O cineclube Cego Aderaldo exibe no final da tarde desta quinta-feira (19) um filme que mergulha no lado B do Nordeste. A protagonista é uma mulher trans. Agricultora, cabeleireira, mãe e católica — Paloma sonha em casar na igreja com o companheiro.
A impossibilidade nunca foi obstáculo. Só a impulsiona. Paloma ama e é amada, cuida da filha, realiza desejos — apesar de. Ela até escreve ao Papa. E, como milhões de sertanejos, vem a Juazeiro do Norte em busca de uma graça.
A direção é do pernambucano Marcelo Gomes. A protagonista é a alagoana Kika Sena. O longa foi rodado no Sertão — e boa parte no seu miolo, o Cariri cearense.
As cenas estampam a arquitetura das casas geminadas, os corpos que expressam a fé autêntica do romeiro e até o lado B da romaria: o forró, a cerveja no boteco depois da última missa, o flerte entre nordestinos reunidos pela fé, mas que também buscam um pouco de amor.
“Paloma” (104 min) parece homenagear o curta “Também sou teu povo” (14 min), de Orlando Pereira da Silva (1975-2013) e Franklin Lacerda, obra de 2006, pioneira em revelar que também havia travestis romeiras.
Eis Juazeiro do Norte e as razões que explicam a reunião sincrética de milhões de pessoas onde sobram fé e respeito.
Pode chamar também de Nova Jerusalém, mas sem muros e sem lamentações. Aqui, há missa, o povo Pankararu canta o toré e a travesti pode ser romeira. “Paloma” sintetiza tudo isso.
Artistas do Cariri
Além de reconhecer o cenário, quem for ao cinema também verá artistas da terra em participações. Edceu Barboza, Naomi Houston e outros profissionais trabalharam na produção. Se você estiver lendo este texto a tempo, encorajo demais a ida ao cinema.
Habemus cinema
Espero encontrar lotado o Pequeno Palco, no Centro Cultural do Cariri. É questão de coerência. Porque, até um dia desse, a boca do povo do Crato era lamentar a falta de cinema, a saudade do Moderno e do Cassino.
Agora, temos um cineclube exibindo produções incríveis, porém há sessões sendo realizadas com três espectadores, como foi a passada.
Os cratenses — meus conterrâneos: sou nascido no São Miguel e ex-morador da Vila Alta — precisam ocupar as poltronas. É como já disse nesta coluna sobre o museu Vicente Leite. Como uma cidade que se arvora capital da cultura pode dormir em paz enquanto um espaço daquele está fechado há mais de década?
Cadê a nossa coerência? Reclama quando não tem e reclama também quando tem só pelo prazer de reclamar?
A Sétima Arte merece nosso prestígio. Bom filme!
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.
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