Há certos humanoides que são de estremecer os nervos. Um tipo comum é aquele ser que vive no Nordeste, ganha dinheiro aqui, depende do emprego ou negócio cá conquistados, mas, quando tem oportunidade e economias, toma logo uns voos para ir “ser feliz” no Velhíssimo Mundo.
A pessoa sabe do câmbio desfavorável. É ciente de que o Brasil oferece prazeres além. Imagina que lá jamais será o que é cá. Mas, mesmo assim, tem tamanha mente colonizada, que esta paralisa qualquer vaga ideia de visitar a terra que lhe dá o que comer e beber.
Há quem diga que cada um faz o que bem entende com seus vinténs e tostões. E é verdade. Para os dois lados.
Quem só viaja para alhures deixa evidentes (i) a falta de personalidade e (ii) a completa escassez de compromisso para com o território do seu ganha-pão — vive sem oferecer nada em troca.
Refletindo sobre alguém em solo alencarino, é a pessoa que conhece a Eiffel, mas nunca circulou o cajado da estátua do Padim, foi ao Vaticano acotovelar-se para ver o Papa, mas não assistiu ao toré do povo Pankararu, esquiou nos Alpes, mas não mergulhou na imensidão úmida da floresta de Ubajara, embasbacou-se perante os fogos de artifício da malcheirosa Time Square, mas não apreciou o que acontece no Largo do Thebérge, do Icó, no primeiro dia de cada ano.
É a pessoa com os pés no Ceará e a cabeça na lua.
É o colonizado com passaporte sempre em dia, uma espécie que está longe da extinção. Infelizmente.
É o ser que às vezes até ocupa cargo excelso, embora lhe falte o brilhantismo para entender que a prata da casa merece polimento.
Desde muito jovem, mesmo vivendo em Porto Alegre e outras plagas sulistas e sudestinas — talvez por ter pais do Bodocó (PE) e mãe do Saboeiro (CE) —, sempre entendi que é preciso ter gratidão pelo Nordeste, pelo solo onde se pisa e que o compromisso é honrá-lo. E a honra só se alcança pelo conhecimento.
Temos uma missão anti-lusíada: navegar não é preciso, o que se precisa é peregrinar, fazer romaria, embrenhar-se no Sertão. Subir o Maciço do Baturité, trilhar na Chapada do Araripe, assistir à queda da Bica do Ipu. É preciso ir ver os monólitos de Quixadá, ver o Jaguaribe encontrar o mar, em Fortim, conhecer o solo banhado pelo sangue da única beata cearense, em Santana do Cariri.
E o que aqui digo — que pode soar exagerado a quem busca justificativa para si — acaba virando chacota ao colega ao lado. A pessoa que não sabe onde fica a lagoa da Parangaba, que não leu José de Alencar e nem sabe que sua avó foi Bárbara, que vive de juntar aqui para gastar em Veneza, esse ser compromete a própria credibilidade. Pretende parecer nobre pelos seus roteiros no exterior, mas só manifesta o desvalor que tem por quem o cerca.
Incauto, não percebe o quanto está perdendo de ver o quão gentil é o que julga gentio. Na busca por olhar os museus recheados de ouro e fósseis surrupiados do Sul Global, deixa de se surpreender com a mata dos cocais que lembram o mar em pleno Sertão, às margens da avenida Thomás Osterne, no Crato.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.
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