Museu do Crato vai mesmo virar ruína?

Fotos antigas revelam o que estamos perdendo; classe política, sempre com solução para tudo, parece insensível à cultura

Legenda: Um dos principais salões do Museu Vicente Leite, no Crato, registrado em 2008, quando funcionava. Em destaque, a obra "Crucificado", de Cláudio Valério Teixeira, e a escultura "Primeira Pose", de Celita Vaccani.
Foto: Allan Bastos

Poderia listar aqui cidadãos cratenses que flanam pela Europa sendo fotografados em locais históricos. Como ostentam! Fascinam-se com os ambientes instagramáveis. Porém, de volta ao Cariri, os amantes da arquitetura parecem virar o rosto para o que acontece na Praça da Sé, onde vira ruína o Museu do Crato. 

Já havia tratado do assunto neste espaço. Mas o retomo. Afinal, ninguém acharia demais se fosse a selfie das lentes dentárias ofuscantes de algum influenciador digital em frente à pirâmide do Louvre. Insisto no debate do que realmente importa: o patrimônio público cearense abandonado. E trago novidades.

Conforme o promotor de Justiça Thiago Marques, com quem conversei nesta semana, em seu gabinete na Avenida Perimetral Dom Francisco, terminou o prazo para que a prefeitura do Crato faça algo. A promotoria agora quer que o Município seja multado por causa da inércia.

Obra “Nus no Atelier”, de Sinhá d’Amora, é analisada pela restauradora Edilma Saraiva no local em que o acervo está guardado
Legenda: Obra “Nus no Atelier”, de Sinhá d’Amora, é analisada pela restauradora Edilma Saraiva no local em que o acervo está guardado
Foto: Allan Bastos

É o desfecho de um enredo que atravessou gestões. Já são mais de 15 anos de museu fechado. Um indício de que faltaria mesmo interesse pela cultura à classe política. Logo ela com sua autoestima colossal! Da esquerda à direita, até hoje, não se via preocupação genuína pelo equipamento. Agora, após o Diário do Nordeste e outros veículos tratarem do assunto, alguns pegam o VLT de olho em outubro.

Mas, até então, quando se falava no museu, só se ouviam os muxoxos de quem acredita saber tanto sobre tudo e a tal desculpa de que empresa alguma quer fazer a obra.

É uma história sem fim. Conforme o Ministério Público do Ceará, o procedimento administrativo começou em 2013. Após 5 anos de audiências sem realizações, foi protocolada ação civil pública, em 2018. Em 2020, a Justiça condenou o Município a fazer o que pedia o MP: inventário das obras, apresentação de projeto de reforma e a sua execução. Estamos em abril de 2024. O museu permanece fechado. E a chuva deste ano levou à interdição. Virou risco até passar pela calçada. 

Em março passado, após desabamento de parte interna do imóvel e o posterior isolamento, a situação do Museu do Crato comoveu o Cariri. Políticos, produtores culturais, artistas, muitos foram ao local. Foi anunciada uma restauração. Maio está chegando, e nada até agora.

Procuradoria tem outro prazo

Questionada, a Secretaria de Cultura do Crato afirma que a empresa chamada para fazer com dispensa não respondeu. E que estão aguardando. 

Já a procuradoria do Município informou que só termina no dia 8 de maio o prazo para divulgar o cronograma de reforma do museu, mas que ainda se apresentam as dificuldades para o transcorrer do processo licitatório. 

A segunda etapa teve uma empresa vencedora. Está sendo aguardada a resposta para saber se há compromisso em realizar a obra, como informou a Secretaria de Cultura. 

Paralelo a isso, estão sendo comprovadas as condições adequadas de acondicionamento do acervo dos museus.

Ao que parece, a urgência de março tinha prazo de validade.

Registros da nossa perda

Obra Êxodo Nordestino, de Sinhá d’Amora
Legenda: Obra "Êxodo Nordestino", de Sinhá d’Amora
Foto: Reprodução/Allan Bastos

Enquanto isso, trago fotos antigas do patrimônio que está sendo perdido. Por generosidade do fotógrafo Allan Bastos, compartilho neste espaço alguns dos registros feitos por ele quando o museu ainda estava aberto. 

Nas fotografias, é possível ver um dos principais salões do museu. Em destaque, aparecem a obra "Crucificado", de Cláudio Valério Teixeira, e a escultura "Primeira Pose", de Celita Vaccani. Essa imagem deve estar na memória de quem hoje tem 40 anos ou mais. Gente que, quando criança ou adolescente, andou por lá. 

Mês passado, Bastos pôde ver e fotografar as obras hoje encaixotadas numa repartição pública. Ele também permitiu compartilhar algumas dessas fotografias, que podem fazer parte de um livro sobre o museu. Os quadros parecem em condições de serem expostos. Chama atenção a diversidade de telas da artista plástica Sinhá d'Amora.

Autorretrato de Sinhá d’Amora
Legenda: Autorretrato de Sinhá d’Amora
Foto: Reprodução/Allan Bastos

Um documento esclarecedor é o levantamento realizado por Ricky Seabra, quando era diretor dos Museus de Arte Vicente Leite e Museu Histórico do Crato. Hoje morando em Brasília, quando trabalhou aqui, Seabra listou as obras em detalhes, a situação delas (se restauradas ou não) e até mesmo as que estão desaparecidas. Quadros que sumiram! Um assunto que outro dia podemos tratar aqui. 

Esta semana, após participar de um debate sobre a obra do professor da UFC Gilmar de Carvalho, falecido em 2021, vi um dos últimos vídeos gravados por ele e publicados em rede social. Carvalho falava sobre o fato de o museu estar fechado:

"É um índice de civilização. É um documento de cultura."

É um assunto que está sendo exaurido e mesmo assim nada acontece. E aí tomo emprestada a explicação dada pela colega Fabiana Moraes sobre a situação do centro histórico do Recife, "só o viralatismo explica o desprezo nacional por edifícios e monumentos importantes para contar nossa própria história".

No caso do Crato, o museu aos pedaços virou jazigo do dito amor pela arte, que seria uma das marcas da cidade onde nasci.

Terra da cultura? A gente finge que acredita.

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