Canabidiol tem efeitos positivos limitados no tratamento de TEA, revela pesquisa da Uece

Pesquisadores da Universidade Estadual do Ceará consideraram que substância deve ser usada em casos específicos de autismo em crianças e adolescentes

Escrito por
Clarice Nascimento clarice.nascimento@svm.com.br
A foto mostra uma pessoa, vestindo um suéter de lã verde, segura um pequeno frasco de vidro âmbar e um conta-gotas. A ponta do conta-gotas está pingando um líquido dourado de volta para o frasco. O rosto da pessoa está cortado da imagem, com apenas o queixo e parte da boca visíveis. A iluminação é suave e natural, com reflexos de luz no líquido do conta-gotas. O fundo está desfocado e escuro, mas é possível distinguir uma planta em um vaso no canto inferior direito.
Legenda: O CBD foi considerado seguro quando utilizada em um período curto de tempo, entre 6 meses a um ano de uso, e apresentou reações adversas leves
Foto: Shutterstock

Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Estadual do Ceará (Uece) revelou que o canabidiol (CBD) tem efeitos positivos, mas limitados no tratamento de sintomas do Transtorno do Espectro Autista (TEA). A substância oferece benefícios pontuais no controle do comportamento disruptivo, na agitação e na ansiedade de crianças e adolescentes autistas. Porém, esses desfechos são resultados de metodologias frágeis e de pouca evidência. 

A pesquisa se baseou em uma análise qualitativa dos estudos clínicos existentes, com objetivo de mapear as evidências disponíveis na literatura sobre a eficácia, tolerabilidade e efetividade do canabidiol (CBD) como tratamento para TEA. É o que explica o professor do Departamento de Medicina da Uece e coordenador do estudo, Gislei Aragão, ao Diário do Nordeste.

“Os estudos mostram que a cannabis serve para uma quantidade limitada de desfechos, especialmente para o comportamento disruptivo. A substância deve ser usada particularmente para casos específicos de crianças com autismo que não respondam a medicações convencionais”, explica. 

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O CBD foi considerado seguro quando utilizada em um período curto de tempo. A maioria das pesquisas analisadas possuem o espaço de 6 meses a um ano de uso. Os efeitos adversos apresentados são distúrbios do sono, irritabilidade e perda de apetite. Ou seja, são reações leves, segundo o pesquisador. 

Contudo, a pesquisa reforça que é preciso ampliar e aprimorar os estudos científicos, com evidências mais significativas. A maioria dos objetos analisados possuem 'baixa qualidade' como “não usam um grupo controle, o tamanho da amostra é pequeno e a faixa etária é muito ampla”.

“Precisamos de mais estudos com mais rigor metodológico, com amostras maiores e com tempo maior de acompanhamento para podermos detectar outros efeitos que os estudos de menor valor encontraram”, explica.

Efeitos positivos

O sintoma do autismo em que o canabidiol apresenta maior eficácia é o do comportamento disruptivo, que diz respeito a padrões de conduta como desobediência, agressividade, irritabilidade e dificuldade em seguir regras que costumam aparecer como resposta a frustrações ou sobrecarga sensorial. “Isso é muito importante porque se você melhora esse comportamento já dá uma tranquilidade interessante”, considera.

Em seguida, os desfechos significantes encontrados foram:

  • comportamento social;
  • agitação psicomotora;
  • ansiedade.

66 mil
crianças e adolescentes possuem diagnóstico de autismo no Ceará, segundo dados do Censo do IBGE de 2022.

A busca de pais, mães e responsáveis por uma solução rápida e precisa para os sintomas do autismo nos filhos pode levar a decisões influenciadas por redes sociais, sem embasamento científico

“A gente sabe que esses pais precisam de algo para hoje, para agora. Eles não querem e não podem esperar. Os estudos clínicos levam 2 a 3 anos para serem realizados e os resultados demoram muito para serem publicados. Como eles vão esperar 3 anos se precisam de algo para ontem?”

