Bairros de Fortaleza ganham pessoas e imóveis como patrimônio; veja nomes e locais

Além de eleger pessoas, projeto listou uma séria de iniciativas, como crochê e graffitti, como referências afetivas

Escrito por
Clarice Nascimento clarice.nascimento@svm.com.br
(Atualizado às 10:44)
Close-up de Dona Francy, uma mulher sorridente de óculos, fazendo crochê com um tecido rosa vibrante. Ela está sentada em frente a uma parede branca e um sofá azul-escuro.
Legenda: O crochê feito por Dona Francy, artesã e moradora do bairro Henrique Jorge, foi escolhido pelos jovens pela poesia no artesanato feito à mão
Foto: Divulgação/Sandy Albuquerque

Patrimônios são bens que fazem referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, conforme a Constituição de 1988. Eles podem ser formas de expressão, modos de criar ou fazer, obras, objetos, documentos, conjuntos urbanos e vários outros elementos.

É com esse ponto de vista que atua o projeto Patrimônio Para Todos (PPT), existente desde 2009 e uma das iniciativas mais longevas de educação patrimonial do Ceará. Por meio dele, 100 jovens de cinco bairros de Fortaleza passam por uma formação e vão a campo definir os patrimônios que as comunidades consideram importantes. 

Em 2025, o projeto passou pela Barra do Ceará, Henrique Jorge, Passaré, Engenheiro Luciano Cavalcante e Ancuri, e listou 50 patrimônios de natureza material e imaterial. 

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Na metodologia do projeto, as histórias locais, as pessoas que transformam suas comunidades e ações cotidianas invisibilizadas devem ser fortalecidas, como explica Maninha Morais, gestora executiva da Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho (EAOTPS), que realiza a iniciativa. 

“Esse projeto nos leva a fazer uma reflexão sobre a importância de você escolher seus patrimônios, valorizar aquilo que a própria comunidade já valoriza e compartilhar e multiplicar”, afirma.

O público-alvo são adolescentes do 1º e do 2º do Ensino Médio de escolas públicas de Fortaleza e o intuito é que eles possam se sensibilizar sobre a importância de conhecer, preservar e promover a diversidade do patrimônio cultural que existe na cidade. 

Grupo de jovens usando camisetas verdes entrevista um homem de camisa vermelha que está sentado em um banco de madeira. Eles estão em um espaço interno com parede colorida ao fundo, decorada com grafites geométricos. O clima é descontraído e educativo.
Legenda: No bairro Ancuri, um dos patrimônios listados e visitados foi o grupo de capoeira Kanoambo, do mestre Robinho Graúna.
Foto: Divulgação/Sandy Albuquerque

Nayane Sena, mestranda em História e atual coordenadora pedagógica do projeto, explica que a única exigência dos alunos selecionados é que eles morem no território de atuação para conseguirem compartilhar a vivência e o cotidiano. “Queremos ver o que eles enxergam enquanto referência do território onde moram”, ressalta. 

Por mais que a gente tenha um público e um horizonte já muito bem definido, é sempre uma surpresa estar dentro dessas comunidades. É sempre muito singular a forma com que a gente se depara com essas expressões e com essas referências culturais
Nayane Sena
mestranda em História e atual coordenadora pedagógica do projeto

Para a coordenadora, a força da iniciativa está em reconhecer que os patrimônios vão além dos lugares de poder, movimento que existem desde muito tempo. A partir do projeto, existe uma quebra do que se entende de patrimônio como os grandes tombamentos, mas sim aquilo mais simples que existe nas comunidades. 

A jovem Julia Marques de Oliveira, de 16 anos, foi uma das participantes da edição desse ano. Estudante da Escola de Ensino Médio em Tempo Integral EEMTI Integrada 2 de Maio, ela mora no bairro Passaré desde que nasceu e comenta que, por meio do projeto, pode conhecer locais e festividades do local que ela desconhecia.

“Eu não sabia que na rua que eu moro tinha a Quadrilha Brilho do Sertão, também não conheci o Aniversário do Riacho Doce, organizada pelas pessoas do bairro”, relata.

No gráfico abaixo, você pode ver a lista dos 50 patrimônios selecionados pelo projeto. Basta clicar no nome de cada bairro ou selecionar na barra de pesquisas no canto superior esquerdo. 

“A partir do momento que os movimentos sociais, grupos, ONGs, organizações, coletivos tomam o patrimônio e disputam por esse conceito, a gente consegue construir uma sociedade coletiva que participa do que imaginamos como cidade e território”, afirma. 

Isso também influencia na construção da identidade dos jovens dentro de sua comunidade, afirma Maninha. Os jovens passam a enxergar aqueles patrimônios como algo valioso e começam a construir sua história com os bairros, muitas vezes diferente do estereótipo que os locais possuem. 

Ao percorrer esses espaços, o projeto vai estimulando nos moradores o sentimento de reconhecimento, de pertencimento do lugar onde eles vivem. "Assim, vai contribuindo com a resignação e rupturas de estigmas sociais, que muitas vezes está presente naquela comunidade”, afirma Maninha. 

