Colégio em prédio histórico de Fortaleza celebra 160 anos e abre seu museu para visitação
Instituição no Centro funcionou como internato para meninas quando acesso à educação para mulheres era limitado
Se as paredes de um lugar guardam histórias, as do Colégio da Imaculada Conceição (CIC), prédio da década de 1860, são testemunhas de várias – e foram atravessadas por várias gerações de famílias cearenses. Agora, 160 anos depois, a escola tombada pelo patrimônio histórico de Fortaleza abre as portas a visitas gratuitas por essas memórias.
O colégio católico foi fundado em 15 de agosto de 1865, na então rua Formosa (hoje rua Barão do Rio Branco), como alternativa para ampliar o acesso de meninas à educação. Hoje, fica no quadrilátero formado pela rua Coronel Ferraz, avenida Costa Barros, rua 25 de março e av. Santos Dumont.
Parte dessas memórias foi vivida pela família da psicóloga Nayana Prado, 40: todas as últimas gerações, desde a bisavó, foram matriculadas lá. “Temos esse vínculo todinho. Minha avó estudou lá na época que eram só mulheres. Tenho três filhos: todos estudaram lá”, diz, com orgulho.
Nayana ocupou as carteiras do CIC da educação infantil até o ensino médio, e está entre os eternos alunos que chamam o colégio de “viveiro adorado”. “Lá tem o porteiro que é do tempo da minha mãe. O Zé da Pipoca, também do tempo dela. São memórias que tenho vivas”, declara.
As lembranças, aliás, não se restringem aos dias de segunda a sexta: o envolvimento com as atividades era tanto que, aos sábados, ela relembra, participava de ações sociais com as irmãs e de aulas campais nas próprias dependências do próprio prédio tombado, “enorme”.
Segundo ela, a própria avó e ex-alunas da época dela ainda se reúnem numa sala do colégio para organizar ações de caridade.
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“O colégio sempre teve a preocupação de passar pra gente o conhecimento de onde estávamos. A gente tinha aulas dentro do museu, eles mostravam a história da época. A parte interna do colégio conta a história das turmas. Minha placa de formatura está lá até hoje”, conta. Ela se formou na turma de 2002.
Mesmo após 23 anos, Nayana sempre encontra os amigos que fez lá. “Tem colegas que vêm do exterior porque não querem perder o nosso encontro. Qualquer campanha que as irmãs querem fazer os ex-alunos se levantam e ajudam”, situa.
Quando vou buscar minha filha sempre tem uma mãe mostrando a foto da placa de formatura pro filho. Isso é muito especial. É um colégio que tem vida. São muitas memórias afetivas que a gente tem.
No dia da comemoração do aniversário de 160 anos do colégio, nesta quinta-feira (14), Nayana, a avó, a mãe e os filhos dela terão uma entrada especial no evento, a convite da instituição, como “símbolo de que é um colégio geracional”.
Entre as lembranças da família também está um “patrimônio histórico do colégio”, como ela define: é Joelcio Alves, historiador e professor do “viveiro adorado” há 35 anos. Ele situa o contexto que Fortaleza vivia quando o colégio surgiu.
Naquele período, fazia mais de 20 anos que Dom Pedro II havia sido coroado Imperador do Brasil, em meio a movimentos contra a monarquia. No Ceará, a luta contra a abolição da escravidão – efetivada em 1884, na Terra da Luz – também cercava o surgimento da instituição, relembra o historiador.
“As meninas que não tinham onde estudar, porque só havia o Liceu. Então, o Bispo Dom Luís entrou em contato com as Filhas da Caridade em Paris e as convidou pra criar uma escola pra órfãs aqui. Muitas viriam do interior ou de cidades próximas pra estudar”, rememora.
O colégio, então, se configurou como um internato para meninas, e o espaço se tornou insuficiente para comportar todas as candidatas. Em 1867, então, foi transferido para o local onde está até hoje – cuja arquitetura, de tão bela, foi usada até em cartões-postais de Fortaleza.
O mesmo vale para a Igreja do Pequeno Grande, que fica ao lado do CIC também faz parte do conjunto arquitetônico tombado pelo Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Histórico-Cultural (Comphic) em outubro de 2015. A proteção inclui ainda a antiga Escola Normal, hoje Escola Justiniano de Serpa, e a Escola Jesus, Maria e José.
Alunos célebres
As crianças e adolescentes que ocupam o Imaculada hoje “respiram a história”, segundo descreve o professor, “porque em cada espaço tem algo do passado”. A riqueza do complexo tombado e de quem já o frequentou permanece dentro das salas de aula.
“Apresentamos, ao longo das disciplinas, os nomes das pessoas que o Ceará e o Brasil conhecem e que estudaram aqui, como Rachel de Queiroz (escritora), Angela Gutiérrez (escritora e agraciada com o Troféu Sereia de Ouro) e Elvira Pinho (ativista abolicionista)”, lista.
Joelcio também cita, orgulhoso, nomes como Petrus Cariry, cineasta brasileiro que foi aluno dele na instituição, e outros destacados nas artes pelo País e pelo mundo.
“Estou sendo professor dos filhos dos meus alunos. Por ter chegado tão jovem, me identifiquei tanto que hoje ainda mantenho laços com muitos ex-alunos. Sou padrinho de batismo, de casamento, de crisma, e frequento as casas deles rememorando os momentos”, emociona-se.
Museu aberto
Além do tombamento, que garante a preservação das características originais do Colégio Imaculada Conceição e da Igreja do Pequeno Grande; o valor arquitetônico, cultural e histórico do espaço é eternizado em um museu mantido pela instituição há décadas. Ele será aberto a visitas gratuitas pelo público, em comemoração ao 160º aniversário.
No acervo estão expostas placas de formatura das “professorandas”, esculpidas em madeira; uniformes antigos, hábitos das irmãs Filhas da Caridade, fotografias, móveis, carteiras de estudantes e até documentos.
Para a atual diretora do colégio, a Irmã Evânia Oliveira, é uma oportunidade para famílias conhecerem “toda a parte histórica do colégio” e para os ex-alunos “terem uma lembrança do que viveram” nos corredores e salas de aula.
“Sempre repassamos, tanto pros professores da atualidade como pros estudantes, como ocorreu o início da educação só pra meninas, que eram internas. Celebramos 160 anos de história em Fortaleza”, conclui.
Serviço
Visitação ao museu do Colégio da Imaculada Conceição e visitas guiadas pelos prédios tombados
- De 11 a 14 de agosto, das 8h às 17h.
- Av. Santos Dumont, 55 - Centro
- Entrada gratuita. Não é preciso realizar inscrição prévia.