Professora Regina Barbosa é homenageada com o Troféu Sereia de Ouro 2023

O ministro Camilo Santana, o cantor e compositor Ednardo e o empresário José Roberto Nogueira também recebem a comenda do Sistema Verdes Mares, na sexta-feira (22), no Theatro José de Alencar

Escrito por Redação ,
Legenda: A professora Regina Barbosa é fundadora da Casa de Vovó Dedé, instituição sem fins lucrativos atuante em Fortaleza desde 1993, que forma músicos e incentiva o desenvolvimento artístico
Foto: Ismael Soares

Semear a esperança de uma sociedade mais justa. Materializar sonhos e transformar os destinos de crianças e jovens expostos a riscos e vulnerabilidade social. Ao abraçar a irrestrita dedicação em cuidar e educar, Regina Marta Albuquerque Barbosa tornou-se sinônimo de amor para inúmeros cearenses.  

À frente da Casa de Vovó Dedé, instituição sem fins lucrativos atuante na Barra do Ceará, esta maranhense tem o altruísmo como missão de vida. Fundado em 1993, o lugar traduz os esforços dela e a coragem e visão do falecido marido, o administrador, comunicador e benfeitor cearense Mansueto Barbosa (1938-2002).   

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Mantida integralmente pela família, a iniciativa surgiu como colégio voluntário, voltado a amparar crianças sem acesso a uma sala de aula. Com a partida do idealizador, a professora Regina Barbosa revolucionou o compromisso social da Casa ao instituir o ensino gratuito de música.  

Em três décadas, o foco no desenvolvimento humano e profissional auxiliou mais de 30 mil pessoas. Sob a regência da mestra, outras artes e conteúdos foram integrados ao programa da escola, como idiomas, audiovisual, comunicação, empreendedorismo e tecnologia. Regina Barbosa crê no altruísmo como missão de vida. 

Prodígio musical 

Nascida em São Luís (MA), no 1 de março de 1944, Regina chegou a Fortaleza ainda criança. A musicalidade foi um dos traços mais proeminentes naquela menina observadora. Uma lembrança marcante na infância, descreve, era acompanhar o irmão estudando o acordeom.  

"Quando ele começava, ficava encantada. Puxava uma cadeira e observava tudo. Eu pedia para tocar. Ele não deixava. Falava que eu era muito pequena, não ia dar certo. Ele fechava o instrumento e colocava a chave num ponto bem alto da parede, onde eu não alcançava”, rememora. 

Um dia, aproveitando a saída do familiar, Regina procurou a mãe e pediu uma oportunidade de conhecer o instrumento. Queria apenas ter a experiência. Porém, a pequena, que desconhecia por completo qualquer nota musical, surpreendeu a todos.

Legenda: Depois dos estudos no Conservatório de Música Alberto Nepomuceno, Regina Barbosa se dedicou a transmitir saberes de forma muito particular aos alunos da Casa de Vovó Dedé
Foto: Isamel Soares

“Me arrumei toda, coloquei o acordeom e toquei tudo que ele fazia. Isso nunca saiu da minha memória”. Diante daquele caso raro, os pais decidiram matriculá-la no Conservatório de Música Alberto Nepomuceno. Tinha sete anos e prosseguiu os estudos na área.  

Regina lembra de ser uma jovem muito silenciosa, mas com a cabeça imersa em muitas reflexões e pensamentos. Cogitou estudar filosofia, mas sua ferramenta de compreensão do mundo envolvia melodias, notas e partituras. “Achei que minha vida tinha um propósito, que tinha vindo a este mundo para realizar tarefas”. 

Presente à humanidade 

Aos 17, casou-se com Mansueto Barbosa e tiveram quatro filhos. Cuidar da família passou a ser o propósito da professora de piano. A prole lhes deu sete netos e três bisnetos. Toda uma cativante história familiar escrita com dedicação e carinho.

Movida por desafios, Regina Barbosa idealizava um futuro no qual podia retribuir todo o conhecimento que dispunha.  "Se algum dia eu fizer algum trabalho com música. Vou pagar para trabalhar. Não aceitarei nada. É o meu presente à humanidade. Desde pequena eu dizia que devemos fazer algo para aliviar o sofrimento das pessoas".

