Antes do fim, Censo 2022 identifica 28% mais pessoas morando em assentamentos precários no CE
Favelas, invasões e comunidades irregulares são caracterizadas pela carência de serviços públicos essenciais
Antes mesmo de acabar - a nova previsão de término é janeiro de 2023 -, o Censo Demográfico 2022 mostra que a população cearense vivendo em formas de ocupação irregular “de terrenos de propriedade alheia, públicos ou privados” cresceu 28% em relação ao último levantamento oficial, de 2010.
Há 12 anos, 441.937 pessoas viviam nos chamados Aglomerados Subnormais (AGSN). Até agora, neste ano, já foram contabilizadas 565.396, de acordo com o último balanço do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Ainda não há detalhes sobre a localização dessas ocupações nem do perfil da população presente nelas.
Em 2010, foram identificados 226 aglomerados em 14 cidades, contabilizando mais de 121 mil domicílios. Só na Região Metropolitana de Fortaleza, viviam mais de 430 mil pessoas nessas localidades, em 118 mil domicílios.
Já conforme a última estimativa do Instituto, de 2019, o número de cidades com ASGN teria subido para 40, totalizando mais de 243 mil domicílios.
O IBGE considera como aglomerados subnormais todos os assentamentos irregulares conhecidos como favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, mocambos, palafitas, entre outras categorias, que ocupam “áreas menos propícias à urbanização”.
Além disso, conforme o órgão, são caracterizados pela carência de serviços públicos essenciais. “As populações dessas comunidades vivem sob condições socioeconômicas, de saneamento e de moradias precárias”, avalia.
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Alexandre Queiroz Pereira, professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC) observa que a crise econômica de 2015/2016, a paralisação de obras públicas do programa Minha Casa Minha Vida e a pandemia de Covid-19 levaram “famílias inteiras à miséria, e perdeu-se totalmente a condição de habitação em aluguel”.
“Tudo isso é contexto junto a toda uma reestruturação do Estado brasileiro e das políticas públicas habitacionais, que reduziu investimentos na habitação e em outras formas de contenção desse tipo de ocupação no espaço urbano”, analisa o especialista.
Embora direito básico garantido pela Constituição Brasileira, o acesso à moradia ainda é um grande obstáculo que impede o usufruto da segurança, da dignidade e da verdadeira cidadania, aponta o professor.
Ter o lugar pra morar é, antes de mais nada, uma referência para uma série de serviços na cidade. O direito básico de ter um endereço, de poder dizer onde está naquela cidade, de construir laços, vizinhanças, de ter a tranquilidade de ter um teto
Alexandre avalia ainda que ocupações em assentamentos precários têm diversas implicações danosas a seus habitantes, como:
- vulnerabilidade a inundações, incêndios, alagamentos e desmoronamentos;
- falta de saneamento, drenagem e urbanismo;
- possível contaminação da água pelo contato com dejetos;
- desenvolvimento de uma série de doenças, como as próprias arboviroses (dengue, zika e chikungunya).
Como o poder público atua
Em contato com o Diário do Nordeste, a Secretaria das Cidades do Governo do Ceará (SCidades) informou que atua na regularização fundiária urbana, sobretudo “na tentativa de minimizar a falta de segurança jurídica para pessoas de baixa renda na questão da moradia nos complexos habitacionais e áreas do Estado”.
A Pasta atua como intermediária no processo através de Acordos de Cooperação Técnica, com aplicação de cadastros e georreferenciamento de imóveis, treinamentos de equipes técnicas e fiscalização de trabalhos.
cadastros e georreferenciamentos de imóveis foram realizados entre 2017 e 2022, por meio da Coordenadoria de Regularização Fundiária (Coref), nos municípios de Fortaleza, Crato, Barbalha, Juazeiro do Norte e Sobral.
“Mesmo o Estado atuando no papel principal de fomentar a regularização fundiária urbana, há outros atores que participam da viabilização do produto fim, como Prefeituras e Cartórios. Ou seja, mesmo sendo de iniciativa do Estado para que haja a regularização, ele fica dependente de outras entidades para que o mesmo seja finalizado”, explica a SCidades.
Já a regularização fundiária rural é feita através do Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace), da Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA).
Em Fortaleza, atualmente, a Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habitacional (Habitafor) tem mais de 26 mil famílias em processo de titularização que oficializa a parte documental do imóvel e leva segurança patrimonial para os favorecidos.
“O papel da casa apresenta outros benefícios, como a facilidade em financiamentos, principalmente para obras de construção ou reformas de suas casas, o acesso a direitos como saneamento, esporte, lazer e outros equipamentos públicos, bem como a dignidade de endereços oficiais e reconhecidos pelos governos e outras instituições”, destaca o órgão.
Cenário ideal
Para o professor e geógrafo Alexandre Pereira, primeiro é necessário que o poder público construa um banco de dados "verdadeiramente denso e atualizado" para entender onde e em qual situação vivem essas famílias, além de apontar propriedades públicas ou áreas privadas que possam ser captadas para a construção de moradias.
“É preciso incrementar os orçamentos, tornar a habitação uma política pública de Estado e não só ficar dependendo da intenção de um Governo, porque isso está na Constituição”, defende.
Contudo, o especialista percebe outras formas de fortalecer a política habitacional, seja através da requalificação de áreas anteriormente degradadas, favorecendo a habitação social; de subsídios do aluguel social; e da manutenção de espaços públicos para que eles não se tornem espaços de ocupação, ao mesmo tempo em que se lida adequadamente com famílias em vulnerabilidade social.
Balanço do Censo 2022
De acordo com o último balanço do IBGE no Ceará, cerca de 7,4 milhões de pessoas já foram recenseadas no Estado. As últimas estimativas do órgão contavam 9,2 milhões de habitantes.
Em relação aos povos e comunidades tradicionais, 41.525 indígenas e 21.284 quilombolas já foram identificados. “Embora ainda parcial, o número de quilombolas é inédito, já que esta é a primeira vez que esse tipo de investigação está sendo feita”, argumenta o órgão.
A última contagem da população cearense foi realizada entre agosto e novembro de 2010. Naquele ano, havia um contingente de 8,45 milhões de pessoas.