Família cearense que foi morar nas Filipinas após pai conseguir emprego em 'bet' é repatriada
Brasileiros viveram em situação de vulnerabilidade após governo do país asiático considerar jogos de azar como atividade ilegal

O retorno para o lugar de origem foi cheio de emoção para uma família cearense repatriada das Filipinas pelo governo brasileiro no início do mês. Em uma sala no saguão do Aeroporto Internacional Pinto Martins, em Fortaleza, os cinco integrantes do grupo familiar reencontraram parentes que não viam há anos.
“Não tenho adjetivos para descrever meu êxtase. É incrível como a gente procura a felicidade tão longe e valoriza as pequenas coisas quando volta a tê-las”, afirmou um dos integrantes à Secretaria dos Direitos Humanos do Ceará (Sedih), quando da chegada ao terminal aéreo.
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A saga dos brasileiros teve início em junho de 2023, quando o pai se mudou para o país asiático, atraído por um emprego em uma empresa que gerenciava uma plataforma de jogos online — no mesmo modelo de negócio das chamadas “bets”. Após se estabelecer no exterior, ele levou a esposa, os dois filhos e a sogra.
Admirador da cultura asiática, o chefe de família soube da vaga de emprego após contatar uma criadora de conteúdos que, além de produzir vídeos sobre a vida de brasileiros em Manila, capital filipina, recrutava compatriotas para trabalhar fora. Empregado num setor de atendimento a clientes e recebendo um valor que, convertido, se aproxima dos R$ 10 mil, ele passou a viver no país.
Em julho de 2024, o presidente das Filipinas, Ferdinand Marcos Júnior, ordenou o fechamento de todos os cassinos online que funcionavam no país. A justificativa para a medida foi a ligação das empresas com o tráfico humano, trabalho análogo à escravidão, golpes e com o crime organizado chinês. A decisão atingiu em cheio o núcleo familiar cearense.
Pelo decreto presidencial, as plataformas de jogos de azar online deveriam encerrar suas atividades no país em 15 de novembro do ano passado. E, com isso, os estrangeiros que trabalhavam nesses negócios deveriam deixar o território filipino até o último dia de 2024.
“Muitas empresas saíram no último dia, e muitos funcionários também, mas uma grande parte deles não conseguiu. Eu fui um dos que não conseguiu”, contou o pai ao Ministério Público do Ceará (MPCE), órgão que atuou solicitando a adoção de medidas cabíveis pelo Governo Federal.
O visto de trabalho do cearense foi revogado imediatamente com a decisão. Entretanto, a situação dele era pior, porque ele havia sido demitido em junho, pouco antes do governante filipino baixar a determinação. Denúncias de que brasileiros estavam trabalhando em situação análoga à escravidão no Laos, na mesma região da Ásia em que ele estava, fizeram com que houvesse uma demissão em massa das pessoas nascidas no Brasil.
Sem recursos financeiros para se manter, o chefe da família recorreu às redes sociais e, em outubro, publicou um vídeo pedindo ajuda. “A ideia era fazer com que o vídeo viralizasse e chegasse a alguma autoridade brasileira ou a algum influencer que se sensibilizasse e pagasse as nossas passagens”, recordou.
Trabalho para a repatriação
A informação de que os cearenses estavam em vulnerabilidade, inclusive sofrendo uma situação de insegurança alimentar, no exterior, chegou ao Ministério Público por meio de um pastor que conhecia a família. Ele viu o vídeo e possibilitou um contato do órgão estadual com o grupo.
“Conversei com o casal, com a idosa e com as duas crianças. Pude ver um pouquinho do ambiente doméstico e atestei a realidade dura que eles estavam passando”, relatou Germano Rodrigues, o promotor de Justiça que acompanhou o caso tão logo foi comunicado ao MP.
O MPCE comunicou o caso ao Ministério das Relações Exteriores (MRE) e à Sedih em novembro do ano passado, para que houvesse a repatriação da família, de acordo com as políticas promovidas pela administração federal em casos do tipo. No início de dezembro, o Itamaraty informou ao MP estadual que iria acompanhar o caso.
Todo o procedimento burocrático necessário para a compra das passagens foi cumprido e, no dia 4 de janeiro, houve o retorno dos cinco familiares para casa. A família desembarcou, no dia seguinte, em São Paulo. E, depois, embarcou em outro voo para Fortaleza, onde foi recebida na madrugada do dia 6 de janeiro.
Com eles, uma nova integrante foi trazida: Aurora, uma cachorrinha de 8 meses. “Nas horas mais difíceis, ela foi a nossa alegria. Eram nesses momentos que nós sorríamos em família. Então acabamos criando um vínculo emocional muito forte com ela”, lembrou o pai. A família repatriada foi acolhida em uma casa cedida por um parente.
De acordo com o MPCE, os cearenses estão entre as 699 pessoas atendidas em 2024 pelo Programa Estadual de Atenção ao Migrante, Refugiado e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Criada em 2019, a política pública busca acolher esse público que chega ao estado e também cearenses que se encontram em situação de vulnerabilidade no exterior.
Autoridades seguem acompanhando
Eles foram os primeiros repatriados a serem acompanhados pelo Posto Avançado de Atendimento Humanizado ao Migrante (PAAHM) do Aeroporto Internacional Pinto Martins, equipamento da Sedih que auxilia no processo de regularização documental e na articulação com instituições de atendimento especializado de saúde e assistência, além de consulados e embaixadas.
A família continua sendo acompanhada pelo MPCE e pela Sedih. Ao Diário do Nordeste, a secretária de Direitos Humanos do Estado, Socorro França, afirmou que o Centro de Referência em Direitos Humanos do Estado do Ceará — Dom Hélder Câmara (CRDH) foi designado para prestar suporte.
"A partir daí temos uma psicóloga, uma assistente social e outros profissionais acompanhando essa família", salientou França, alegando que as crianças já foram matriculadas na rede de educação e que a adesão a benefícios sociais é uma possibilidade.
O fato não é isolado, segundo a titular da Sedih. "Nós temos várias notícias com relação a pessoas que saíram daqui, foram levadas para que tivessem um sonho de mudança de vida, e que infelizmente, ao chegar, se deparam com outras realidades", completou, apontando que o Governo investiga tais informações.
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