Após ouvir que engravidaria na adolescência, aluna do CE cria projeto de educação sexual e vence prêmio

Ação capacita profissionais da atenção básica dos municípios e orienta estudantes.

Escrito por
Gabriela Custódio gabriela.custodio@svm.com.br
Naomi Nascimento Ferreira recebendo o Prêmio Na Prática.
Legenda: Naomi Nascimento Ferreira venceu o Prêmio Na Prática: Protagonismo Universitário 2025 na categoria Nordeste.
Foto: Divulgação/Eduardo Frazão

Uma equipe multidisciplinar composta por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos e estudantes tem ido ao interior do Ceará para realizar atendimentos clínicos a pacientes ginecológicas e inserção de dispositivos intrauterinos (DIUs), além de promoção de educação sexual e planejamento familiar. A iniciativa é do “Missão Mulher Saudável”, projeto de extensão da Universidade Federal do Ceará (UFC) idealizado pela estudante de medicina Naomi Nascimento Ferreira, 23.

Fruto da união do interesse acadêmico da estudante pela área da ginecologia com a vontade de ajudar jovens a mudarem o próprio futuro, o projeto levou Naomi a receber o Prêmio Na Prática: Protagonismo Universitário 2025, na categoria Nordeste, no último dia 3 de novembro. Ela e outros cinco vencedores vão participar de uma imersão em inovação e empreendedorismo na China.

O “Missão Mulher Saudável” surgiu no escopo da Liga Acadêmica de Ginecologia Minimamente Invasiva (MIGS) e conta com orientação do professor de Ginecologia e Obstetrícia da UFC Leonardo Bezerra. Até agora, as edições do projeto foram realizadas em Quiterianópolis, Crateús e Jaguaretama, com atividades que já beneficiaram mais de 300 mulheres.

Foram essas as cidades que se sensibilizaram e abriram as portas para o projeto, conta Naomi. Isso reflete o principal desafio para colocar a iniciativa em prática: conseguir apoio dos governantes locais.

“Muitos deles acham que há pautas mais importantes a serem trabalhada do que a saúde reprodutiva e educação em saúde da população”, conta ela. Em outros casos, os gestores não querem aliar a própria imagem a educação sexual e reprodutiva por acreditarem que é um tema “delicado”.

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Com o reconhecimento, porém, novas negociações estão ocorrendo para ampliar o projeto para outras cidades. “O prêmio deu uma visibilidade para o projeto que eu não imaginava que conseguiríamos e, agora, estamos muitíssimo empolgados para [vê-lo] crescer”, diz a universitária.

Nessa parceria, as prefeituras fornecem apoio financeiro para a compra de materiais, disponibilizam o local para realização da ação — como Unidade de Pronto Atendimento (UPA), policlínicas ou postos de saúde —, transporte e acomodação dos voluntários. Em contrapartida, estudantes e profissionais especializados do projeto realizam as ações e levam materiais didáticos.

Motivações para a criação do projeto

A ideia de criar o “Missão Mulher Saudável” surgiu após Naomi cursar o módulo de ginecologia na graduação. Foi com essa experiência que ela percebeu que muitas das mulheres atendidas percorriam grandes distâncias para ter acesso a atendimento médico. “Além disso, notei que grande quantidade dessas mulheres demoravam anos de suas vidas para receber o diagnóstico de patologias ginecológicas”, acrescenta.

Nesse contexto, ela entendeu que esse cuidado precisava chegar mais longe e abranger mais regiões do Ceará. Além de promover mutirão de atendimento, o projeto já realizou a capacitação de 60 profissionais da atenção básica que atuam nos municípios para o atendimento ter continuidade após a equipe sair da cidade.

“[Também] temos o momento com os estudantes de ensino médio das escolas públicas, orientando sobre assuntos relacionados a métodos contraceptivos, disfunções relacionadas à menstruação e planejamento familiar”, complementa Naomi. Cerca de mil estudantes de ensino médio já foram impactados com ações educativas sobre saúde menstrual, dor pélvica e contracepção.

Outro fator que estimulou a criação do projeto foi o desejo de mostrar aos mais jovens que eles podem mudar o próprio destino. “Vejo que ainda falta incentivo e cuidado, falta alguém que os oriente e os incentive a buscar novos caminhos, pois é muito mais comum vê-los tendo gestações na adolescência ou entrando para o crime do que ver alguém vencer na vida por meio do estudo”, afirma.

