Como são investigados no Ceará os casos de intoxicação por metanol?
No Ceará, 5 suspeitas foram registradas desde sábado (4), e duas foram descartadas
O Brasil tem vivido um momento de alerta com as confirmações e os casos suspeitos de intoxicação por metanol pela ingestão de bebidas alcoólicas. As notificações começaram em São Paulo, há mais de um mês, e alcançaram outros estados brasileiros no decorrer das últimas semanas. No Ceará, 5 suspeitas foram registradas desde sábado (4). Diante desse cenário, como são investigados os casos de intoxicação por metanol no Estado?
Um ponto de partida, que precisa ser considerado neste momento, é que embora o Brasil esteja confirmando casos nos quais a ingestão de bebidas destiladas adulteradas, como gin, uísque e vodca, tem provocado a intoxicação por metanol, no Ceará, a situação ainda é de investigação, já que 3 casos foram descartados (incluindo um óbito) e outros 2 (1 em Quixeramobim e 1 em Aquiraz) seguem em análise. Portanto, o Estado ainda não tem casos comprovados.
Esse contexto se difere de estados como São Paulo, por exemplo, onde óbitos por intoxicação foram confirmados, e bares, adegas e distribuidoras de bebidas já foram interditados cautelarmente por suspeita de adulteração. No Brasil, as investigações seguem em curso e não se sabe ainda se o metanol foi adicionado a bebidas falsificadas ou se são casos de contaminação em decorrência do metanol presente nos recipientes das bebidas.
Nesse cenário, uma das primeiras considerações é que a investigação dos casos envolve tanto as instituições de saúde e vigilância, como as de segurança. No Ceará, diante do alerta e na tentativa de acompanhar as ações, a Secretaria Estadual da Saúde no Ceará formou um grupo interinstitucional de vigilância.
O grupo é composto por representantes da própria Sesa, da Perícia Forense (Pefoce), da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), Centro de Informação e Assistência Toxicológica do Ceará e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
Quando um caso é considerado suspeito?
O metanol é um solvente industrial altamente tóxico. Quando é metabolizado pelo fígado, ele se transforma em substâncias que causam graves danos à saúde. Nas investigações sobre casos de intoxicação por metanol um caso é considerado suspeito, conforme orientação do Ministério da Saúde, quando o paciente ingeriu bebida alcoólica e em cerca de 12h siga um ou mais dos seguintes sinais:
- Sintomas compatíveis de embriaguez acompanhado de desconforto gástrico ou quadro de gastrite;
- Manifestações visuais, incluindo visão turva, borrada, escotomas ou alterações na acuidade visual.
O caso é confirmado quando o paciente, além de se enquadrar na definição de caso suspeito, apresenta sinais clínicos graves, como coma, convulsões, cegueira ou rebaixamento da consciência.
Também é considerado confirmado quando os seguinte requisitos técnicos são caracterizados: exames laboratoriais mostram pH no sangue menor que 7,3, bicarbonato inferior a 20 mEq/L, diferença osmolar maior que 10 ou dosagem de metanol no sangue acima de 200 mg/L.
Atuação da rede de saúde
Na saúde, a orientação é que pessoas que estejam com suspeita de intoxicação por metanol procurem as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs). Segundo o secretário executivo de Vigilância em Saúde da Sesa, Antônio Lima Neto, Tanta, as UPAs que não têm capacidade laboratorial devem encaminhar o paciente para a unidade adequada. Na rede privada, podem ser buscados os serviços de urgência e emergência.
Ele destaca que: “um dos grandes desafios desse tipo de ameaça sanitária é que ela tem que envolver vários setores. Como é uma intoxicação exógena, se tem um óbito suspeito não vai para o Sistema de Verificação de Óbitos, que é um órgão ligado à Sesa, quem faz autópsia neste (de intoxicação exógena) caso é a Pefoce, que é da Secretaria de Segurança Pública”.
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No caso, os exames nas unidades de saúde são requisitados à Pefoce, porque, diz Tanta, no Ceará “só a Pefoce tem a capacidade hoje de fazer o exame de dosagem de metanol no sangue". Os resultados saem cerca de 24 horas, aponta, acrescentando que o prazo “depende da procura e do fluxo, mas não têm demorado".
Nem todos os pacientes intoxicados têm necessidade de internação. Os que estão internados no Ceará, esclarece Tanta, permanecem porque têm “alguma complicação”. “A pessoa que está internada tem um quadro clínico estabelecido. Não podemos liberar essa pessoa sem que se tenha elucidado o diagnóstico”, completa.
Quando o paciente com caso suspeito é atendido, é preciso notificar as secretárias da saúde do município, do Estado e o Ministério da Saúde. No documento, o próprio profissional da saúde indica, dentre outras informações, se o paciente sabe exatamente qual bebida ingeriu e onde ingeriu.
Fiscalização e Investigação
O secretário executivo de Vigilância em Saúde da Sesa, Tanta, ressalta também que a rotina de fiscalização de bebidas em razão da adulteração não é novidade. “A adulteração com metanol aconteceu já em muitos lugares do mundo, mas não se sabe se foi porque existe manipulação e as pessoas estão usando mais metanol ou então se o recipiente já continha metanol”, aponta.
Ele destaca que “essa adulteração pode ocorrer tanto no local que a pessoa vai, num pequeno bar de comunidade, como ela pode ser uma falsificação de larga escala que vende para um restaurante de luxo, como foi em São Paulo”.
Como a situação de ameaça sanitária envolve várias dimensões, quando um caso é confirmado, é preciso contar também com as instituições de segurança, como a Polícia Civil, para tentar rastrear a origem das bebidas, identificando também distribuidores e fabricantes. Tanta explica que hoje já existe uma sistemática de investigação desses casos.
O Diário do Nordeste entrou em contato com a SSPDS, na tarde desta segunda-feira, questionando sobre o assunto, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.
No Brasil, o controle da produção e da distribuição de bebidas alcoólicas passa pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e, na ponta da cadeia, por órgãos estaduais e municipais. No âmbito nacional, a Lei Federal 8.918/94 atribui responsabilidades de fiscalização tecnológica ao MAPA e as questões relacionadas à composição e segurança das bebidas ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Dessa forma, cabe ao MAPA assegurar o registro, a padronização e a qualidade dos produtos, bem como verificar a conformidade da bebida com os requisitos de identidade e qualidade, apurando ocorrências de alterações, adulterações, falsificações e fraudes.
Além disso, o Decreto 6.871, de 2009, define todo o sistema de padronização, classificação, registro, inspeção e fiscalização de praticamente todos os tipos de bebidas destinadas à ingestão humana — sejam elas alcoólicas ou não-alcoólicas. Todos os estabelecimentos e produtos nacionais devem ser registrados no Ministério.
A partir do momento que as bebidas chegam ao consumidor final, outros órgãos entram na equação. Em Fortaleza, por exemplo, a Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis) é responsável pela fiscalização das distribuidoras e do comércio de bebidas na capital cearense.
Rotineiramente, a agência atua na fiscalização sanitária e consumerista em bares e restaurantes, verificando as licenças e autorizações de funcionamento. Em relação à exigência da apresentação de nota fiscal da mercadoria, a competência é dos órgãos de administração fazendária e tributária, como a Receita Federal e Secretaria da Fazenda do Ceará (Sefaz).
Questionada sobre o trabalho diante do atual cenário, a Agefis, em nota, afirmou apenas que irá desenvolver, nos próximos dias, um plano para “reforçar uma fiscalização mais direcionada aos bares e distribuidoras de bebidas”.