Para alegria de muitas crianças, este sentimento de partilha e caridade materializou-se. Guiados pelo dever humanitário, Mansueto e Regina Barbosa efetivam a criação da Escola de Vovó Dedé. Arte, cultura e educação para crianças e jovens, entre seis e 29 anos, passa a ser uma alternativa real na periferia de Fortaleza. 

Antes de ir, ele me pediu: 'Não chore. Você fará um trabalho aqui. Tenho tantos planos para essa casa'. E passou a chave para mim. Com dois dias que ele partiu, eu já estava trazendo meu piano para cá. Queria ajudar as crianças. Construir uma coisa que continuasse o trabalho de Mansueto. O Pedido dele foi uma coisa sagrada”
Regina Barbosa
Professora e fundadora da Casa de Vovó Dedé

Diretor Executivo da Escola de Vovó Dedé, Wagner Barbosa divide o quanto a mãe despertou nos filhos a empatia com o próximo. Este bem querer é fruto de características norteadoras. “De ser muito simples, transparente e verdadeira. Falar sempre a verdade. Isso foi muito importante”, descreve. 

No momento em que a Casa foi criada, contextualiza o gestor, o número de escolas na região era insuficiente para atender as demandas das crianças. "Muitas ficavam sem estudar. Passava o ano, não conseguiam vaga. Precisavam de uma escola formal e isso acabou sendo feito”, explica Wagner Barbosa.  

Em 2002, passados 10 anos dessa primeira fase do projeto, o cenário havia mudado. “A inspiração de mamãe em transformar em escola de música veio atender uma necessidade urgente naquele momento. Tirar a criança da rua para arte. A música era algo que encantava e atraia crianças e jovens".  

Wagner recorda as palavras do pai como missão "'Essa Casa não é nossa, é de quem a procura', de dizia. Então, se batem naquela porta, entram, vá atender. Ajude. Pois, se está vindo, é por estar precisando de ajuda. Tem que acolher, encantar”, completa Wagner Barbosa. 

Didática única 

A dedicação de Regina atravessa a histórias da comunidade atendida por sua filantropia. Realidades modificadas pelo amor, tão precioso à determinação em partilhar conhecimento. É o exemplo da pianista Tielle Martins. A musicista capacitou-se na Casa de Vovô Dedé e hoje amplia estes ensinamentos cursando bacharelado em piano pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

A pesquisa acadêmica realizada pela discente investiga e registra o método de ensino, considerado único, desenvolvido pela professora Regina. “Tia Regina fez tudo na minha vida. Não só na formação musical pianística. Ela deu conselhos de vida durante as aulas e fora das aulas. Perguntava como eu estava", detalha.

Tielle explica como o contexto social do bairro, marcado por violência, atrapalha o desenvolvimento escolar dos joevens. O cuidado praticado por Regina Barbosa consegue ultrapassar este cotidiano desigual. "Ela tem a preocupação para além do professor e isso cria uma conexão muito grande. Sinceramente, não vi ou tive em lugar nenhum essa conexão".

Legenda: A didática da professora Regina Barbosa é tema de pesquisa no curso de música da Universidade Estadual do Ceará, fruto do trabalho da ex-aluna Tielle Martins
Foto: Ismael Soares

A pesquisadora agradece a oportunidade conquistada na Casa de Vovó Dedé. Estudar e refletir acerca do método aplicado por Regina é um desafio envolto em orgulho. "Ela dá o que tem. Amor e confiança em nós e nossos estudos. O trabalho dela é individualizado. Um programa focado no aluno", descreve a estudiosa.  

Pai de Tielle, Perpétuo Farias emociona-se ao contar a jornada da família até aqui transformada pela arte e educação. No interior do Estado, ainda criança, começou a lida árdua na agricultura. Chegou a Fortaleza em 1979 para trabalhar como servente de pedreiro. Foram 45 anos ininterruptos de luta como operário. É de onde tirou o sustento dos oito filhos.  

