Cantor Ednardo é homenageado com o Troféu Sereia de Ouro 2023

O ministro Camilo Santana, a professora e filantropa Regina Barbosa e o empresário José Roberto Nogueira também recebem a comenda do Sistema Verdes Mares, na sexta-feira (22), no Theatro José de Alencar

Escrito por Redação ,
Referência na Música Popular Brasileira, Ednardo consolidou-se como um artista capaz de explorar diferentes linguagens artísticas e evidenciar a cultura do Ceará
Legenda: Referência na Música Popular Brasileira, Ednardo consolidou-se como um artista capaz de explorar diferentes linguagens artísticas e evidenciar a cultura do Ceará
Foto: Thiago Gadelha

Voz destemida, cujo norte orientou-se em cantar as origens com exímia sensibilidade e domínio. Conectar futuros, desbravar fronteiras e ser inspiração contínua. Acreditar no coletivo, no humanitário e na liberdade de ser múltiplo artisticamente. Ednardo eterniza em arte os sabores, saberes e cores do Ceará.

Defensor deste valores e predicados, escreve trajetória singular entre os maiores nomes da Música Popular Brasileira. Em meio século de carreira assinou ícones como ”Ingazeiras”,  “Beira Mar”, "Longarinas", “Enquanto Engoma a Calça”, "Pavão Mysteriozo" e “Terral”, considerado um hino do Estado.

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O talento musical, despertado na infância, anunciava o menino envolto entre o erudito e o cancioneiro local. Escolheu traduzir as raízes. Pouco temeu espanto da morte ou ronco de trovão ao ganhar os palcos do Brasil. É cantor, compositor, produtor, cineasta, artista plástico, poeta, engenheiro químico. É também o pai e irmão amoroso.

Espelho a inúmeras gerações, a poesia de Ednardo ultrapassou as dunas brancas. Uma vasta produção criativa com mais de 400 composições e parcerias inesquecíveis. Todo um universo estético e sonoro concretizado em discos de estúdio, trilhas musicais para teatro, cinema e TV. 

Referências existenciais

Nascido em Fortaleza, no 17 de abril de 1945, José Ednardo Soares Costa Sousa encontrou a música inicialmente com o piano. A juventude repleta de arte foi fruto do incentivo dado pelos pais, os professores Oscar Costa de Sousa e Maria Ester Soares Costa Sousa. 

Entre as memórias que lhe marcaram no período, consta o momento no qual conheceu o Estoril na companhia dos familiares. Daquele prédio histórico da Capital, testemunhou o Carnaval do Cordão das Coca Colas e vislumbrava longe as luzes que cortavam o mar de Iracema. "Ficava olhando o farol do Mucuripe aceso. Iluminava, avisava aos navegantes que ali era perigoso. É a lembrança mais antiga que tenho do Estoril".

Repleto de memórias, Estoril marcou a infância os encontros do Pessoal do Ceará
Legenda: Repleto de memórias, Estoril marcou a infância e os encontros do "Pessoal do Ceará"
Foto: Thiago Gadelha

Dos estudos ao piano seguiu-se o desejo de criar as próprias músicas com o violão. Em paralelo coexistia o estudante universitário e Ednardo graduou-se em Engenharia Química pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Chegou a trabalhar em fábrica da Petrobrás, mas os palcos eram o destino no horizonte. 

"Fiz várias músicas para minha terra Ceará, Fortaleza. Meu referencial, minhas coordenadas existenciais. São essas aí em que eu passo, daí que eu me identifico.  É daí que tento levar a todo resto do País, Brasil. E também de um mundo daquilo que eu sou, aquilo que minhas músicas representam. Isso inclui minha terra".

No final dos anos 1960, o caráter bravio e criativo alinha-se com outras mentes criativas da cidade. Este cenário efervescente era nutrido no movimento estudantil, absorvia a atmosfera dos festivais de música que aconteciam naquele período. O Brasil estava prestes a conhecer o "Pessoal do Ceará".

O Pessoal pede passagem 

“Não sei quem sou. Sou uma incógnita para mim. Meu trabalho é me traduzir. E como eu procuro isso? Pela minha vivência na minha cidade. De meu referencial musical, cultural, artístico e vivencial vou me encontrando, me vendo aos poucos", afirma o agraciado. 

Esta inquietude o acompanha desde os primeiros dias de estrada musical. Tal sentimento reverberava os anseios de conterrâneos. Naquele Brasil mergulhado no regime ditatorial desde 1964, um grupo de artistas e intelectuais cearenses pensavam e idealizavam uma outra realidade social e cultural. "Costumo dizer que o Estoril é cheio das impressões digitais da gente, sabe. A turma pode pintar, repintar, nossas mãos estão aí. Toda noite estávamos aqui", resgata. 

Dois marcos na discografia de Ednardo e da MPB, os álbuns Massafeira Livre
Legenda: Dois marcos na discografia de Ednardo e da MPB, os álbuns Massafeira Livre" (1980) e "Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto Na Viagem - Pessoal do Ceará" (1973)
Foto: Thiago Gadelha

Além de Ednardo, o grupo reunia, dentre outros prodígios, nomes como Belchior (1946-2017), Rodger Rogério, Teti, Fagner, Amelinha, Fausto Nilo, Augusto Pontes (1935-2009), Tânia Cabral e Ricardo Bezerra. Alguns marcos anunciavam a arte deste grupo. Em 1968, acontece o festival realizado no DCE (Diretório Central dos Estudantes). Outra novidade foi o lançamento do disco "I Festival de Música Popular Aqui" (1969).

Rodger Rogério situa o clima inventivo vivido na Capital. "A primeira pessoa que me falou de Ednardo foi Augusto Pontes. Perguntou se eu conhecia um rapaz da química que ele tinha visto no festival, tocando, cantando. Fiquei interessado em saber quem era. Logo nos encontramos. Fortaleza era muito pequena na época. Logo ficamos amigo de todo mundo", situa. 

Irrompe a década 1970. No anseio de levar sua música a um público maior, alguns destes artistas deixam o Ceará. Ednardo migra para São Paulo e junto de Teti e Rodger Rogério participa do programa "Panorama", da TV Cultura. A experiência projeta o trio que lança, em 1973, o antológico disco "Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto Na Viagem - Pessoal Do Ceará".  

Cantar o Ceará 

Em 1974, Ednardo grava o primeiro registro solo. “O Romance do Pavão Mysteriozo”, repleto de sucessos como "Carneiro", "Dorothy Lamour" e "Desembarque".  Dois anos depois do lançamento, uma cria do álbum afiirma o cearense entre os grandes das artes no País. A canção "Pavão Mysteriozo" foi escolhida pela Rede Globo como tema de abertura da novela "Saramandaia", escrita por Dias Gomes (1922-1976).

Seguiram-se os discos "Berro" (1976), "O Azul e o Encarnado" (1977) e "Cauim" (1978). Esse último integra a trilha sonora do filme homônimo produzido, dirigido e roteirizado pelo cearense. Filmado em Fortaleza, a obra une documentário e ficção para abordar a riqueza do Maracatu Cearense.  

Mesmo com a rotina tão intensa de trabalho do pai, Joana Limaverde descreve o quanto Ednardo é presente e carinhoso. "Para mim sempre foi muito natural crescermos sabendo que ele é muito assediado, que as pessoas gostam muito dele, que ficam muito emocionadas quando se aproximam dele. Mas, para nós sempre foi o papai", salienta.

Atriz, diretora e produtora, Limaverde aponta o quanto Ednardo tornou-se um influência em sua jornada. Além da visão humanitária, contribuiu também a premissa irretocável deste realizador em cantar suas origens.

Em 50 anos decarreira, Ednardo explorou a poesia por meio da música, artes plásticas, cinema, dentre outras linguagens artísticas
Legenda: Em 50 anos de carreira, Ednardo explorou a poesia por meio da música, artes plásticas, cinema, dentre outras linguagens artísticas
Foto: Thiago Gadelha

"Uma coisa que eu percebo na obra dele e todo mundo fala é dele ser quem mais canta o Ceará. Toda a música dele. Nem preciso dizer o quanto 'Terral' é o hino do Ceará. É fato. 'Beira Mar', 'Longarinas', 'Artigo 26', 'Enquanto Engomo a Calça' falam das paisagens cearenses, do jeito de ser, falar e sentir. Mais do que essa coisa do regionalismo, que na verdade nem é, pois ele sempre misturou com o rock, com o cordel. Sempre colocou o que estava de mais moderno da época nas suas músicas, na forma de produzir canções", defende. 

Segundo o pesquisador Pedro Rogério, Ednardo guarda ligação única com a formação do Estado. "Essa visão que ele tem da cultura cearense, dos ritmos, mas também da história, quando ele remete, por exemplo, à Padaria Espiritual, que é o precursor da Semana de Arte Moderna. O primeiro modernismo que nós tivemos no Brasil foi no Ceará. Foi com a Padaria Espiritual e ele percebeu isso de uma maneira brilhante e transformou ainda mais brilhantemente em música. 

