Canabidiol pode ser decisivo para tratar doenças do Sistema Nervoso

Para adquirir a substância, é preciso importá-la dos Estados Unidos, com a autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. No Ceará, pacientes buscam a Defensoria Pública para obter autorização judicial

Escrito por Barbara Câmara , barbara.camara@diariodonordeste.com.br
Legenda: Margarida Alencar aguarda receber o medicamento para o filho João Gabriel, após receber autorização judicial em abril deste ano.
Foto: Helene Santos

Talvez por conta do nome, o canabidiol ainda inspira receio em quem desconhece seu impacto positivo sobre a Medicina. A substância é derivada da planta Cannabis sativa — termo científico da maconha — e pode ser utilizada como medicamento para tratar doenças que afetam o sistema nervoso central, como a esclerose múltipla e a epilepsia. Os desafios para o uso do canabidiol, porém, não se limitam aos questionamentos sobre a sua origem.
O principal obstáculo se ergue diante do acesso à substância. O medicamento não é fabricado no Brasil, portanto, para adquiri-lo, é necessário importar o produto dos Estados Unidos, com uma autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O preço é o desafio seguinte: por ser uma medicação importada, os valores cobrados são altos, variando de acordo a versão do produto, em frascos ou em cápsulas que custam, em média, 200 dólares. “O Conselho Federal de Medicina e a Anvisa determinam que somente neurologistas, neurocirurgiões e psiquiatras podem prescrever o canabidiol. Uma vez prescrito, os pacientes podem pedir à Anvisa a autorização. Então, o paciente pode arcar com o custo alto da importação, ou entrar com uma ação judicial para o custeio da medicação, para que seja fornecida pelo Estado ou plano de saúde”, explica o advogado Italo Coelho, membro da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE).

Dependendo da posologia determinada pelo médico, o custo da substância pode aumentar consideravelmente. Caso ultrapasse o valor total de 60 salários mínimos, segundo o advogado, o produto entra para a categoria de medicamentos de alto custo, e o Estado deixa de ser obrigado a pagar. “Nesses casos, a cobrança passa para a União, e a ação passa a tramitar na Justiça Federal. Nessas ações, a gente entra contra a União, o Estado e o Município”, pontua

Indicação

De acordo com o neurologista José Hortêncio Neto, o canabidiol proporciona relaxamento muscular, podendo ser utilizado também para tratar ansiedade. Por conter uma substância antiepilética (anticonvulsivo), o medicamento torna-se uma indicação para a epilepsia. 

“Aproximadamente 30% das epilepsias não são tratáveis. Existem 25 remédios no mercado brasileiro para isso, mas um número alto de casos não responde a esses remédios. O canabidiol é uma opção a mais. Ele é utilizado para epilepsias graves, como a síndrome de Lennox-Gastaut”, observa.
O neurologista destaca, ainda, que o canabidiol não causa dependência, sendo diferente de outro químico presente na maconha. “São poucos os efeitos colaterais. Praticamente apenas sonolência ou ressecamento da boca, que também podem ser causados por outros medicamentos”.

Aos olhos da dona de casa Fernanda dos Santos, os benefícios da substância foram notáveis. Seu filho Joaquim, 4, foi diagnosticado com esclerose tuberosa aos quatro meses de idade, e teve os primeiros espasmos aos dois meses. Com o tempo, as crises epiléticas evoluíram para 30 a 40 vezes em um único dia. O canabidiol começou a ser ministrado em 2017, e, hoje, o menino passa por um máximo de duas crises por dia.

“Na época, não foi burocrático, foi fácil, o problema é o custo. Eu entrei com uma ação contra o plano de saúde, e hoje a gente recebe. Procurei um advogado particular”, relata Fernanda. “Hoje, o Joaquim é muito mais estável. Também melhorou muito o sistema cognitivo. Ele consegue interagir mais, começou a falar, tem melhor percepção das coisas”.

Para quem opta por buscar autorização judicial, a Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará oferece orientações e acompanhamento. “A gente pede que a pessoa traga os laudos. Só podemos interpor as demandas com um laudo dizendo especificamente a medicação, a quantidade, o uso imprescindível da medicação, e explicando por quanto tempo será utilizado e qual será a dosagem”, afirma a defensora pública Karinne Matos, supervisora do Núcleo de Defesa da Saúde (Nudesa). Segundo ela, nos processos na área de saúde, geralmente as liminares são decididas no mesmo dia em que o pedido é protocolado. “Como o canabidiol é algo diferenciado, ele leva uns dois a três dias, mais ou menos, para ser analisado pelo juiz, até por conta da dificuldade de aquisição e da importação”.

Durante os processos, a principal dificuldade se dá na elaboração do laudo pelo médico. “Para evitar dificuldades, nós elaboramos um ofício encaminhando inclusive as orientações do Conselho Nacional de Justiça, esclarecendo a necessidade de uma melhor fundamentação dos laudos. Há algumas resistências, mas a gente se coloca com disponibilidade por telefone para que o médico se sinta mais à vontade em tirar as dúvidas”, completa.

Mãos atadas

Em abril deste ano, após 12 anos convivendo com a paralisia cerebral, episódios de epilepsia e medicamentos que deixaram de surtir efeito, o pequeno João Gabriel teve sua autorização judicial concedida para receber o canabidiol. A permissão veio após um recurso protocolado pela Defensoria Pública, uma vez que o primeiro pedido havia sido negado pelo juiz. Enquanto aguarda a chegada do medicamento, a dona de casa Margarida Alencar, mãe de João, continua passando suas noites em claro.

“Ficamos de mãos atadas. Têm vezes que ele não consegue dormir de noite, fica direto convulsionando, passa a noite inteira acordado”, revela. Hoje, Margarida dorme na mesma cama com o filho, por medo de deixá-lo sozinho em outro quarto. Quando João Gabriel tinha 3 anos, ela teve de deixar o trabalho para dedicar-se integralmente ao menino.

Os primeiros sintomas surgiram aos cinco meses, mas o diagnóstico só veio com um ano de idade. O processo para protocolar o pedido teve início ao final de 2018. “É um bebê, ele depende de mim pra tudo. Fico só esperando a graça de Deus”, desabafa.

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