O boho não era para ser chic
O boho chic está na moda (mais uma vez), é hora da camurça, das franjas, dos trabalhos manuais e tecidos fluidos. A questão é que o boho nunca fez questão de ser chic.
Ele tá aí de novo fazendo o maior sucesso: o estilo boho. Temos aí nas passarelas e nas vitrines um sem fim de tecidos fluidos, franjas, camurça, pedras naturais e mais um monte de coisa que chamam de boho “chic”, mas o que falar desse estilo que, em sua essência, sempre fez questão de negar o estilo de vida burguês?
Abreviação de “bohemian”, esse estilo nasceu como uma expressão visual de liberdade. Se inspirou na vida artística e despreocupada dos boêmios do século XIX e foi muito influenciado pelo movimento hippie dos anos 1960 e 1970, o boho misturava referências étnicas, peças artesanais, roupas largas, tecidos naturais e um certo ar de “não tô nem aí” para regras da moda. Era um jeito de vestir que refletia uma visão de mundo: questionadora, alternativa, descolada das pressões do consumo e da estética padrão.
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O tempo passou e o boho foi parar nas vitrines das grandes marcas, e acabou sendo repaginado (ou descaracterizado?). Virou “boho chic”, com peças caríssimas vendidas como se fossem acessíveis, enquanto sua proposta original de liberdade e mistura cultural foi sendo deixada de lado.
Aos poucos, o estilo foi perdendo seu tom contestador e passou a funcionar quase como uniforme de um certo estilo de vida elitizado e padronizado. A espontaneidade virou fórmula e a mistura virou curadoria: um clean girl do movimento hippie.
Mais recentemente, o boho tem sido usado até como ferramenta estética por movimentos conservadores (o que é, no mínimo, curioso, para não dizer contraditório).
A estética da vida simples no campo, da mulher “natural”, da tradição, da família e da feminilidade delicada começou a ser promovida por influenciadoras e grupos que, por trás dessa imagem leve e bucólica, carregam discursos extremamente moralistas, conservadores e autoritários. Um uso estético que flerta com ideias fascistas, camufladas de romantismo rural e “vida saudável”.
Esse boho atual, que é limpo, branco e heteronormativo, está bem distante de sua raiz libertária e multicultural.
Mais uma vez a moda mostra seu poder e influência: o que parece só roupa ou decoração, pode ser também uma forma de passar ideias e sustentar ideologias.
Por isso, o boho chic já nasceu da elite e para a elite, pois em nada se parece com a raiz do estilo. E daí precisamos continuar atentos e fortes: até o visual mais despojado pode carregar uma mensagem — e nem sempre ela é tão inofensiva quanto parece.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora