Campo de Concentração que abrigou 16 mil retirantes no Ceará deve ter prédios e ruínas tombados

As estruturas usadas, há 90 anos, em Senador Pompeu para aglomerar populações que tentavam fugir da seca, são os únicos vestígios físicos dessa época.

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@svm.com.br
campo de concentração
Legenda: Em Senador Pompeu instalações de alvenaria dos prédios abandonados por uma empresa inglesa que iria construir o Açude do Patu foram usadas como Campo de Concentração
Foto: Camila Lima

Ruínas e prédios que testemunharam um dos episódios mais tristes e emblemáticos da história do Brasil, em Senador Pompeu, a cerca de 270 km de Fortaleza, devem ser tombados pelo Governo do Ceará. O campo do Patu, que chegou a ter 16 mil retirantes, é um dos 7 campos de concentração criados no Ceará na seca de 1932. É o único cujos vestígios físicos ainda existem. No dia 26 de julho, o Estado definirá se mais um passo será dado na conservação desse patrimônio tão relevante à memória social do país. 

Os campos de concentração de retirantes da seca foram erguidos no Ceará em momentos históricos distintos: em 1915 e 1932. O de Senador Pompeu, assim como os demais, funcionou como espaço de aprisionamento para quem tentava fugir da miséria provocada pelos intensos períodos de estiagem.  

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Essas estruturas foram espalhadas estrategicamente em rotas de migração no Ceará, próximas às estações ferroviárias. Além de Senador Pompeu, existiram também no Crato, em Quixeramobim, em Cariús, em Ipu e em Fortaleza - essa última com três áreas do tipo, sendo 2 na seca de 1932. 

A ideia, executada pelo próprio poder público, tentava impedir que os flagelados das secas chegassem a Fortaleza. No caso das experiências na Capital, evitar que os migrantes se espalhassem pela cidade. Juntos, os campos, conforme registros da imprensa da época, em abril de 1932, chegaram a ter 72 mil pessoas aglomeradas nos espaços em condições subumanas. 

Campo de Concentração
Legenda: O Campo de Concentração do Patu funcionou do início de 1932 ao começo de 1933.
Foto: Camila Lima

Conforme a Secretaria de Cultura do Estado do Ceará (Secult), a proposta da área técnica do órgão propõe o tombamento de uma poligonal de 885.523,60m².

No processo, devem ser tombadas 19 edificações, são elas: 

  • 3 Casas de Pólvora; 
  • 1 Armazém (ruínas); 
  • 1 estação com plataforma (ruínas); 
  • 1 Hospital (ruínas); 
  • 4 Casas de Apontadores (1 ruína); 
  • 1 Oficina (ruínas); 
  • 1 Refeitório (ruínas); 
  • 3 Casas dos Engenheiros; 
  • 1 Inspetoria; 
  • 1 Caixa D'Água (ruínas); 
  • 1 Cemitério; 
  • 1 Usina (ruínas). 

A Secult informa que “os imóveis eram usados como alojamento de pessoas tal como o descampado, já que as construções eram insuficientes para abrigar todo o pessoal”. 

Os prédios, distribuídos em quase 89 hectares, estão em distintos graus de conservação, explica o arquiteto e urbanista, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), Rérisson Máximo, que atuou junto a outros profissionais do IFCE no auxílio técnico do processo de tombamento. 

Campo de Concentração
Legenda: Os retirantes chegavam, sobretudo, pela via férrea e eram contidos em um grande terrenos
Foto: Camila Lima

Ele explica que “as construções e as técnicas construtivas tem uma certa qualidade que explicam porque elas ainda estão de pé”. De acordo com ele, há prédios que podem ser recuperados, com reestruturação do telhado, da pintura e do piso. Mas, há outros “estão em ruínas e têm caráter mais de memória. É preciso um projeto para manter”. 

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Qual o efeito do tombamento?

A necessidade de preservar o local é demanda há décadas defendida por moradores da cidade, pesquisadores e historiadores. Em 2019, edificações da Vila dos Ingleses foram tombadas pelo município, após o Ministério Público do Ceará ter firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Prefeitura de Senador Pompeu. A proteção estadual é um reforço na tentativa de preservação. 

O possível tombamento estadual pode garantir a formulação de um plano de salvaguarda das edificações e o estabelecimento de formas de obtenção e destinação de recursos para, de fato, manter esse patrimônio.