Referência cultural

A trajetória de Ednardo adentrou a realização do Massafeira Livre. Realizado em 1979, no Theatro José de Alencar, a iniciativa celebrou a produção criativa cearense em diversas linguagens artísticas. Fortaleza viveu uma semana de arte contemporânea com música, literatura, artes plásticas. “Som, imagem, movimento, gente”, como explicava o cartaz do evento.

“Massafeira” se transformou em álbum duplo, lançado pela CBS, em 1980. "Uma coisa absurdamente grandiosa, maravilhosa. Você não sabia o que era palco nem plateia. Tudo lotado. Não cabia e o pessoal subiu no palco. Ficava espaço para uma ou duas pessoas tocarem. Foi muito emocionante e belo vivenciar, viver e ser testemunha de um movimento cultural que iniciou com o 'Pessoal do Ceará', continuou com Massafeira e depois foi vindo", pontua.

No correr das décadas, lançou os registros "Ednardo" (1979), "Ímã" (1980), "Terra da Luz (1982), "Ednardo (1983), "Libertree" (1985) e "Única Pessoa (2000).  Compôs a trilha sonora do filme "Luzia homem" (1988), de Fábio Barreto. Na produção, atua no papel de um poeta de cordel. A dedicação à sétima arte voltou nos temas criados para "Tigipió" (1985) e "Calor da pele" (1994).

No Theatro José de Alencar, Ednardo reencontra o palco que imortalizou o Movimento Massafeira
Legenda: No Theatro José de Alencar, Ednardo reencontra o palco que imortalizou o Movimento Massafeira
Foto: Thiago Gadelha

Toda esta produção, capaz de transitar por diferentes expressões culturais, confirmam a característica de um criador múltiplo. "Comecei a fazer música por causa do cinema. Assistia um filme, chegava em casa, pegava o piano e repetia a trilha musical da obra. Guardava tudo aquilo e levava ao piano. Digo até que o cinema impulsionou minha música de tal maneira que ela ganhou um aspecto cinematográfico. Nas letras e palavras procuro usar essa dinâmica de imagens em movimento, contar histórias que se você fechar os olhos, vê um filme. Várias músicas minhas tem essa característica". 

Para Rodger Rogério, a premiação com o Sereia de Ouro ilumina os feitos do parceiro. "O que ele fez pela música do Ceará, pela cultura de uma maneira geral. Ele se aventura na nas artes plásticas, aventura no cinema. O que é muito bom. Essa coisa que ele cultivou de estar sempre falando de eventos do Ceará, de monumentos. Desde o Forte à Confederação do Equador. É forte na música dele essa presença do Ceará".

"Acho de fundamental importância esse momento da Sereia de Ouro ser destinada a um cantor, compositor e intelectual da estatura de Ednardo. Para reconhecer nossa cultura, precisamos conhecer. Então, o Sistema Verdes Mares faz esse papel. É como se fosse um espelho da melhor qualidade", completa o pesquisador e escritor Pedro Rogério. 

Recepção do prêmio

Ednardo afirma que o Troféu Sereia de Ouro reconhece a dedicação ininterrupta dele à arte. "É uma espécie de um caleidoscópio de fatos que se interligam e se comunicam. Que deve ter um sentido abrangente em relação ao meu trabalho artístico, minha arte e eu fico realmente achando que tem a ver com uma etapa, pois quero viver outras. Chegando perto dos 80, mas não estou fechando para balanço.  Enquanto Deus me der voz e capacidade de criar, estarei mexendo com música, artes plásticas, desenhos, shows", compartilha.

A comenda, assume, também ilumina todas as pessoas que fazem parte desta caminhada.

"Qualquer artista deseja isso. Quer o reconhecimento do público, dos meios em comunicação, dos meios que movimentam a arte. Isso é muito agradável e me deixa feliz. Me deixa com a certeza de que o resultado chega às pessoas. Ao ter esse reconhecimento, vislumbro quem está do outro lado de lá das câmeras, das audições dos discos, do espectador que assiste o show e canta nossas músicas. É maravilhoso. Não tem preço". 

A Comenda

Criado em 1971 pelo chanceler Edson Queiroz e dona Yolanda Queiroz, o Troféu Sereia de Ouro é uma das mais tradicionais comendas do Ceará. Procura homenagear personalidades que se destacaram em diferentes setores de atuação, contribuindo para o desenvolvimento do Estado.

É concedido anualmente pelo Sistema Verdes Mares, integrante do Grupo Edson Queiroz, em solenidade realizada no Theatro José de Alencar. A honraria já foi entregue a centenas de nomes, brilhantes em atividades públicas e privadas, e que seguem inspirando gerações.

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