Por isso, Gislei reforça que, no tratamento para TEA, as medidas não farmacológicas são as melhores a serem adotadas. “As intervenções interdisciplinares com psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas são mais eficientes do que as terapias farmacológicas”, diz. 

Substâncias associadas e dose ideal

Outro resultado foi que, além de ter o canabidiol, outros componentes da Cannabis Sativa, a planta da maconha, são necessários para o tratamento do autismo, como o tetraidrocanabinol (THC). No Brasil, o limite permitido para a dose de THC é de 0,2% de concentração

“Os estudos mostram que é necessário ter uma concentração baixa de THC para melhorar o efeito da cannabis (...) Sozinho, o canabidiol puro parece não ser tão efetivo quanto quando é usado com outros integrantes da planta”, explica Aragão. 

Em relação às doses aplicadas em crianças e adolescentes, o professor orienta que os médicos devem ajustar o medicamento até achar a quantidade adequada para o paciente. Aragão acrescenta que as porções mais baixas podem ter efeitos melhores do que as doses mais altas. 

“A decisão do uso da cannabis deve ser individualizada, caso a caso, compartilhada com a família. O médico deve explicar os níveis de evidência e o perfil de risco benefício. A cannabis não é a primeira escolha para o autismo, ela é usada somente em casos específicos”. 
Gislei Aragão
professor do Departamento de Medicina da Uece e coordenador do estudo

Início e financiamento da pesquisa

Desde 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) permite a importação de produtos à base de cannabis para fins medicinais. O CBD é a substância canabinoide presente na folha da Cannabis Sativa, a planta da maconha, e que não causa efeitos psicoativos ou dependência. 

A substância começou a ser usada de forma medicinal para tratar esclerose múltipla, dores neuropáticas, mal de Parkinson, epilepsia e outros. Um dos motivos que levaram a relação com o autismo se deu pela utilização do CBD em casos de epilepsia refratária — quando as crises não são controladas por medicamentos anticonvulsivantes.

Essa comorbidade é presente em algumas crianças com TEA. “Então, quando se tratava a doença e a criança tinha autismo, elas apresentavam algum nível de melhora e ficavam menos ansiosas. Não se sabia se é porque a epilepsia tinha sido controlada ou se era pelo canabidiol. Isso chamou a atenção de pais de autistas que ficaram interessados em usar a substância também”, explica o professor. 

Partindo disso, diversos relatos pessoais sobre o uso da cannabis começaram a aparecer nas redes sociais, assim como estudos sobre o assunto. Por isso, os estudiosos da Uece resolveram analisar as pesquisas científicas já publicadas no mundo. 

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A pesquisa foi selecionada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e contou com financiamento da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde, do Ministério da Saúde (Decit/SECTICS/MS).

Os responsáveis são os professores da Uece Gislei Frota Aragão, Carla Barbosa Brandão, Valter Cordeiro Barbosa Filho, Paulo Sávio Fontenele Magalhães e Cidianna Emanuelly Melo do Nascimento; e a pesquisadora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Kelly Rose Tavares Neves; com a colaboração dos membros do Laboratório e Grupo de Estudo em Neuroinflamação e Neurotoxicologia (Lanit/Genit/Uece), Iara Vasconcelos, Madna Freitas, Renê Freitas, Quezia Jones, Maria Helena Pitombeira e Ruth Maria Moraes.

Para Aragão, a mensagem que o estudo deixa para os pais e responsáveis de crianças com TEA é que a decisão pelo uso da cannabis parte de cada família e deve ser ponderada a partir de informações verdadeiras e de profissionais

“Se existe uma família interessada em usar o canabidiol, ela precisa ser bem acolhida por uma profissional, ser devidamente informada e procurar fontes confiáveis. Não se basear por influencers e redes sociais, mas buscar fontes governamentais, de sociedades médicas e científicas”, conclui. 

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