Onda de calor: 70% das salas de escolas públicas e privadas do Ceará não são climatizadas

Cidades do Ceará, assim como outras regiões do país vivem picos de temperatura. São consideradas climatizadas, as salas com ar-condicionado ou climatizador

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@svm.com.br
sala de aula
Legenda: No Ceará, a cada 10 salas de aula, cerca de 7 não têm climatização.
Foto: Thiago Gadelha

Não conseguir se concentrar, se sentir desconfortável e enfadado por conta da quentura, ter a aula interrompida para se reidratar devido à alta temperatura no ambiente. Incômodos vividos nas salas de aula do Ceará e que, nas últimas semanas, devido à onda de calor, têm acentuado dilemas nas escolas. No Estado, das 66,6 mil salas de aula das unidades públicas (das três redes: municipal, estadual e federal) e privadas, somente 29,52% têm algum tipo de equipamento como ar-condicionado ou climatizador. Ou seja, a cada 10 salas de aula, cerca de 7 não têm climatização

Os dados são do Censo Escolar de 2022, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e foram analisados pelo Diário do Nordeste.  

Se, em boa parte do tempo no Ceará, as limitações relacionadas ao conforto térmico são evidentes e geram adversidades nas escolas, sobretudo, nas cidades mais quentes, no cenário mais recente, de registro de temperaturas acima da média histórica em distintos municípios, a situação está ainda pior. 

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No Censo Escolar de 2022, o Ceará registrou 7.624 escolas ativas. Estas, segundo o monitoramento, têm juntas 66.644 salas de aula, sendo que somente em 19.677 delas a climatização é assegurada. 

O levantamento do Inep que, ano a ano, registra a realidade das instituições de ensino do país não considera o uso de ventiladores na climatização das salas. No Ceará, em inúmeras escolas, por exemplo, o único artifício contra o calor é a utilização desses equipamentos. 

Conforme a definição do Inep, entende-se como salas de aula climatizadas aquelas que possuem equipamentos como ar-condicionado, aquecedor ou climatizador (que além de gerar vento, também umidificam o ambiente) em funcionamento para manter a temperatura da sala agradável.

Picos de temperatura no Ceará

Na semana passada, uma onda de calor assolou cidades do Ceará e um pico de temperatura máxima foi registrado na quarta-feira (15) e na quinta-feira (16) pela plataforma de monitoramento da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme). Nesse intervalo, as maiores temperaturas ficaram entre 39°C e 40°C. 

Ranking do Calor em Novembro:

  • Jaguaribe: 40,9°C - 14/11
  • Barro: 40,4°C - 13/11
  • Alto Santo: 39,5°C - 08/11
  • Viçosa do Ceará: 39,3°C - 08/11
  • Amontada: 39,2°C - 13/11

O termo onda de calor é usado para o período entre 3 e 5 dias com temperaturas acima da média histórica observada em um território.

A análise dos dados do Censo Escolar de 2022 apontam que somente em 12 cidades do Ceará mais da metade das salas de aulas - de escolas particulares, municipais, estaduais e federais (se tiver) - são climatizadas. São elas: Groaíras, Farias Brito, Aracati, Milhã, Uruoca, Juazeiro do Norte, Iracema, Reriutaba, Tauá, Aracoiaba e Ipaporanga. Na grande maioria -  155 cidades - a climatização é garantida em menos de 40% das salas utilizadas. 

Em Fortaleza, contabilizando as unidades de todas as redes, o Censo Escolar registrou 17.264 salas de aula, das quais 6.252 são climatizadas, o que equivale a 36,21%.

Quando analisadas a situação por redes, a que apresenta melhor cenário são as escolas federais, nas quais 88% das salas são climatizadas. Em seguida vem a rede particular, com 46,14% das salas, a estadual com 43,16% e em pior situação as salas das escolas municipais, que são também as mais numerosas, com apenas 17,5% de climatização.

sala de aula
Legenda: No cenário mais recente, de registro de temperaturas acima da média histórica em distintos municípios, a necessidade de conforto térmico fica ainda mais evidente.
Foto: Silvana Tarelho/ SVM

Da falta de concentração à exaustão

No dia a dia, alunos e professores sentem os efeitos negativos do aumento da temperatura e as complicações geradas nas salas de aula. Em Beberibe, o professor de inglês Franciedson Oliveira relata que na Escola Municipal Desembargador Pedro de Queiroz de Ensino Fundamental, ele trabalha com 13 turmas. Nenhuma das salas tem ar-condicionado, reforça ele, e todas contam com, pelo menos, 3 ventiladores e ainda assim, a situação é desconfortável. 

Além disso, devido aos ruídos nos equipamentos, relata, muitas vezes, é preciso desligá-los para poder ouvir os alunos.

