68 cidades do Ceará têm quilombolas e Caucaia concentra maior número; veja como é em seu município

A população quilombola está presente em distintas regiões do Estado, e apesar das questões específicas, a necessidade de regularização dos territórios é pauta recorrente

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@svm.com.br
população quilombola
Legenda: O Ceará não tem nenhum dos territórios quilombolas com titulação oficial.
Foto: Helene Santos/SVM

Um raio X que evidencia e reafirma aquilo que a população negra assegura, há tempos, na história brasileira: o Ceará tem milhares de quilombolas em seu território. São precisamente 23.955 pessoas desse grupo étnico racial habitando o Estado na atualidade, distribuídos em 68, das 184 cidades. Os dados são do Censo Demográfico de 2022, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e foram divulgados nesta quinta-feira (27). Essa é a 1ª vez na história do Brasil que o Censo registra oficialmente a população quilombola. 

Em posse das informações, gestores públicos devem atuar agora para criar e ampliar políticas específicas para esse grupo populacional. A principal delas, destacam os quilombolas cearenses, são as decisões relacionadas à garantia da regulação dos territórios, com a efetivação da titulação das comunidades e a regularização fundiária. 

Para se ter ideia, segundo o IBGE, o Ceará possui apenas 15 territórios quilombolas oficialmente delimitados, ou seja, que estão passando por alguma das fases do processo de regularização. Mas o Estado não tem nenhum dos territórios quilombolas com titulação oficial.

A legislação brasileira define os quilombolas como grupos étnico-raciais autodeclarados, que têm ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida por essa população e mantêm relações territoriais específicas. No Censo, seguindo as normativas adotadas no país, o critério para inclusão como população quilombola foi a autodeclaração. 

Cidades da Região Metropolitana de Fortaleza, como Caucaia e Horizonte, são os territórios com mais quilombolas: 2.615 e 2.282 residentes, respectivamente. Outros cinco municípios cearenses também têm a presença de mais de mil quilombolas: Salitre (1.804), Tururu (1.422), Tauá (1.069), Novo Oriente (1.053) e Aracati (1.016). Em Fortaleza, o IBGE indica que há 39 quilombolas. 

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No outro extremo, Juazeiro do Norte (9), Redenção (7), Fortim (5), Eusébio (4), Guaraciaba do Norte (2), São Gonçalo do Amarante (2) e Icó (1) têm menos de 10 pessoas quilombolas em cada cidade. 

Os dados coletados no Censo sobre a presença de quilombolas em cada cidade não significa necessariamente que as pessoas autodeclaradas vivem todas em territórios quilombolas oficialmente delimitados. 

No Censo, nos territórios quilombolas, após a pergunta sobre a “cor ou raça”, independentemente da resposta, a próxima pergunta foi “você se considera quilombola?”. Em caso de resposta afirmativa, o questionário continha outra pergunta: “qual o nome da sua comunidade?”. 

Regularização do território é prioridade

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 reconhece os territórios quilombolas e o decreto 4.887/2003 regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por quilombolas. 

Segundo a norma, a Fundação Cultural Palmares (FCP), vinculada ao Ministério da Cultura, deve certificar a autoatribuição quilombola por parte das comunidades, e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) titular os territórios quilombolas em terras públicas federais ou que incidem em áreas de particulares. No caso de terras de domínio estaduais e municipais cabe aos governos estaduais e às prefeituras expedir os títulos às comunidades quilombolas. 

Mas, no Ceará a regularização ainda é um gargalo, avaliam quilombolas. A coordenadora Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e orientadora da Célula de Igualdade Racial, Combate e Superação do Racismo da Secretaria de Igualdade Racial do Ceará, Cristina Quilombola, destaca que o momento da divulgação dos dados sobre os quilombolas no Brasil é “muito importante para reafirmar a existência dessa população”. 

De acordo com ela, nos territórios quilombolas há especificidades, mas, a principal demanda que se concentra e se repete nas diversas áreas é a concretização de políticas públicas que garantam a regularização fundiária. 

“A terra é a principal luta que nós temos. Sem terra não há diversidade, não há soberania, nem segurança alimentar. Não há cultura, tradição, a vivência que nós trabalhamos dentro dos nossos quilombos. É preciso avançar nesse sentido. Para isso também, vamos ter esse levantamento”.
Cristina Quilombola
Coordenadora Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ)

O quilombola, antropólogo e doutorando em Antropologia Social pela Universidade Federal de Goiás, Jeovane Ferreira, morador da Comunidade Quilombola de Alto Alegre, em Horizonte explica que em seu território “houve a participação direta de recenseadores quilombolas da própria comunidade, o que foi fundamental para que a coleta de dados ocorresse de forma mais ampla e sintonizada com a realidade das famílias locais”. 

Comunidade do Cumbe em Aracati.
Legenda: Comunidade Quilombola do Cumbe em Aracati.
Foto: Helene Santos/SVM

Ele destaca ser necessário demarcar “a participação quilombola em todos os processos ligados à sua vida e território, em especial aquelas vinculadas aos organismos governamentais, questão essa que em sua maior parte só tende a ocorrer diante de situações de tensionamentos políticos do próprio povo quilombola”.

Outro ponto evidenciado por Jeovane é que, além do fato histórico, a contagem da população quilombola no Censo  “efetiva visibilidade dessa população” e “fornece instrumentos ainda mais palpáveis para a formulação de políticas públicas direcionadas à demanda quilombola, no tocante à saúde, educação, assistência social e as muitas outras”.

“Esse feito é sintomático diante dos inúmeros processos históricos de negação e apagamento desse povo em nosso país, o que por tantas décadas foi completamente silenciado ante o Estado brasileiro”.
Jeovane Ferreira
Quilombola, antropólogo e doutorando em Antropologia Social pela Universidade Federal de Goiás

Jeovane Ferreira também aponta que, apesar das diferenças entre os territórios quilombolas, a necessidade de mapear as comunidades e criar documentos oficiais apresentando suas realidades “sempre foi uma pauta recorrente”. 

Levantamento estadual já evidenciava demanda

De acordo com ele, entre 2018 e 2019, a Comissão Estadual dos Quilombolas Rurais do Ceará (CEQUIRCE) em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA), a Comunidade Remanescente Quilombola de Porteiras  e demais comunidades quilombolas, e o Instituto Agropolos, realizaram um mapeamento de todas as comunidades que se autodeclaram como “remanescentes das comunidades de quilombos” no Ceará. 

população quilombola
Legenda: No Censo, seguindo as normativas adotadas no país, o critério para inclusão como população quilombola foi a autodeclaração.
Foto: Helene Santos/SVM

“Um dado importante apresentado neste mapeamento, para além da identificação das comunidades quilombolas que estão geograficamente situadas em quase todas as regiões do Ceará, está o agrupamento de informações relativas às potencialidades e dificuldades vivenciadas em diferentes aspectos desde habitação, comunicação, acesso à energia elétrica”. 
Jeovane Ferreira
Quilombola, antropólogo e doutorando em Antropologia Social pela Universidade Federal de Goiás

Sobre o processo de reconhecimento, demarcação e titulação dos territórios quilombolas, ele avalia que a lentidão no Ceará tem relação com a negação histórica enfrentada pela população negra e, em particular, pelo povo quilombola. 

“Sem a certificação que materializa o reconhecimento por parte do Estado brasileiro não há demarcação, titularização e muito menos políticas públicas específicas para essas comunidades”. 

Veja Detalhes População Quilombola

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