Empresário José Roberto Nogueira é homenageado com o Troféu Sereia de Ouro 2023
A professora e filantropa Regina Barbosa, o ministro Camilo Santana e o cantor e compositor Ednardo também recebem a comenda do Sistema Verdes Mares, na sexta-feira (22), no Theatro José de Alencar
Se quer entender a vocação de José Roberto Nogueira, repare no quadro que está no escritório dele. Na tela, um jovem magrinho – regata, bermuda e chinelo de dedo – está em frente à mercearia do irmão, pés no solo batido de areia. Ele posa para o retrato numa bicicleta diferente, com hélice na parte frontal. A engenhoca proporciona ao usuário uma capacidade quase cinematográfica: transitar sem precisar pedalar.
“Fiz isso sem ferramentas. Só na marreta, na talhadeira. Desenvolvi todos os detalhes da hélice e da estrutura de madeira numa chapa, combinando com um motor velho”, descreve o idealizador após décadas do feito. Esse espírito revolucionário e atento a transformar a realidade segue com ele até hoje e explica o alcance de uma atuação disposta a desenvolver o Ceará e o Brasil sem perder de vista a força das raízes.
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José Roberto Nogueira é fundador e presidente da Brisanet, principal provedor de internet do Nordeste, detentor da melhor avaliação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em pesquisas de satisfação. Até chegar a esse patamar, a empresa – cuja história se confunde com a do próprio dono – bebeu de muito esforço, estudo e talento visando oferecer um serviço de excelência e alterar o panorama de uma cidade, com visão e empreendedorismo.
Tudo começa em Lagoa Nova, zona rural de Pereiro, município do interior cearense, distante 338 quilômetros de Fortaleza. Nesse lugar onde nasceu, cresceu e ainda vive, José Roberto trabalhou na roça junto aos pais e irmãos desde os cinco anos de idade. Somente aos 10 aprendeu a ler, caminhando quilômetros até a escola. “Naquela época, a agricultura gerava o equivalente hoje a R$1 mil, R$2 mil por ano. Poucas famílias levavam os filhos pra estudar”.
Apesar do aprendizado tardio, um acontecimento despertou o menino, aos 13 anos, para aquilo que traria uma nova perspectiva de vida: viu um rádio pela primeira vez. A curiosidade em saber como funcionava aquele aparelho que emitia sons com aparente simplicidade fez-lhe decidir aprofundar saberes no que depois entendeu como Eletrônica. “Foi ali que tive o estalo, o que me levou, aos 15 anos, a de fato estudar a área”.
Um ano depois, em 1981, a energia elétrica chegava à região e otimizou dois grandes passos: a compra de uma bicicleta usada – que depois se transformaria na engenhoca com hélice – e a chegada de uma televisão em preto e branco na casa da família, na qual José Roberto assistiu ao documentário “Cosmos”, do cientista Carl Sagan. Mais um motivo para intensificar o desejo de ingressar na ciência. O mais novo de 11 filhos concretizava a coragem de ir além.
Paixão por inovar
Foi também por meio da TV que o empresário determinou ser São Paulo o destino concreto para se profissionalizar na área. À época, a cidade de São José dos Campos era apontada nos noticiários como o grande polo da tecnologia nacional, e José Roberto não perdeu tempo em traçar como meta: haveria de ir para lá e trabalhar na Embraer, empresa fabricante de aviões. Vendeu a bicicleta com hélice para pagar a viagem de ônibus, e conseguiu. Tinha 21 anos.
Antes de precisamente atuar no setor, contudo, passou a vender equipamentos eletrônicos para os colegas e começou a ser procurado por gente interessada em computadores – algo que ele também começou a oferecer. O bico deu tão certo que virou um negócio formal. Em 1989, o cearense abriu uma loja de PCs com serviço de manutenção. Depois, passou a desenvolver antenas parabólicas e máquinas para fabricá-las.
“Desisti do curso de piloto para investir numa atividade que possibilitasse meu retorno a Pereiro. Mas continuei na Embraer porque ela estava financiando qualquer atividade inicial com um pouco de investimento”. Em 1997, pouco tempo depois do início da internet comercial no Brasil, José Roberto pegou placas de rádio e as instalou nas antenas que fabricava para o sistema de televisão.
Dessa forma, era possível transmitir o sinal de internet a longas distâncias. Foi assim que decidiu usar a tecnologia para levar conexão à rede para Pereiro, finalmente estabelecendo a Brisanet. A empresa surgiu com a intenção de oferecer conexão de alta velocidade a preços acessíveis e para localidades que, naturalmente, não possuiriam conexão. Esse, por sinal, é o grande trunfo da casa: levar internet a residências de baixa renda, mesmo em áreas rurais.
“A Brisanet tem esse DNA do mundo rural até hoje porque começamos na área rural, dominamos bem essa tecnologia em cidades pequenas, e seguimos sendo referência nesse universo. Fomos os pioneiros, nos antecipando bem em relação à evolução natural da tecnologia que chegou quatro anos depois. Estava cumprindo o objetivo que tracei desde o início: ir para São Paulo e voltar com tecnologia para desenvolver a região”.
Aprender, ensinar e progredir
Desenvolvimento sem precedentes. A Brisanet tem essencial importância para a economia de Pereiro, onde funciona a sede, sobretudo no que toca à geração de empregos. Grande parte dos graduados em cursos técnicos da região trabalham na casa, atraindo olhares de pessoas de todo o Brasil. Para se ter uma ideia, 95% dos funcionários tiveram ali a primeira oportunidade profissional, e muitos continuam até hoje.
A empresa hoje está em todo o Nordeste – cobrindo praticamente todas as capitais – e é a maior corporação genuinamente nacional do ramo de telecomunicações. Nenhuma companhia chegou, por exemplo, a 200 mil clientes orgânicos em fibra óptica, conforme aponta José Roberto. Além disso, já ultrapassou 1 milhão e 200 mil usuários, feito que, a cada dia, se converte em maior reconhecimento e aderência.
Impressiona principalmente a realidade na qual está inserida: distante da Capital, em uma cidade com seis mil habitantes na zona urbana e 10 mil na zona rural; localizada no interstício entre três Estados – Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba; e composta, ao longo de 25 anos, sobretudo por trabalhadores locais, treinados ano após ano. “Ou seja, é alguém que já sabe repassando conhecimento para quem ainda não sabe”, destaca o presidente.
Outro impacto proporcionado pela Brisanet diz respeito à inspiração: milhares de pequenos empreendedores sempre tiveram a corporação como referência tecnológica. Foram acompanhando – um pouco atrás, mas acompanhando – todo o movimento da empresa. Como quando, em 2011, ela construiu a primeira cidade com uma infraestrutura de fibra óptica disponível na frente de todas as casas, cinco anos antes de qualquer companhia.
“Hoje, com a existência de milhares de provedores, o Brasil é um dos países mais bem conectados do mundo, superando Estados Unidos e Europa. No segmento de telecomunicação, estamos na frente. Aqui em volta da Brisanet, a cerca de um quilômetro, não perdemos para nenhum país de primeiro mundo em conectividade”, celebra José Roberto. “A Brisanet impactou no Brasil o equivalente a sete, oito anos, trazendo o futuro para agora”.
E continua a crescer: em 2021, a empresa estreou na bolsa de valores nacional, projetando, para este mês de setembro, o início da oferta da banda larga fixa sem fio baseada no 5G, rede de quinta geração. “Meu desafio é: como transformar um problema em negócio? E esse desafio sempre será permanente. Encarar um entrave e resolvê-lo com sustentabilidade”.
Gostar dos amigos, cuidar da terra
Para pessoas próximas, o vigor de José Roberto na condução das atividades é sinônimo de dedicação infinita e verdadeiro gosto pelo evoluir. Gerente de infraestrutura civil da Brisanet, França Reis é um companheiro antigo, primeiro funcionário da empresa. Foi aluno de Nogueira quando ele retornou de São Paulo e abriu uma escola de informática em Pau dos Ferros, cidade do Rio Grande do Norte, divisa com Pereiro, visando formar novas pessoas para o trabalho no empreendimento futuro.
“Ele sempre foi visionário, de enxergar aquilo que dificilmente as pessoas acreditariam. Lembro que, quando começamos a fazer os primeiros testes aqui, muitas pessoas duvidavam. Diziam, ‘Roberto, não faz sentido isso, você está louco’. E ele acreditou. Não foi fácil no início, houve todos os desafios, mas sempre falava que ia dar certo. Não duvidei, fui um dos que sempre acreditaram”, divide o hoje sócio.
O apreço por apostar na juventude é outra característica a ser destacada na personalidade do empresário. Não à toa, a quantidade expressiva de jovens trabalhando na Brisanet e a constante abertura para o ingresso de novos colaboradores. Gente que enxerga, na casa, uma maneira de permanecer no lugar de origem sabendo que ali encontrará conforto e perspectiva de crescimento. Razões para ficar, assim como acontece com José Roberto.
Por sinal, tem outro motivo importante nisso de continuar em Pereiro, sem arredar pé: o hobby do cearense pela agricultura. Embora tenha enveredado pela tecnologia, Nogueira nunca tirou os olhos do trabalho no campo – a ponto de, mesmo nos momentos de descanso, pensar em soluções viáveis para otimizar a vida de pequenos e médios agricultores, tão sintonizados com a realidade da própria família dele há algumas décadas.
Em uma propriedade localizada a alguns minutos de casa e da sede da Brisanet, ele desenvolve um modelo de plantio para evitar estar à mercê do ciclo de chuvas, como acontecia na antiga vivência familiar. “Fiquei até os 21 anos na agricultura convencional, plantando milho, feijão e mandioca. A cada 10 anos, em quatro ou cinco não se produzia nada”, dimensiona.
“Então, quando fui para o segmento tecnológico, busquei soluções para resolver esse problema da sazonalidade chuvosa no Nordeste e buscar transformar essa agricultura convencional numa mais rentável – até porque hoje a agricultura de milho e feijão está extinta, só as pessoas mais idosas têm na pequena roça”.
Tecnologia para mudar vidas
O experimento começou há dois anos no local, mas há uma década ele investe em pesquisas e testes – começando com 40 agricultores, cuja renda anual era de até R$ 3 mil e que, mediante o projeto, hoje produzem em torno de R$ 45 mil, mesmo nos anos mais secos. “É um experimento já homologado, ou seja, pequenos e médios agricultores já podem seguir”.
A iniciativa consiste, basicamente, na eficiência extrema do uso da água – um modelo envolvendo multiculturas, no qual o sistema de irrigação é complementar. Faz-se uso de poucos litros para dar sobrevida à planta, mantendo o caule hidratado, e, assim, quando chegar a estação chuvosa, ela está saudável para iniciar a produção. No caso de estiagem, a irrigação complementar entra em ação.
“Aqui na propriedade, temos pitaia, acerola, maracujá, graviola, banana, açaí, são mais de 30 culturas diferentes. A cada semana, o agricultor pode colher os frutos, gerando renda sem precisar contratar mão de obra”, festeja. “Também fazemos o reuso de cabos de fibra óptica, sem valor comercial. Eles são utilizados para suportar um modelo diferente de plantio”.
A proposta não é apenas se utilizar do recurso do mínimo uso de água possível, mas buscar a implementação de uma tecnologia na qual uma pequena estrutura de hardware e software faz com que, a partir de um aplicativo, o agricultor interfira na condução de uma fileira de culturas. Caso chegue um mês em que será necessária quantidade maior de água, muda-se a programação de irrigação. Esses detalhes oportunizaram, inclusive, que José Roberto abrisse a Nossa Fruta Brasil, empresa voltada para a produção de polpas de fruta.
“Tracei toda a minha jornada definindo um futuro voltado para a minha região. Isso está acontecendo agora, é uma forma de o agricultor se tornar independente. É também o embrião de uma mudança gigante no modelo de agricultura no semiárido. Não existe tecnologia de baixo custo para o pequeno agricultor. O que estamos fazendo é isto: adaptando a tecnologia ao bolso de uma pequena agricultura familiar. Essa mudança, acredito, vai se disseminar pelo Nordeste inteiro”.
Sereia de Ouro
Ao saber que seria agraciado com o Troféu Sereia de Ouro, José Roberto Nogueira foi totalmente surpreendido. Segundo ele, o que paira é o sentimento de persistir no trabalho e na entrega ao que faz o Ceará avançar. “Hoje temos a consciência de que fizemos um grande trabalho, e esse reconhecimento vem para trazer mais motivação”.
Além disso, também enfatiza a garra e proeminência do industrial Edson Queiroz na construção de um legado permanente para o Estado e os cearenses. “Sempre o admirei bastante. Se estivesse vivo, acredito que teria feito uma transformação ainda maior no Brasil. Um empresário que próximo aos 50 anos já estava com tantas atividades... Comparo-o um pouco com o Barão de Mauá”, sublinha.
“São pessoas que vieram não para serem passageiros, mas para serem pilotos. É o que nosso país está precisando: de mais pilotos e não muitos passageiros, de mais gente com esse espírito pioneiro, empreendedor”.
A Comenda
Criado em 1971 pelo chanceler Edson Queiroz e dona Yolanda Queiroz, o Troféu Sereia de Ouro é uma das mais tradicionais comendas do Ceará. Procura homenagear personalidades que se destacaram em diferentes setores de atuação, contribuindo para o desenvolvimento do Estado.
É concedido anualmente pelo Sistema Verdes Mares, integrante do Grupo Edson Queiroz, em solenidade realizada no Theatro José de Alencar. A honraria já foi entregue a centenas de nomes, brilhantes em atividades públicas e privadas, e que seguem inspirando gerações.