Cannabis em casa: 1º paciente autorizado no Ceará relata dificuldades de cultivar o próprio remédio
Além de dinheiro para estruturar a plantação, é preciso capacitação e colaboração para não ver a matéria-prima do tratamento tomada por pragas
Obter na Justiça o direito de cultivar em casa o próprio remédio. Um feito se considerados os entraves que circundam o uso da maconha medicinal. Mas, nesse processo, a liberação legal é, de fato, apenas uma das inúmeras etapas.
Para quem é autorizado a plantar na residência, além de recursos financeiros para estruturar a plantação, carece, dentre outras assistências, de capacitação e colaboração para não ver a matéria-prima do tratamento tomada por pragas ou outros males que possam arruiná-la.
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Entre o período em que sofreu um acidente e fraturou a coluna cervical, ficando tetraplégico, e o dia 15 de setembro de 2017, data em que conseguiu na Justiça o direito de cultivar Cannabis para finalidade medicinal no próprio apartamento, passaram-se 12 anos na vida do servidor público Rodrigo Bardon. Ele foi o primeiro cearense adulto a ter um salvo-conduto do Estado do Ceará para o cultivo doméstico.
Atualmente, em todo o Brasil, mais de 300 decisões judiciais favoráveis foram concedidas, de acordo com o Cannabis Monitor, para cultivo da maconha medicinal em casa.
Nesse intervalo, as dores, sobretudo aquelas mais concentradas em toda a região do tronco, destaca ele, foram intensas. Misturadas a elas, Rodrigo sentia espasmos musculares e dificuldades para dormir.
Dois anos após o acidente, ele tentou em Portugal uma cirurgia com células-tronco. “De lá, eu voltei tomando analgésico porque a cirurgia foi muito dolorosa, e as dores que eu sentia, que eram intermediárias, começaram a ficar muito fortes”, revela.
Buscar um tratamento alternativo era mais que uma vontade. Para Rodrigo, foi a única forma de tentar ter qualidade de vida. Em 2013, conta ele, fez uso da maconha sob a forma de cigarro. “No outro dia eu acordei super bem, com o corpo relaxado. E comecei a pesquisar sobre o uso da maconha medicinal”, explica.
Rodrigo partiu em busca de médicos que pudessem auxiliá-lo nessa possível terapêutica e de orientações sobre a forma de uso da planta. “Tive que trazer um médico de Recife para cá (Fortaleza), para avaliar meu caso. E ver o que eu poderia fazer. Depois de quase 10 anos, eu consegui me livrar do tramal (analgésico) e do dormonid (anestésico)”.
"Por muito tempo, eu fiz o óleo e fiz o uso inalado, com o vaporizador. Eu optei pelo vaporizador. No vaporizador coloca uma dose pequena. Coloco só um pouco da erva triturada e vaporizo. A vaporização deve durar uns 5 minutos, como se fosse uma nebulização".
Percurso até conseguir
Por saber da própria condição, das dores persistentes, dos incômodos, Rodrigo ressalta que, convencido das melhoras trazidas a partir do uso da Cannabis, ingressou na Justiça do Ceará requerendo o direito de plantar em casa.
Foram inúmeras páginas de documentos e laudos na tentativa de comprovar formalmente todo o percurso de dificuldades, bem como o efeito medicinal positivo após o uso, e a melhora do quadro de saúde. Ele teve êxito. Mas, após a decisão, vieram os novos desafios: como cultivar e manter as plantas saudáveis?
“Eu moro em apartamento”, registra ele e acrescenta que, devido à própria condição - com limitações de movimentos - é necessário ensinar aos cuidadores como cultivar a planta. “Tinha luz, ar condicionado. Eu tinha que criar um microclima. Ela é uma planta que aguenta calor, mas não pode ficar abafada.Tinha que usar três ou quatro luzes de 600wts”. Para garantir os cuidados, o custo é alto. Hoje, os cultivos de Rodrigo estão desativados.
“Vou ficar assim até eu conseguir sementes que crescem com determinada quantidade de luz”, afirma ele, e completa: "Já perdi cultivos de três meses por conta de praga. Foram dois meses e meio pagando luz a R$1.500 e eu tive que jogar no mato”, lamenta.
Uma das formas de minimizar esse problema, na avaliação de Rodrigo, é a atuação em entidades coletivas, como as associações. “A gente prega a independência do próprio paciente no qual ele consiga plantar e fazer o cultivo em casa, e a associação serviria para dar um suporte para aquela pessoa”. Individualmente, acrescenta ele, “acaba sendo muito trabalhoso”.
“O importante é que esse tema comece a ser divulgado porque é só com a legitimação da sociedade que a gente vai quebrar os tabus que existem em relação à maconha e ela vai ser vista como um tratamento normal, como qualquer outro”.
Sativoteca: um acervo científico sobre Cannabis
No percurso, Rodrigo Bardon que é usuário da Cannabis medicinal e militante pela regulamentação do uso, criou um acervo científico digital sobre a cannabis: a Sativoteca. Rodrigo reúne e disponibiliza virtualmente um repositório com a produção científica e acadêmica de várias instituições de ensino ou pesquisa sobre a planta.
O nome, diz o site, “é a junção do radical Sativo-, derivado do nome Sativa (espécie da planta Cannabis), com o sufixo -teca, que exprime a noção de coleção ou local de armazenamento”. O objetivo é “organizar essas informações e torná-las acessíveis e úteis às pessoas que buscam esse conhecimento específico”.
Como consultar? Acesse: https://sativoteca.org/