Bombeira cearense conta como é o resgate a vitimas em Petrópolis: 'nunca vi nada parecido'
Ana Carolina, que também atuou no desabamento do Edifício Andrea, busca na lama pais, filhos, esposas e amigos de quem conseguiu sobreviver ao desastre que afeta a cidade no Rio de Janeiro
A Capitão do Corpo de Bombeiros do Ceará, Ana Carolina Campos Olinda, chegou na Petrópolis castigada pelas chuvas intensas na madrugada do sábado (19) e, desde então, busca na lama pais, filhos, esposas e amigos de quem vivencia a tragédia na cidade. A agente enfrenta o trabalho exaustivo ao lado da equipe mobilizada em encontrar vítimas.
A cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro, registra grandes acumulados de chuva desde a terça-feira (15) com o soterramento de casas. A Defesa Civil do Município registra quase 2 mil ocorrências sendo a maioria por deslizamentos.
Nessa busca, em casas e ruas soterradas, 195 vítimas sem vida foram retiradas do local sob a apreensão de quem vivencia a incerteza do desastre. Pelo menos 69 pessoas estão desaparecidas.
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“A gente vê muitas vezes as reações das famílias e, realmente, o coração da gente aperta, porque além de tudo somos humanos”, resume sobre o processo de identificação e retirada dos corpos.
Ao lado dela, outros cinco militares e três cães da corporação cearense auxiliaram na operação. Todos os agentes na cidade se dividem em três áreas setorizadas com apoio de equipamentos e máquinas.
“Nós temos três binômios [grupo de militares e cão] trabalhando na parte de identificação dos pontos onde as vítimas podem estar. Os cães fazem uma varredura na área, eles são treinados para isso, e identificam pontos onde podem ter vítimas”, detalha.
“Quando encontramos, aquela vítima tem uma história e tem familiares, que geralmente estão próximos para fazer a identificação. Acaba envolvendo muito o psicológico, porque você quer fazer o melhor do seu trabalho”, frisa Ana Carolina.
Quando menina, ao contrário de crianças que sonham em ser bombeiros, ela conta que nunca imaginou exercer a profissão que hoje é uma “base muito sólida”, como define. Na trajetória, momentos como o resgate do Edifício Andrea não saem da memória, mas de Petrópolis sentencia: “eu nunca vi nada parecido com isso”.
A profissional, que é especialista em atendimento pré-hospitalar, busca e resgate em estruturas colapsadas (Brec), explica que o objetivo é procurar e encontrar o maior número de vítimas, no “trabalho de formiguinha”, como associa. Apesar de braçal, os agentes também precisam ser minuciosos para preservar os corpos encontrados.
É um trabalho que exige muito do físico, porque o terreno é muito íngreme e a lama, em alguns pontos, afunda. Então, a gente tem que ter muito cuidado onde vai pisar para não ficar preso. Psicologicamente também é bem cansativo, porque ficam naquela expectativa e você pode encontrar ou não
Reencontrar os familiares, mesmo sem vida, tem sido o propósito de quem acompanha o trabalho dos bombeiros. “A cadela Nala identificou um ponto e nós fizemos o trabalho de procurar e retirar essas vítimas do mesmo local só ontem. É uma vastidão de área que a gente tem de procurar, tirar duas vítimas de uma só área é uma vitória muito grande”, detalha.
“Me disse que tinha 12 caixões para enterrar”
Já no primeiro dia da equipe cearense em Petrópolis, a Capitão dos Bombeiros acompanhou um homem que perdeu toda a família em uma casa de difícil acesso devido à grande quantidade de lama.
“Ele estava no trabalho e perdeu cinco pessoas que estavam em casa: filhos, esposa e pai. Só sobrou ele”, lembra. Na tentativa de encontrar a família, o homem ficou preso na lama e retirado com dificuldade.
“Dói muito ver o desespero do familiar querendo encontrar seus entes queridos e, naquele momento, a gente não ter muito o que fazer para ajudar. Mas à medida que a gente vai avançando na área a gente consegue acessar”, explica Ana Carolina.
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Pensar naquela situação durante o restante do dia foi inevitável. “Ele me disse que tinha 12 caixões para enterrar. E isso é de cortar o coração”, compartilha sobre o homem que também perdeu parentes em outras casas.
Gestantes e bebês também estão entre as vítimas marcadas na memória da agente. “Retiramos uma grávida junto com a equipe de Minas Gerais. Teve uma família inteira que a Nala indicou de uma mãe, uma criança de cinco anos e um bebê de 45 dias”, destaca.
Amores interrompidos
As chuvas levam embora quem estava começando a vida e amores que duraram por toda uma existência. “A gente tirou (o corpo de) uma mulher que o esposo estava do lado e não saía de jeito nenhum do lado. Eu disse que era melhor se afastar um pouco ele disse: ‘eu passei 40 anos vendo ela todos os dias e vou ver ela aqui também’”, lembra.
Ver, ouvir e sentir essas histórias não permite parar o trabalho de resgate. “A gente tem que ir para frente”, é como a Capitão dos Bombeiros explica sobre a missão de não interromper os esforços até encontrar todas as vítimas.
As equipes seguem com o objetivo de “retirar os corpos com a maior perfeição possível para entregar aos familiares” até amanhã (24). Encontrar o corpo de alguém, em meio à dureza deste cenário, representa um alívio para famílias e amigos que precisam do processo de luto como despedida.
“Eu vi nos olhos dele o alívio de ter encontrado ela, como se eles conseguissem respirar, é um fechamento”, conclui sobre a família da mulher em que o esposo permaneceu ao lado.
Quando encerra o trabalho do dia, mesmo acumulando cansaços no corpo e na mente, Ana Carolina vê a família e o esposo por meio de videochamadas. “A gente tem que aproveitar cada minuto. Saber valorizar nossa vida e agradecer tudo que a gente tem, porque aqui muita gente perdeu tudo”, reflete.
Atuação dos cães
O comandante da operação, Capitão Eliomar Cordeiro Alves, explica que os três cães da equipe cearense podem identificar pessoas vivas ou mortas. Cerca de 12 corpos foram identificados com o auxílio da equipe. O comandante não recebeu relato de sobreviventes nos resgates.
"Algumas vítimas estão bem abaixo do solo, a dois ou três metros de profundidade. Só o cão consegue identificar o local exato".
Por causa da lama, os animais precisam de mais esforço físico para chegar até as casas e lidam com interferências de cheiros, barulho e a presença de muitas pessoas.
É uma área muito instável ainda, que apresenta bastante risco, inclusive, quando chove. Há protocolo de oficiais de segurança verificando sempre a área e avisos da Defesa Civil sobre a possibilidade de chuva
"Desgasta bastante o animal e, mesmo com revezamento entre as equipes, fica complicado permanecer mais do que o previsto. Uma cadela nossa, inclusive, teve um problema de infecção talvez pelo local, lama e estresse", acrescenta.