Vivências de uma geração de mulheres integram primeiro romance da cearense Vanessa Passos
Ambientado em Fortaleza, “A filha primitiva” ganha lançamento nesta segunda-feira (19) e concorrerá ao Prêmio Kindle de Literatura
Filha, mãe, avó. O limite entre “eu”, “ela” e todas as outras é profundo e complexo. A lacuna entre gerações, não sem motivo, mora no enigma. Aquilo que une por vezes é o que também separa. Os conflitos de quem veio, se não preenchidos pela emergência dos dias, resguardam fragmentos de quem já esteve lá atrás. É tudo coreografia e movimento, um passo depois outro na busca da própria identidade, nessas linhas que ora se tocam, ora se chocam.
Foi em 2017 que o turbilhão de emoções intrínseco aos laços de família atravessou, com maior força, a escritora Vanessa Passos. À época, a cearense conta ter ficado muito curiosa acerca do que envolve os traumas, violências e situações perpetuados numa mesma linhagem. “Daí surgiu o desejo de estudar sobre ancestralidade e maternidade. Naquele momento, senti que era uma ideia a ser trabalhada num romance, e não num conto”, diz.
Vingava “A filha primitiva”, primeira narrativa de teor longo assinada por Vanessa, cuja pena, até aqui, deteve-se a formas breves, a exemplo de contos e crônicas. O livro ganha lançamento nesta segunda-feira (19), às 19h, em live realizada pelo canal Litera Tamy, no YouTube. Na ocasião, Passos dividirá o momento com a crítica literária, pesquisadora e criadora de conteúdo Tamy Ghannam, idealizadora da plataforma.
Também nesse mesmo dia, a obra fica disponível para compra na Amazon e de forma gratuita no Kindle Unlimited, uma vez ter sido publicada no Kindle Direct Publishing – ferramenta de autopublicação da empresa. O processo abrirá as portas para que o romance seja inscrito no Prêmio Kindle de Literatura deste ano, concorrendo ao prêmio de R$ 50 mil e à consequente publicação da versão impressa pelo grupo editorial Record.
Dor e abandono
Em síntese, “A filha primitiva” conta a história de uma geração de mulheres, englobando avó, mãe e filha – a obra, inclusive, é dividida em três partes, contemplando essas personagens. Para além das questões de sangue, a narrativa, ambientada em Fortaleza, se interessa sobretudo naquilo que ilumina e obscurece o caminhar das mulheres, unidas pelo abandono e pela dor e separadas pela fé, o ceticismo e os segredos que carregam no íntimo.
Até chegar ao instante ideal de criação e desenvolvimento do enredo, Vanessa Passos passou um bom tempo amadurecendo a proposta temática e as personagens, pesquisando, sem pressa, diversos assuntos. “Cheguei a pensar em desistir do romance, mas a ideia me perseguia e não saía de mim”, confessa.
“Então, no início da pandemia, decidi me dedicar com maior afinco a ela e terminá-la. Passei a escrever um capítulo curto por dia até o término da primeira versão, ainda em 2020. Depois disso, passei um ano no processo de infinitas revisões e leituras críticas, que tiveram o olhar de grandes escritores e amigos queridos, como Paulo Scott, Sérgio Tavares, Carola Saavedra, Andrea Del Fuego e Tamy Ghannam”, detalha.
O encorpado painel de reflexões e análises fez com que o livro priorizasse, nas linhas e entrelinhas, o tema da maternidade, focando principalmente na difícil e intrincada relação entre mãe e filha: uma avó negra que esconde quem é o pai da filha; uma mãe branca que escreve para saber quem é e rejeita a maternidade; uma filha que recebe a raiva da mãe e já nasce sentindo a dor de ser mulher.
“Quanto à estrutura, priorizei a concisão: mostrar em vez de dizer, os diálogos, uma linguagem crua e realista que é capaz de chocar e emocionar leitores”, descreve a autora. Embora dividindo o posto de mulher com elas, Vanessa considera que foi desafiador entrar na pele das personagens, sorvendo tantas angústias e aflições – sobretudo porque a literatura é esse exercício primeiro e perene de empatia.
“Minha protagonista tem raiva da mãe, dos homens, do mundo e de si mesma. Para alguns, ela pode parecer odiável, mas eu entendo seus motivos e isso é lindo. Nós, escritoras, escrevemos também com o corpo e com a memória, e nossas vivências também estão ali, de algum modo, mesmo o texto não sendo autobiográfico”.
Assim, a escritora está presente no romance tanto no momento do parto normal, quanto na extrema dificuldade financeira que já vivenciou, além da desconfiança em relação à presença masculina. “Há um pouco de mim em tudo e, ao mesmo tempo, não há. É ficção, é história – não vivida, mas sentida em cada palavra escrita”, resume.
Tantas adversidades
Aprofundando a centralidade do assunto com o qual lida, “A filha primitiva” ainda tece muitas questões ligadas ao enredo principal: ancestralidade, violência contra a mulher, racismo estrutural, machismo, desigualdades sociais, fanatismo, religião. Imbricadas no texto, todos os pontos percorrem o extenso desfiladeiro de cada integrante da trama.
É um livro, segundo a autora, que precisa “ser lido e discutido, com personagens muito verossímeis, próximas à realidade”. Um romance sem concessões. “É preciso olhar a vida de uma ótica não romantizada, sobretudo as meninas, as mulheres, que cresceram ouvindo histórias de príncipe encantado e felizes para sempre”, defende Vanessa Passos.
Bandeiras também hasteadas por grandes nomes da literatura nacional contemporânea que já conferiram a história e participaram efetivamente dela. Giovana Madalosso, por exemplo, escreveu a apresentação do livro; Natalia Timerman, o posfácio; Carola Saavedra, Nara Vidal e Andrea Del Fuego leram e comentaram sobre a trama. Um respeitado mosaico que, conforme Passos, são todas referências literárias para ela.
No Ceará, por sua vez, Tércia Montenegro, Marília Lovatel, Kah Dantas e Socorro Acioli são as que despontam como os nomes que mais lhe atravessam. “Eu leio, releio e divulgo suas obras de forma intensa porque o mundo merece ler estas mulheres. Dessa minha militância, nasceu o Clube de Leitura Autoras Vivas, que eu organizo e faço a mediação. Ele tem exatamente esse objetivo. Meu lema é: ‘nós, escritoras, não precisamos morrer para sermos lidas’”.
Agora, Vanessa se prepara para estar em contato com novos leitores e leitoras a partir do romance. Igualmente, destaca a importância de inscrever a obra no Prêmio Kindle de Literatura – encarado pela escritora como uma iniciativa admirável, que já premiou figuras do calibre de Gisele Mirabai e Marília Arnaud.
“Meu romance é curto – assim como minha literatura, para mim menos é mais – e o prêmio não limita um número mínimo de páginas. Estou com boas expectativas, porque ganhar é dar o meu melhor, e isso tenho certeza de que estou fazendo. Será muito importante a leitura e avaliação na Amazon das leitoras e leitores. Espero que gostem”, torce.
Serviço
Lançamento do livro “A filha primitiva”, de Vanessa Passos
Nesta segunda-feira (19), às 19h, no canal Litera Tamy, no YouTube
A filha primitiva
Vanessa Passos
Independente
2021, 87 páginas
R$ 17,90 (disponível em ebook Kindle, na Amazon) e gratuitamente, no Kindle Unlimited