Quando Tielle participa de concertos, Perpétuo confessa ir a um local reservado na plateia para conter as lágrimas. “O pai nas minhas condições financeiras, ter uma filha tocando uma coisa de rico? Pobre não tem condições de comprar um piano e vejo a menina lá, se apresentando. Nunca imaginei e nem sonhava. Mas é real”. 

Mãe de muitos

O pianista Melquizedeque Pereira Silva é outro talento surgido pelos caminhos de Regina Barbosa. “Fui um jovem muito retraído, fechado, mas sempre gostei muito de artes e sobretudo de música”, detalha.

Em busca deste sonho, chegou a realizar um curso básico de teclado, pago pela família. Mesmo com a experiência, não deu prosseguimento aos estudos na área e ficou dois anos parado. A sonhada formação musical parecia distante no horizonte.

Aos 13, outra perspectiva reacendeu. Foi quando ele conheceu, por meio de uma ex-aluna, o trabalho desenvolvido na Casa de Vovó Dedé. Melque, como é carinhosamente conhecido na Casa, tornou-se um dos alunos de Regina e foi aprimorando as habilidades no piano.

Legenda: O pianista Melquizedeque Pereira Silva foi aluno de Regina Barbosa e acolhido pela mestra como filho
Foto: Ismael Soares

Nestes anos, um episódio o marcou profundamente. Aos 18, lembra, a relação de afeto e cuidado conquistados no lugar ultrapassou a sala de aula. A força de Tia Regina foi porto seguro diante de um delicado caso pessoal.

"Minha mãe faleceu logo no começo da pandemia. Nesse momento tão instável, no qual ninguém sabia o que ia acontecer ou o que era aquele vírus, só sabíamos que matavam idosos, ela me chamou para ir morar com ela. Fui dividir parte da vida com ela por um tempo até as coisas melhorarem. Eu ia ficar sem ninguém", puxa de recente memória.  

Em meio ao luto e o difícil contexto pandêmico, o jovem foi acolhido e encontrou amparo. "Tia Regina é uma das pessoas mais caridosas que encontrei de bondade e amor. E, para mim, ela tem a figura de uma mãe. É muito simbólico, pois minha mãe falece e de repente tem outra pessoa que me acolhe e trata como a um filho. Isso não tem preço". 

A trajetória escrita diariamente pela mestra, pontua, é um estímulo sem igual ao futuro. “Tia Regina inspira, não pelo que ela fala exatamente, mas pelo que ela faz. Ela demonstra ser o que fala e demonstra ser o que é. É muito trabalhadora e isso realmente é uma coisa que não tem como deixar de inspirar”, completa Melquizedeque Pereira.  

Recepção do prêmio

Ser agraciada com a 51ª edição do Troféu Sereia de Ouro despertou toda uma comovente retrospectiva, argumenta a professora Regina Barbosa. O reconhecimento confunde-se com a relevância e dedicação construídas nos 30 anos de história da Casa de Vovó Dedé.

Um sonho acalentado por duas almas gêmeas. Hoje, uma referência de inclusão e justiça social. O reconhecimento com a comenda só motiva ainda mais a esta mãe de muitos filhos. 

"Receberei com muito carinho. Pelo Mansueto, pelos filhos, pela família e pela Casa. Por todos que trabalharam no primeiro momento da Casa e muitos já partiram. Pelos que estão agora fazendo e por quem continuará. Colocarei o prêmio em um lugar bem especial para lembrarem. Para quem olhar o Sereia de Ouro poder ver trabalho, trabalho e trabalho. Amor, amor e amor".   

A Comenda

Criado em 1971 pelo chanceler Edson Queiroz e dona Yolanda Queiroz, o Troféu Sereia de Ouro é uma das mais tradicionais comendas do Ceará. Procura homenagear personalidades que se destacaram em diferentes setores de atuação, contribuindo para o desenvolvimento do Estado.

É concedido anualmente pelo Sistema Verdes Mares, integrante do Grupo Edson Queiroz, em solenidade realizada no Theatro José de Alencar. A honraria já foi entregue a centenas de nomes, brilhantes em atividades públicas e privadas, e que seguem inspirando gerações.

 

 

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