Nova estátua da beata Benigna causa polêmica no Cariri; entenda

Aspecto do monumento destoa de aparência oficial e chama atenção para suposta falta de técnica

Legenda: Estátua da Menina Benigna está em finalização
Foto: Patrícia Silva

A imagem de mais de 20 metros de altura, finalmente, foi montada no santuário do bairro Inhumas, em Santana do Cariri, a terra onde morreu Benigna Cardoso da Silva, a primeira beata cearense reconhecida pelo Vaticano. 

Era para ser motivo de alegria. Virou piada. 

Se os objetivos eram demonstrar apreço pela fé e turbinar o turismo religioso, o resultado parece falta de zelo pela arte sacra e também com o dinheiro público. 

A imagem faz parte de um investimento de R$ 15 milhões, que inclui também um templo para missas campais, estacionamento e vias arborizadas e ainda um caminho que leva ao ponto do martírio. 

O cearense, povo inteligente e gaiato, respondeu com uma chuva de comentários nas redes sociais, esse ambiente de tanta sinceridade sem moderação:

"Qual a dificuldade de pagar um artista plástico bom?"
"Foi feita com facão cego?"
"A nossa santinha não tem esse rosto!"
"O rosto está grosseiro, de mulher adulta. Se for pra fazer de qualquer jeito, melhor não fazer."

Têm sido nesse nível as críticas à imagem aguardada por católicos de Santana do Cariri e de outras partes do país. E com razão.

A empresa responsável chama-se Multiplay Parks, especializada em parques aquáticos. No portfólio, estão toboáguas, objetos do tipo cogumelo, golfinhos e cavalos-marinhos coloridos; escultura religiosa mesmo somente a da Beata Benigna. 

Legenda: Imagem aguardada por católicos de Santana do Cariri e de outras partes do país deixou muitos fiéis descontentes
Foto: Patrícia Silva

Perguntado sobre as críticas à estátua, o secretário de Cultura e Turismo de Santana do Cariri, Ypsilon Félix, respondeu assim:

"Creio que sobre a estátua de Benigna, ainda em fase de finalização, existem alguns elementos que foram elaborados para refletir sua aparência e espiritualidade, incorporando elementos históricos e religiosos significativos, como o vestido vermelho de bolinhas brancas, representando o dia de seu martírio, além de outros elementos como o lírio e a palma que simbolizam sua pureza e o martírio."

Em março de 2023, a imagem de Benigna já estava sendo confeccionada, conforme um vídeo publicado em rede social. Antes disso, em agosto de 2022, a Igreja Católica havia divulgado o rosto oficial, reconstituído por meio do relato de parentes e com o auxílio de três fotos: do irmão, da irmã e de uma sobrinha da beata. 

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Outro lado

Questionada sobre a aparência da estátua, a empresa mandou posicionamento por nota:

"Fomos informados da imagem utilizada pela Igreja Católica no decorrer do processo de fabricação, quando a cabeça da santa já estava pronta. Após reuniões com os interessados pela obra, Igreja, Governo do Estado, prefeitura e empreiteira, em reuniões presenciais e on-lines, aprovou-se a imagem atual. Todas as mudanças durante processo fabril foram acompanhadas pelos representantes do empreendimento. Todos os envolvidos no processo sempre estiveram cientes que estamos à disposição para resolução de quaisquer demandas futuras."

O raio do mau gosto caiu duas vezes?

Os católicos do Cariri já tinham experimentado o mesmo espanto em outra, digamos, materialização da fé em tamanho gigante. 

O monumento de Nossa Senhora de Fátima que fica no Crato foi tão criticado que, 10 anos após inaugurado, deve passar por remodelação ou substituição.

Com 45 metros de altura, a imagem de Nossa Senhora de Fátima supera a do Cristo Redentor e a do Padre Cícero, mas só no tamanho mesmo.

O acabamento causa estranheza. E uma das partes mais controversas é justamente o rosto da Mãe de Deus, símbolo de paz e amor para os católicos.

No século XIII, Santo Tomás de Aquino falou sobre a importância das imagens para a fé católica, descartando a idolatria. A arte sacra, para o doutor da Igreja, seria instrumento de condução dos fiéis.

Na Carta aos Artistas, de 1999, São João Paulo II afirma que os que têm talento para a arte não podem desperdiçá-lo, mas "colocá-lo a serviço do próximo".

E quem não tem talento ou técnica deve ser contratado para uma empreitada desse tipo? É a pergunta a quem usa o erário e a quem cabe fiscalizar esse uso.

A Constituição veda a subvenção da fé, mas, se a exceção cabe por interesse público, como justificar o emprego de tanto dinheiro numa imagem que causa estranhamento em vez de encantamento?

Enquanto o dinheiro público não for visto na sua sacralidade, afinal é fruto do suor do contribuinte, situações como essa podem se repetir.

Já foram duas estátuas assim. Onde será erguida a terceira?

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.