“Todo esse instrumental vai servir para um passo posterior. Isso vai determinar se o que tem lá de ruína vai ficar para uso contemplativo. Se as demais vão poder ser usadas”, diz o arquiteto Rérisson Máximo. 

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Legenda: Os prédios, distribuídos em quase 89 hectares, estão em distintos graus de conservação.
Foto: Camila Lima

A historiadora e diretora da Cultura de Senador Pompeu, Agna Ruth Martins, reforça a relevância de preservar as marcas do campo de concentração, e destaca que ele “era bem maior do que conhecemos”. De acordo com ela, hoje, a única manutenção feita é a limpeza periódica. Três durante o ano, executadas pela Prefeitura.  

Com o tombamento, a ideia é “dar certas funcionalidades a alguns espaços e manter as ruínas que são a identidade daquele local”, diz. Ruth relata ainda que, no decorrer do processo de avaliação de tombamento, casas de pólvora de 1922 foram descobertas e integradas ao conjunto a ser tombado. 

campo de concentração
Legenda: Mortes, doenças e condições precárias marcam as memórias do campo de concentração.
Foto: Camila Lima

Outro ponto destacado é o registro da Caminhada das Secas, também conhecida como Procissão das Santas Almas da Barragem. A iniciativa, que é uma homenagem à memória das pessoas que morreram no campo de concentração, ocorre anualmente desde 1980, em torno do cemitério local. O bem também consta na lista do tombamento.  

“Conseguimos uma emenda parlamentar de 200 mil para o restauro do telhado do Casarão da Inspetoria. Essa emenda foi aprovada. Até o final de 2022 o teto do Casarão da Inspetoria deve ser recuperado. A ideia é também fazermos trilhas nas vias de acesso. Na Estação, pretendemos fazer um auditório”. 
Agna Ruth Martins
Historiadora e diretora da Cultura de Senador Pompeu

Questionada se o Estado tem algum interesse ou previsão de utilização dos prédios do Campo de Concentração, a Secult diz, em nota, que “o Sítio Histórico do Patu representa uma memória sensível e por isso deve ser tratado com atenção”. 
 
De acordo com a pasta “há diretrizes de criação de um plano de salvaguarda visando o uso do espaço e as informações acerca do evento que ali ocorreu. Bens tombados precisam de um plano como esse para gerenciar o seu uso e preservação”.

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Legenda: No processo de avaliação de tombamento, casas de pólvora de 1922 foram descobertas na área a ser tombada.
Foto: Divulgação Prefeitura de Senador Pompeu

Como era o Campo do Patu?

Nos campos de concentração do Ceará as estruturas, em geral, eram compostas por acampamentos provisórios em terrenos cercados e foram desfeitas após a desocupação. O de Senador Pompeu é a exceção. 

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Legenda: A necessidade de preservação de toda a área do Campo de Concentração há décadas é evidenciada por moradores e pesquisadores
Foto: Camila Lima

O campo de concentração do Patu funcionou do início de 1932 ao começo de 1933. Mortes, doenças, alimentação precária marcam as memórias desses locais. Em Senador Pompeu, a área usada para a aglomeração dos retirantes foi estruturada, anos antes da seca de 1932, com outra finalidade. 

Parte dos prédios e ruínas que devem ser tombados agora pelo Governo do Estado ficaram conhecidos como Vila dos Ingleses. Erguidos em 1919 para abrigar operários e engenheiros ingleses que deveriam trabalhar na construção do Açude do Patu.

Os prédios não foram concluídos, já que a obra do açude, a ser realizada pela empresa inglesa Dwight P. Robinson e Co., foi paralisada em 1923. Somente na década de 1980 as intervenções foram concluídas. 

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Legenda: Os campos de concentração foram espalhados estrategicamente em rotas de migração no Ceará
Foto: Camila Lima

Na seca de 1932, as instalações de alvenaria dos prédios abandonados pela empresa inglesa foram aproveitadas para aglomerar os retirantes. Os campos, embora carreguem as marcas de momentos cruéis na vida de milhares de retirantes, não podem ser associadas aos campos de extermínio que existiram na Alemanha, durante o regime nazista.

O conjunto arquitetônico cujo tombamento está em processo de finalização está localizado em uma área pertencente, à época, à Inspetoria Federal de Obras contra as Secas (IFOCS), o atual Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS).

Conforme a diretora da Cultura de Senador Pompeu, Agna Ruth Martins, o DNOCS já manifestou o entendimento de que deve ceder a posse ao município, mas nada foi oficializado até o momento. 

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