Abrigo clandestino em Fortaleza tem 5 idosos com tuberculose e 33 com sintomas; mortes são investigadas

Autoridades apontam que condições insalubres da Casa de Repouso São Gabriel favoreceram adoecimento de internos

Escrito por
Theyse Viana theyse.viana@svm.com.br
Parede com infiltração na Casa de Repouso São Gabriel
Legenda: Condições inadequadas das instalações habitadas pelos idosos podem ter contribuído para estado de saúde, segundo autoridades
Foto: Divulgação/MPCE

O cenário insalubre habitado por idosos e pessoas com deficiência na Casa de Repouso Psiquiátrico São Gabriel, que foi interditada pela Justiça em Fortaleza, culminou na notificação de pelo menos cinco casos de tuberculose entre os internos. A informação foi dada por autoridades de saúde em coletiva de imprensa convocada pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) nessa terça-feira (25).

Além dos casos confirmados da doença, que é contagiosa e acomete o sistema respiratório de forma grave, outras 33 pessoas institucionalizadas na casa tiveram contato com os infectados e estão em tratamento de sintomas.

“Houve um caso anterior, que vinha sendo acompanhado em 2024, mas já teve alta por cura. Hoje, são 5 casos e 33 em tratamento, que tiveram contato, mas não evoluíram para a doença”, resume o enfermeiro Emanuel Uchoa, coordenador da Regional de Saúde I de Fortaleza, onde está situada a casa de repouso.

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O profissional afirma que as equipes de saúde da família já faziam uma cobertura do abrigo sob demanda dos usuários, mas intensificou a vigilância após detectar um caso de tuberculose. “A equipe de epidemiologia conseguiu acessar o local e me falou do absurdo que eram as condições. Então fizemos denúncia à Célula de Vigilância Sanitária”, lembra.

“Hoje, temos um cronograma diário de trabalho da equipe de saúde da família lá, com enfermeiro, técnico e médico do posto de saúde. Também temos apoio do psiquiatra do Caps AD, durante a semana. Não existe desassistência”, garante Emanuel.

De acordo com Valéria Machado, responsável pela área técnica da Saúde do Idoso da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), havia na casa psiquiátrica pacientes “sem receitas médicas, usando medicações de forma desajustada” e até vencidas. As equipes, então, avaliaram os idosos e as PCD para renovar e adequar as prescrições.

As medicações foram fornecidas, mas, segundo os profissionais de saúde, não têm sido administradas aos pacientes.

“Fornecemos o que é da responsabilidade da atenção primária e secundária, está garantida a prescrição dessas medicações, para poder estabilizar o quadro de saúde dessas pessoas; mas há ineficácia no manuseio do dia a dia”, reforça.

“Isso é que tem mais nos preocupado, porque é como se o nosso esforço fosse ineficaz. Voltamos à estaca zero”, lamenta Valéria.

Mortes sob investigação

Rena Gomes, titular da Delegacia de Proteção ao Idoso e à Pessoa com Deficiência (DPIPD), afirma que, no decorrer da investigação para prisão preventiva da proprietária da casa, a Polícia Civil (PCCE) tomou conhecimento de dois óbitos ocorridos na instituição, mas não detalhou os perfis nem as causas.

“Tudo será investigado no decorrer do procedimento”, finalizou a delegada, informando ainda que um idoso chegou a ser hospitalizado em uma Unidade de Pronto Atendimento da capital após sofrer uma queda – o que aconteceu sem nenhum conhecimento dos familiares.

“O estabelecimento tinha obrigação de informar imediatamente à família essa situação grave”, destaca Rena.

Quarto escuro em abrigo para idosos em Fortaleza
Legenda: Espaços internos da unidade tinham sinais de umidade, mofo e bolor
Foto: Divulgação/MPCE

A interdição da casa de repouso, solicitada pelo MPCE e acatada pela Justiça no dia 10 de fevereiro, ocorreu após inspeção que identificou instalações e condições de rotina consideradas insalubres pelos órgãos fiscalizadores, como quartos com infiltrações, camas sujas de urina e fezes, cômodos alagados, e ausência de cuidados básicos de higiene e nutrição.

Além disso, Adriana Gerônimo, presidenta da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara Municipal de Fortaleza, que participou da fiscalização do local junto ao Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), afirma que os idosos e PCD institucionalizados “não tinham nenhum alimento à disposição no dia”, situação que “parecia frequente”.

Para Alexandre Alcântara, promotor de Justiça do MPCE à frente do caso, a “situação social e sanitária do local” representa um “ambiente totalmente inóspito, insalubre” e arriscado à vida dos habitantes da casa de repouso.

“Você tem toda uma conjuntura que, na verdade, vai levar ao adoecimento e à morte das pessoas. Essa situação não vai ter que ser investigada”, sentencia.

O que diz a defesa

Em nota enviada à reportagem, o advogado da proprietária da casa de repouso afirmou que ela estava à frente da administração do local “há aproximadamente sete meses”, após a morte do ex-esposo – que, segundo a defesa, centralizava a gestão da empresa.

“Desde então, ela tem se esforçado para garantir um mínimo de qualidade no atendimento aos institucionalizados, mesmo com recursos limitados”, pontua, negando irregularidades. “Não houve escassez de alimentação ou negligência no fornecimento de medicamentos, como foi alegado”, frisa.

A nota da defesa reconhece que, “embora a Casa de Repouso São Gabriel não fosse a melhor opção para os pacientes, a situação se deteriorou consideravelmente após a intervenção das autoridades”.

“O que realmente precisa ser apurado são as questões relativas à falta de suporte e à verdadeira responsabilidade pela situação que, infelizmente, está resultando em mais mortes e sofrimento para os pacientes da Casa de Repouso São Gabriel”, complementa o posicionamento.

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