Alguns estudantes não conseguem prestar atenção na aula devido ao calor intenso, outros têm aulas suspensas devido a enchentes. Tem também quem não consiga chegar na escola porque o rio, usado para deslocamento, está secando. As situações são múltiplas e fazem parte do contexto do impacto das mudanças climáticas na Educação.
Com isso em mente, Sofia Lerche Vieira, professora emérita da Universidade Estadual do Ceará (Uece), elaborou a nota técnica “O impacto das mudanças climáticas na educação: iniciando um debate”, publicada na última semana.
O documento reúne análises de publicações internacionais feitas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Banco Mundial e Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A partir disso foi elaborada a análise técnica desenvolvida por meio da associação civil sem fins lucrativos Dados para Um Debate Democrático na Educação (D³e), Todos Pela Educação, Instituto Terra Firme e Banco Master.
A ideia da nota técnica é contribuir para o debate público sobre os impactos das mudanças climáticas na educação, colaborar para a formulação de políticas públicas e recomendar caminhos para o futuro da pesquisa e do debate sobre o tema no Brasil.
Para isso, são apontados 4 caminhos para orientar a mudança:
- Eixo 1: enfatiza a necessidade de infraestrutura sustentável e sistemas resilientes, sugerindo iniciativas como um Programa Nacional de Escolas Verdes e ações intersetoriais voltadas à prevenção de desastres naturais.
- Eixo 2: destaca a importância de mudanças curriculares que priorizem a alfabetização climática e ambiental, abrangendo a formação inicial e continuada de professores e incentivando a pesquisa acadêmica sobre políticas ambientais, mudanças climáticas e Educação.
- Eixo 3: foca no engajamento ativo da comunidade escolar em ações ambientais, dentro e fora da escola.
- Eixo 4: diz respeito à urgência de um debate contínuo sobre Educação e mudanças climáticas, envolvendo múltiplos atores e alinhado à mitigação dos impactos climáticos de forma intersetorial.
As mudanças climáticas são alterações nos padrões de temperatura e clima causadas por efeitos naturais, mas aceleradas devido às interferências humanas. A queima de combustíveis fósseis, por exemplo, influencia diretamente a crise do clima. Os prejuízos disso alcançam diversas áreas, como saúde, segurança física e educação, por exemplo.
Para o aprendizado, há um efeito mais imediato e a longo prazo, como contextualiza a autora Sofia Vieira, também bolsista de Produtividade Sênior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
“Isso causa mudança imediata nas escolas com a suspensão de aulas, por exemplo, e também são usadas para outras finalidades (em momentos de catástrofes)”, aponta.
Também é preciso ter maior preocupação com o acesso e permanência das crianças nas salas de aula. “Por causa desses problemas, o acesso das crianças é prejudicado – no Amazonas, a seca do Rio Madeira está dificultando o acesso, porque elas não conseguem se deslocar”, exemplifica.
Afeta a permanência porque esses fenômenos nem sempre são predizíveis no curto prazo, as escolas podem precisar ser fechadas por situações diversas e a permanências das crianças vai ser afetada
A nota técnica indica uma série de recomendações aos gestores públicos e pastas como Ministério da Educação e Ministério do Meio Ambiente. Nesse caso, a proposta é coordenar um esforço nacional e políticas para ações de prevenção, enfrentamento de emergências climáticas, com atenção particular para as populações mais afetadas visando a redução das desigualdades.
Como o clima afeta o aprendizado
As mudanças climáticas são responsáveis por deslocamentos de populações em todo o mundo e afetam de forma mais intensa as pessoas em situação de vulnerabilidade social, principalmente, mulheres, crianças e pessoas com deficiências.
No último ano, fenômenos como o El Niño interferiram de forma negativa a dinâmica de escolas em diversas regiões. A análise feita indica que eventos repentinos levam à destruição de escolas, materiais de aprendizagem e infraestrutura que podem levar meses até a recuperação.
Um dos estudos analisados conclui que as mudanças climáticas apresentam ameaças diretas e indiretas ao cumprimento do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4 com metas estabelecidas para até 2030. Confira o objetivo geral:
Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos
De modo geral, pode haver fechamento em massa de escolas, perdas de aprendizagem por causa de temperaturas elevadas e prejuízos para a saúde de professores e estudantes.
O fechamento de unidades de ensino por causa da crise do clima, como enchentes, incêndios e furacões, é uma estratégia comum para o uso do espaço físico como abrigo para vítimas desses fenômenos.
