Dinossauro cearense: após chegar ao Brasil, quais os próximos passos para o fóssil voltar ao Cariri
Em entrevista ao Diário do Nordeste, o diretor do Museu de Paleontologia da Urca, Allysson Pinheiro, falou sobre a vinda do Ubirajara jubatus ao Estado e de detalhes como a mudança do nome do animal
O fóssil do dinossauro Ubirajara jubatus, descoberto no Ceará e levado ilegalmente da região do Cariri em 1995 para fora do país, agora está bem mais perto de casa. A relíquia estava no Museu de História Natural de Karlsruhe, na Alemanha, e chegou ao Brasil no início do mês. Na segunda-feira (12), ocorrerá a solenidade de repatriação do fóssil na sede do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação(MCTI), em Brasília. A expectativa agora é quando chegará, finalmente, ao Cariri cearense.
Em solo brasileiro, o fóssil descoberto na região da Bacia do Araripe, no Sul do Ceará, remonta ao período Cretáceo e viveu há cerca de 110 e 115 milhões de anos. Como diferencial, embora tivesse penas, Ubirajara jubatus é a primeira espécie de dinossauro não aviária encontrado nas Américas.
O diretor do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens (MPPCN), da Universidade Regional do Cariri (Urca), Allysson Pinheiro, em entrevista ao Diário do Nordeste, falou sobre a solenidade que ocorrerá em Brasília, das expectativas e do quão expressiva foi a mobilização da comunidade científica e da sociedade para que o patrimônio retornasse ao Brasil.
De volta ao Brasil, Ubirajara deverá receber outro nome, conta Allyson, tendo em vista que a publicação científica que o formalizou com essa nomenclatura, diz ele, já não tem mais validade. A descoberta da retirada ilegal do fóssil do Cariri só ocorreu há alguns anos, quando um artigo científico, produzido por autores estrangeiros, descreveu o fóssil e registrou a espécie. Desde então, há uma intensa mobilização de paleontólogos brasileiros denunciando as possíveis ilegalidades na exportação do material.
1. O fóssil Ubirajara jubatus já está no Brasil desde o começo de junho. E agora, o que vai acontecer na segunda-feira (12)?
Vai ser apresentado o fóssil à comunidade de um modo geral. Ele está no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, em Brasília, e ele vai ter esse momento com a presença do governo brasileiro, do governo alemão, pesquisadores, da Sociedade Brasileira de Paleontologia. Uma celebração dessa conquista que é de todos, por a gente ter chegado nesse acordo que voltasse ao Brasil. É isso que está acontecendo nesse momento.
2. O que falta para chegar ao Ceará? Os custos?
Após isso, ele inicia seu regresso ao Cariri. Quando ele sai de lá (Brasília)? Não tenho precisão. Esse movimento de Brasília ao Cariri está sendo coordenado pelo Governo do Estado do Ceará. O governador Elmano estará na cerimônia, então foi cogitada a possibilidade de vir com o próprio governador, logo após a cerimônia. Mas não sei se isso vai ser possível. Estão verificando lá. Inclusive agenda.
Todo mundo quer que ele venha o mais rápido possível e de preferência junto com alguém. Mas, estamos vendo qual a melhor forma disso acontecer. Ele vem rápido, não vai demorar lá. Já passou tempo demais fora do Cariri, mas não tem data para chegar ainda.
3. Essa passagem por Brasília, tem questões simbólicas de entrada no país, mas tem alguma exigência de ordem técnica para isso? Era preciso fazer algo lá que não tinha como fazer no Ceará? Era preciso passar primeiro por lá?
Ele desembarcou em Brasília, em um voo com a delegação alemã que chegou em Brasília, por isso foi para lá. Não tem nada técnico. Na verdade, a delegação alemã aproveitou um movimento que aconteceria e trouxe o fóssil junto.
Não veio para o Ceará ainda por questões de cuidado. Ele poderia ser despachado ou colocado em uma transportadora. Mas, não é o ideal. O ideal é que venha aos nossos olhos. Ele está muito bem embalado. Está em uma caixa com toda a proteção necessária.
O governo alemão teve muito cuidado nesse sentido, mas a gente gostaria de estar com ele bem próximo e ter controle das coisas. Estamos vendo a possibilidade de vir com essa supervisão.
É um fóssil. Não é uma peça tão delicada assim. A gente sabe que é uma rocha. Mas nem por isso a gente vai deixar de tomar cuidado. É um fóssil que tem um valor simbólico muito importante e econômico em mercado ilegal. No Brasil não é permitida a comercialização, então, não tem atribuição de valor, mas a gente tem que se precaver contra tudo. Então, são esses cuidados que estão sendo tomados para garantir a integridade do fóssil e a segurança.
4. O que é o Ubirajara jubatus? Quais as características?
O fóssil saiu da Bacia do Araripe, que é uma bacia que se formou no (período) cretáceo, à época da separação dos continentes. A formação específica que ele vem é a formação Crato, uma faixa desta Bacia do Araripe que tem aproximadamente 110 milhões de anos.