É importante tratar os patrimônios de uma forma muito especial porque é isso que constitui a nossa história e nossa memória. Só que se você não fala dessa palavra patrimônio nas escolas, como que os jovens vão saber da importância disso?
Maninha Morais
gestora executiva da Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho (EAOTPS)

Homem usando capacete branco segura uma pequena peça de madeira esculpida em forma de pássaro, mostrando-a em primeiro plano. O fundo está desfocado, revelando um ambiente de oficina com madeira e ferramentas.
Legenda: O artesanato de Seu Francisco, feito em madeira, é um dos itens listados do bairro Luciano Cavalcante
Foto: Divulgação/Sandy Albuquerque

Metodologia de formação 

O projeto inicia com uma chamada pública para selecionar 10 jovens facilitadores, dividida em duas fases: envio de documentos e apresentação de um patrimônio para avaliação. “Pode ser cultural, material, imaterial, consagrado ou não. Fica a critério deles”, explica Nayane. Em seguida, eles passam por um ciclo formativo na Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho (EAOTPS). 

Podem participar jovens a partir de 18 anos, residentes em Fortaleza e com ensino médio concluído, de preferência em escolas da rede pública. Os facilitadores recebem uma bolsa auxílio para desempenharem a função. 

Por um mês, eles aprendem sobre educação patrimonial e inventários participativos, mídias sociais, produção textual e audiovisual, além de como fazer oficinas e técnicas de entrevistas. São 80 horas de formação, com aulas pela tarde. A partir de então, eles estão aptos para compartilhar esses conhecimentos com os jovens do projeto Patrimônio para Todos.

Jovens sorrindo enquanto observam uma câmera fotográfica em um tripé, em ambiente externo com árvores ao fundo.
Legenda: Papel dos facilitadores é orientar os jovens alunos em relação à educação patrimonial, inventário participativo e outros temas
Foto: Divulgação/Sandy Albuquerque
 

A seleção das escolas parte de uma colaboração com a Secretaria de Educação do Ceará (Seduc). Cada dupla de facilitadores fica responsável por um território e compõe uma equipe junto de coordenadores, produtores e monitores. A oficina de educação patrimonial dura uma semana em cada escola. 

“Durante os três primeiros dias, nós fazemos a sensibilização dos alunos sobre o que seria patrimônio cultural, identidade, memória e território. No terceiro dia, a gente faz a pré-produção em que os alunos levantam quais seriam os patrimônios da comunidade a partir das nossas categorias”, explica Nayane. 

Categorias de patrimônios trabalhadas, com base no trabalho do IPHAN

  1. Lugares de memória;
  2. Guardiões de memória;
  3. Saberes, ofícios e modos de fazer;
  4. Histórias e lendas;
  5. Celebrações;
  6. Expressões culturais.

Após esses levantamentos, os alunos realizam uma pesquisa de campo para identificar e compartilhar as referências patrimoniais presentes nos bairros, registrando e mapeando esses pontos por meio de fichas de referências culturais, de entrevistados e registros fotográficos.

“É um momento muito rico que muitos ali vão conhecer os guardiões, as pessoas mais antigas do bairro, que façam fazem da vida delas compartilhada com a vida do território, vão conhecer lugares históricos também, como, por exemplo, na Barra do Ceará, que a gente mapeou o Marco Zero”, detalha.

Grupo de pessoas reunido ao redor de um monumento de pedra em uma praça ao ar livre, com céu claro, árvores e quiosques ao fundo.
Legenda: Alunos percorreram a Barra do Ceará, bairro histórico e porta de entrada da capital cearense, e apontaram o Marco Zero e o Rio Ceará como alguns dos patrimônios afetivos da cidade
Foto: Divulgação

Ao fim de cada formação, é criado um inventário participativo e cultural das localidades visitadas. “Nós estamos formando um banco de dados importantíssimo para a história da cidade, da memória de Fortaleza”, reitera Maninha. 

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Destaque nacional

O Projeto Patrimônio Para Todos (PPT) tem o intuito de sensibilizar a juventude de Fortaleza sobre a importância de conhecer e promover a diversidade do patrimônio cultural presente na cidade. Ao todo, o PPT já identificou e registrou 672 patrimônios/referências culturais em 37 bairros de 20 municípios do Ceará, envolvendo 1640 jovens. 

Um close-up mostra uma pessoa preenchendo um formulário de Inventário Participativo do projeto Patrimônio para Todos em uma prancheta. A pessoa está de camisa verde-limão, escrevendo dados como denominação e bairro.
Legenda: Ao fim das aulas de campo, os jovens participantes irão construir um inventário participativo das localidades visitadas
Foto: Divulgação/Sandy Albuquerque

Em 2012, a iniciativa foi reconhecida nacionalmente pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) com o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade. Além disso, conquistou o Prêmio Inventários Participativos do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) em 2023. 

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