As informações coletadas estimam que uma criança de 10 anos em 2024, em comparação com outra da mesma idade em 1970, deve vivenciar duas vezes mais incêndios e ciclones, três vezes mais enchentes, quatro vezes mais perdas de safras e cinco vezes mais secas no curso de sua vida em um contexto de 3°C no aquecimento global.
Para ter uma dimensão dessa realidade, nas duas últimas décadas, o fechamento de escolas devido às emergências climáticas afetou cerca de 5 milhões de pessoas. Além disso, os estudantes das regiões mais quentes, ou seja, os moradores de 10% dos municípios mais quentes do Brasil têm perdas de aprendizagem em torno de 1% ao ano.
“Nós estamos num lugar onde as condições de aprendizagem precisam ser cuidadas sob o aspecto da circulação do ar, um grande número de escolas não têm condições de circulação do ar satisfatórias, excesso de sol e pouca ventilação interna”, comenta sobre a realidade cearense.
O que pode ser feitos nas escolas
Os estudos internacionais avaliam a necessidade de adaptações nas escolas e sistemas educacionais que envolvem desde a melhoria da gestão e da infraestrutura escolar, até as modificações pedagógicas e curriculares e, ainda, a resiliência dos profissionais da educação e dos estudantes, bem como a participação comunitária.
No documento “Aprendizagem em risco: o impacto da migração climática no direito à aprendizagem”, publicado pela Unesco em 2023, é destacada a importância da adoção de políticas e legislação abrangentes, com claras definições sobre migrantes internos e refugiados do clima.
Outro ponto está relacionado à inclusão da educação entre a lista de prioridades entre as Políticas de Redução e Gestão de Riscos de Desastres, como a provisão de itens essenciais, abrigo e alimentação.
Além disso, a publicação indica que o empoderamento de comunidades afetadas requer programas de redes de segurança social pós-desastres, assim como redes de apoio às crianças por meio das escolas.
A educação ambiental sempre teve um sentido transversal nas escolas, desde que foram pensado os currículos, no sentido de que de fato está presente em todos os saberes da escola, mas isso não é muito trabalhado, são poucas as escolas que têm vivências que proporcionam aos alunos uma apropriação
Um dos modelos apresentados na nota técnica é a "Escola Verde", na qual a uma instituição de ensino adota uma abordagem de Educação para o Desenvolvimento Sustentável (EDS), com base em um padrão estabelecido pela Unesco.
Os princípios orientadores do conceito Escola Verde são a ideia de uma educação holística, a prioridade por práticas de sustentabilidade para enfrentar as mudanças climáticas e a promoção do senso de responsabilidade.
Saiba quais são as 4 dimensões do Padrão de Qualidade Escola Verde:
- Governança escolar: evidenciada por meio de uma visão e uma política abrangente de Escola Verde, incluindo a comunidade escolar por meio da tomada de decisões inclusivas e do envolvimento ativo para combater as mudanças climáticas, otimizando o gerenciamento de recursos, aumentando a resiliência e promovendo práticas sustentáveis.
- Instalações e operação: redução de riscos por meio da proteção climática e da melhoria da preparação para emergências, bem como da promoção ativa de práticas sustentáveis na escola (incluindo o uso de energia e água, gestão de resíduos e compras), especialmente por meio do envolvimento dos alunos no monitoramento do progresso da escola. Isso promove a responsabilidade, a resiliência climática, a saúde e o bem-estar, além de inspirar escolhas sustentáveis na comunidade escolar.
- Ensino e aprendizagem: incorporação da EDS e da educação sobre mudança climática no currículo, demonstrando o compromisso com o desenvolvimento holístico do aluno e equipando-o com habilidades para se envolver com suas comunidades.
- Envolvimento da comunidade: aumento da conscientização de toda a comunidade sobre as mudanças climáticas e a preparação, capacitando os alunos e envolvendo diversas partes interessadas, por meio de campanhas organizadas, promovendo a responsabilidade compartilhada e as práticas sustentáveis para fomentar uma cultura de resiliência e sustentabilidade.
“Vários países do mundo tem se destacado por experiências, como a Indonésia que tem o padrão de Escola Verde com sintonia com a natureza. A ideia é que a escola seja um espaço de consciência, conscientização e de práticas”, defende Sofia.
Reuso de água, energias renováveis e práticas sustentáveis cotidianas estão entre os tópicos que podem ser estudados e apropriados pelos estudantes. “É preciso que a gente saia da caixa, tudo que a escola faz precisa continuar sendo feito, mas é preciso formar consciência, um despertar amplo do problema”, conclui.