“Alguns ventiladores dificultam as aulas. Para poder ouvir os alunos e pedir para eles repetirem a pronúncia, eu preciso desligar os ventiladores. Esse ano, o calor está generalizado e apesar das salas serem um pouco arejadas está insuportável”.
Franciedson Oliveira
Professor de Inglês

De acordo com ele, em algumas salas há 2 ventiladores de parede e um móvel. “A climatização das salas tem que ser uma prioridade. E nem são turmas tão numerosas, a quantidade de alunos é entre 30 e 25. Não tem nem 40 alunos nas nossas turmas, mas está muito muito quente. E é porque a escola é arborizada”, completa ele. 

Ele ainda acrescenta: “fui aplicador do Enem e ouvi muitas reclamações. As pessoas perguntando como conseguimos dar aula em uma escola tão quente”.

"Diante desse cenário climático, essa situação é pra ser prioridade porque se não não temos resultados. Como vai cobrar dos alunos diante de tanta quentura e dos professores que não conseguem dar aula. O aluno quer aprender mas se incomoda. Percebo que quando está mais quente, os alunos ficam mais agitados”. 
Franciedson Oliveira
Professor de Inglês

Em Fortaleza, na rede municipal, o professor de História Pedro Monteiro explica a situação da Escola Professora Belarmina Campos. Na unidade, informa, em 2018 já havia a reivindicação pela climatização das salas e teve início um processo de instalação dos equipamentos. Com isso, 2 salas receberam, em 2019, ar-condicionado. 

Mas, em seguida veio a pandemia de Covid, o processo parou, pois, a orientação foi de não climatizar mais nenhum ambiente, tendo em vista que a prioridade era abertura de janelas e expansão das estruturas de ventilação. 

“A escola fica a quatro quarteirões da Praia do Futuro e ainda assim é uma escola bem quente. Os próprios estudantes tem dificuldade maior de concentração. O calor extenuante deixa as crianças em estado de letargia e não consegue às vezes responder às questões simples”, ressalta.

De acordo com ele, nas salas em que dá aula, há pelo menos 3 ventiladores. Segundo o professor, não há nenhuma orientação oficial de como agir diante da onda de calor das últimas semanas. Mas, o que tem sido adotado é a ação de parar a aula em momentos mais quentes do dia.

“Pela manhã, por exemplo, o intervalo é às nove horas, mas às dez eu pauso a aula de novo para reidratação. Enche as garrafas de água quem trouxe, quem não trouxe bebe água e volta para a sala de aula”. 
Pedro Monteiro
Professor de História

Outra situação que ilustra os dilemas relacionados ao calor foi noticiada pelo Diário do Nordeste em maio de 2023, quando estudantes da Escola de Ensino Fundamental e Médio (EEFM) Noel Hugnen de Oliveira Paiva, em Fortaleza, estavam assistindo às aulas no chão dos corredores da unidade devido à falta de ventilação nas salas. 

À época, os locais estavam com os sistemas de ar-condicionado sem funcionar devido a problemas na rede elétrica da unidade e uma fonte que trabalha na escola e opta por não se identificar formalmente relatou a situação. Agora, a fonte diz que “a escola está bem melhor”. 

sala de aula
Legenda: No Ceará, em inúmeras escolas, por exemplo, o único artifício contra o calor é a utilização desses equipamentos.
Foto: Thiago Gadelha

No atual momento, há salas com até dois aparelhos de ar-condicionado. Mas, “ainda temos salas sem ar e que estão bem quentes. Fomos contemplados com a subestação de energia, então eu acredito que irá melhorar ainda mais”, diz a fonte.

Ações para aumentar a climatização

Em nota, a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc) informou que atualmente já “são 3.747 salas climatizadas e que passaram por reformas estruturais e elétricas”.  A pasta disse ainda que “nos últimos anos, os novos estabelecimentos construídos e entregues à comunidade já contam com esse item”.  

A Secretaria disse ainda que “há também um estudo na Seduc voltado à expansão desse atendimento para as escolas da rede estadual na Capital e no interior”.

A pasta foi questionada se nesse período, no qual o país tem vivido ondas de calor, há intercorrências sendo registradas nas escolas da rede estadual que carecem de climatização, mas disse apenas que “as Coordenadorias Regionais Desenvolvimento da Educação (Crede) e Superintendência das Escolas Estaduais de Fortaleza (Sefor) acompanham o atendimento nas unidades de ensino, conforme as regiões onde estão localizadas, no cotidiano escolar”.

A Secretaria Municipal da Educação (SME) de Fortaleza também foi contatada pelo Diário do Nordeste, mas não deu retorno até a publicação desta matéria. A de Beberibe também foi acionada, mas também não retornou. 

Transparência

Para essa matéria, foram analisados microdados do Censo Escolar 2022. Esses dados estão disponíveis na página do Inep e as pastas contendo diversas informações do Censo podem ser acessadas neste link. A análise cruzou dados do número de salas de aula utilizadas nas escolas (QT_SALAS_UTILIZADAS) do Ceará com o número de salas de aula utilizadas climatizadas (QT_SALAS_UTILIZA_CLIMATIZADAS). 

 

 

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