que cubram a maior parte do corpo, como mangas compridas, calças e sapatos fechados; 
  • Aplicar repelente nas áreas expostas da pele;
  • Limpar terrenos e locais de criação de animais;
  • Recolher folhas e frutos que caem no solo;
  • Usar telas de malha fina em portas e janelas.

O especialista reforça que tais medidas devem ser adotadas principalmente no início da manhã e ao final da tarde, quando o mosquito está mais ativo; e devem ser intensificadas pelas gestantes, que já representam 3 dos 96 casos no Estado.

O gestor da Sesa ressalta que não houve registro de agravamento do quadro clínico de nenhuma das infectadas, mas, ainda assim, por conhecimento apreendido com outras doenças (como a zika), é preciso cautela.


*Estagiário sob a supervisão da jornalista Dahiana Araújo

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