Um dia me disseram ‘provavelmente você não será grande coisa na vida, vai acabar engravidando na adolescência’. Ali eu me revoltei e decidi que mudaria meu destino. Hoje, falo para esses jovens que eles também podem mudar os deles.
Naomi Nascimento Ferreira
Estudante de medicina da UFC

Histórias marcantes

Naomi também participou ativamente da 12ª edição do Expedição Cirúrgica, projeto da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) que leva atendimento e cirurgias gratuitas a regiões com baixo acesso à saúde. Em parceria com a UFC e com a Universidade Estadual do Ceará (Uece), ela chegou ao município de Crateús, em julho de 2025.

Com a participação de 100 profissionais e estudantes da área da saúde, a ação realizou mais de 200 procedimentos cirúrgicos de diversas especialidades e 847 exames de ultrassonografia.

Foi nessa oportunidade que a estudante reencontrou uma paciente que iniciou o tratamento para endometriose com a equipe do projeto “Missão Mulher Saudável” e iria fazer uma cirurgia durante a Expedição. “Fiquei muito feliz”, diz a universitária.

Outra boa lembrança de Naomi foi quando a equipe do projeto foi procurada por um jovem que estudava em uma escola de Crateús que recebeu o “Missão Mulher Saudável”. “Ele se sentiu incentivado, passou em medicina na UFC e queria fazer parte do projeto, pois também gostaria de mudar a vida de outras pessoas. Hoje ele faz parte”, conta.

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Conheça o Prêmio Na Prática: Protagonismo Universitário

O Prêmio Na Prática: Protagonismo Universitário é uma iniciativa do Na Prática, organização sem fins lucrativos criada em 2012 pela Fundação Estudar, que tem objetivo de reconhecer jovens que se destacam por iniciativas transformadoras dentro e fora das salas de aula. Ele é voltado para estudantes de 18 a 34 anos, de qualquer curso e universidade, com trajetória acadêmica consistente e projetos ou experiências com impacto prático.

Foram recebidas mais de 1,6 mil candidaturas e os 15 finalistas participaram de uma programação que incluiu o curso exclusivo “Execução de Alta Performance”, oferecido pelo Na Prática. A imersão proporcionou aos estudantes ferramentas práticas de autoliderança, foco e criação de rede, entre outras habilidades.

Os cinco premiados vão ganhar uma viagem à China para conhecer empresas e universidades de destaque na inovação. Veja abaixo a lista de vencedores por região do País.

Centro-Oeste e categoria “Nacional”

Gabriela Santos Mendanha, 24 anos, Medicina — Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás).

Desenvolveu um algoritmo de inteligência artificial capaz de reduzir custos e aumentar a precisão em cirurgias oftalmológicas, reconhecido em congressos nacionais e internacionais.

Nordeste

Naomi Nascimento Ferreira dos Santos, 23 anos, Medicina — Universidade Federal do Ceará (UFC).

Fundadora da Missão Mulher Saudável, projeto de planejamento familiar que já levou educação sexual e métodos contraceptivos a mais de 300 mulheres no interior do Ceará.

Norte

Hugo Santos Maia, 23 anos, Engenharia de Energia — Universidade Federal do Pará (UFPA).

Criou um sistema interno de gestão de armazém na Suzano que reduziu divergências de estoque em 50% e o tempo de devoluções em 60%, além de atuar em pesquisas sobre energias renováveis.

Sudeste

Narayane Ribeiro Medeiros, 23 anos, Engenharia Aeroespacial — Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).

Finalista global da competição da NASA Space Apps Challenge e premiada pela SBPC, desenvolve pesquisa sobre montagem inteligente de aeronaves em parceria com a Embraer.

Pedro Henrique Rodrigues, 21 anos, Medicina — Universidade de São Paulo (USP).

Liderou a refundação da tradicional Bandeira Científica da USP, que retomou expedições humanitárias e realizou mais de 5 mil atendimentos em comunidades em vulnerabilidade.

Sul

Emily Raiane Rodrigues, 21 anos, Engenharia Aeroespacial — Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Trabalhou na agência espacial francesa CNES com sistemas de nanosatélites e co fundou a Escola Piloto de Engenharia Aeroespacial, que já impactou mais de 2 mil estudante

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