O fóssil é um dinossauro, mas não é um dinossauro como a gente imagina assim que fala em dinossauro. Não é uma coisa gigantesca. É um fóssil de um dinossauro pequeno do tamanho de uma galinha, um peru, mas ele é muito diferente porque é o primeiro dinossauro não aviário das Américas.
Então, ele tinha umas estruturas semelhantes a penas, mas não necessariamente para voos. Atribui-se que era para alguma coisa como a cauda do pavão que é usada para atrair fêmeas. Outros displays que não necessariamente são voos. E foi a primeira vez que isso foi visto em um organismo como esse. Por isso que ele é tão importante.
5. O Ubirajara foi descoberto no Crato, levado para a Alemanha, e quando os pesquisadores do Ceará se deram conta de que esse material estava fora do país?
Ele saiu daqui em uma caixa, em 1995, com outros fósseis aparentemente. Foi à Alemanha, passou esse tempo todo lá e a gente soube da existência dele basicamente na publicação em 2018. Quando os pesquisadores alemães fizeram um trabalho dizendo: ‘olha, aqui tem um fóssil novo, um dinossauro da região do Araripe’.
Aí a gente foi ler e entendeu que estava tudo errado. Não poderia estar lá fora com aquela documentação e aí começou todo o movimento em redes sociais e tentativas de reuniões de colaboração para que a gente chegasse hoje, três anos depois, nesse desfecho.
6. O que é a repatriação? Como funciona oficialmente?
Repatriação é a volta ao seu local de origem. Volta, porque depois de muita conversa, foi entendido que ele saiu de forma irregular. Ele saiu nessa caixa, com um documento da época do Departamento Nacional de Mineração, que hoje é a Agência Nacional de Mineração, permitindo essa saída. O fato é que essa permissão não é válida.
Esse órgão não poderia dar essa permissão. Então, até explicar aos alemães que os documentos que eles tinham permitindo a saída não era um documento que ‘tivesse força para isso’, demorou um pouco.
Essa negociação teve que se dar e a partir de uma grande mobilização social. Isso teve grande peso para chegarmos ao resultado de agora. A negociação feita pelas instituições brasileiras, mas também a mobilização social indicando que o Brasil clamava por essa repatriação.
7. Paleontólogos brasileiros engajados na luta pelo retorno elencam que, por certo, essa situação é não um caso isolado e há outros 90 exemplares de fósseis ilegalmente no exterior. Há algum outro do Ceará?
Tem vários. Há em curso quase 20 processos de repatriação junto ao Ministério Público Federal para diversos países do mundo em praticamente todos os continentes. Eu só não sei se tem na África. Mas em todos os outros, tem casos de repatriação solicitados pelo Ministério Público Federal, e quase todos são daqui do Araripe. O Araripe é o local onde tem uma quantidade e qualidade extraordinária de fósseis.
Tem essas iniciativas que são identificações principalmente de tentativa de vendas na internet, muitos desses casos são isso. Outros casos são um pouco mais parecidos com o Ubirajara, fósseis que estão em instituições e que sabemos que saíram em não conformidade com a legislação nacional. E tem as iniciativas bilaterais em conversas.
Nós, temos algumas conversas com os museus que a gente sabe que têm peças do Araripe para que a gente possa reavê-las. Então, não é de agora. Não foi a primeira repatriação também, mas tornou-se um símbolo por causa desse engajamento e toda a discussão que levantou sobre decolonialismo científico.
A gente já repatriou a aranha Cretapalpus vittari, estamos para receber os mil fósseis da França, e houve outros casos de repatriação de um fungo que é do Araripe mas foi repatriado para Pernambuco. Então, não foi o primeiro e certamente não será o último.
O que a gente tenta é que materiais especiais da gente não saiam mais. Isso só vai acontecer com alguns processos que têm que ocorrer todos ao mesmo tempo: educação, fiscalização e alternativas socioeconômicas. Hoje, felizmente, a região não padece como padeceu há duas décadas. Porque tem mais educação e fiscalização.
8. Chegando ao Cariri, o Ubirajara ficará exposto no Museu?
Ele ficará exposto. Isso não é o normal, não é o comum, mas devido a tudo o que simboliza, a gente quer dar oportunidade para o povo do território conhecer essa peça, esse fóssil, tentar entender um pouco de tudo isso. Então, a gente vai deixar em exposição por um curto espaço de tempo, duas semanas, um pouco mais.
Esses materiais que são especiais, a exposição inerentemente traz um risco a qualquer material. O material especial assim não fica exposto. Fica guardado na reserva técnica para ser trabalhado, estudado e servir de base para novos pesquisadores no Brasil.
E o nome Ubirajara jubatus vai deixar de existir brevemente, pois uma coisa técnica da ciência é que como o trabalho foi despublicado, esse nome perdeu a validade e, em breve, ele vai ser chamado de outra coisa. E quem define o novo nome são aqueles que fizerem a descrição formal e já tem um grupo de pesquisadores interessados em trabalhar esse material. É um grupo com pesquisadores do Cariri, da Urca, do Nordeste, mas também de fora, como estrangeiros. Com o fóssil em mãos conseguimos fazer isso com uma certa celeridade.