Nossos objetos decorativos, roupas e prédios estão ficando mais cinzas?

Estudo realizado por grupo de museus no Reino Unido aponta que objetos domésticos, eletrônicos e prédios estão ficando com tons mais neutros

Escrito por Lívia Carvalho , livia.carvalho@svm.com.br
Legenda: Objetos de decoração cinza se complementam com cores vibrantes ou que remetam ao natural
Foto: Shutterstock

As coisas estão ficando mais cinzas, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Science Museum Group, do Reino Unido, que analisou mais de 7 mil objetos a partir do acervo de fotografias do grupo de museus. Móveis, carros, objetos decorativos domésticos e eletrônicos perderam as cores vibrantes principalmente nos últimos 50 anos.  

Mas será que a realidade do Brasil é essa também? Embora seja muito mais comum ver prédios, eletrodomésticos e eletrônicos em tons de preto, branco e cinza, os brasileiros ainda são acostumados a ver cores mais vibrantes e até mesmo estampas.  

“Pra nós, que vivemos em um país tropical, com paisagem natural mais diversa, mais iluminação, nós percebemos menos esse dessaturação das cores, ou seja, as tonalidades mais próximas do cinza”, é o que aponta o professor do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Federal do Ceará (UFC), Chico Neto.  

“Apesar de menos frequentes em paisagens tropicais, como é o caso brasileiro, o uso de cores dessaturadas e do cinza é comum porque, como dizemos, elas combinam com tudo. Além disso, estão acessíveis em materiais que fazem parte da nossa rotina, como é o caso do concreto e de vários metais”. 
Chico Neto
professor de Publicidade e Propaganda

Fenômeno cultural  

Além disso, o professor pondera que a pesquisa foi feita a partir de um recorte de um local, então não é passível de generalização, já que o uso de cores carrega consigo um significado e é um fenômeno cultural. “Se repetíssemos esse estudo a um outro recorte talvez o resultado fosse diferente”.  

A arquiteta e conselheira do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Ceará (CAU-CE), Ticiana Sanford, complementa que, nas construções e decorações de casa, as bases de projetos são mais neutras por uma questão de combinação, já que as pessoas acreditam que não vão ‘enjoar’ rápido de tons como bege.  

Legenda: Estudo analisou pixels de mais de 7 mil imagens, como o telégrafo e o aparelho celular
Foto: Reprodução/Cath Sleeman/ Science Museum Group Digital Lab

"Porque nossa sociedade vive num momento de muita velocidade com as redes sociais, com muitas informações, tudo é muito descartável, então as pessoas têm o velho e bom medo de enjoar. Por isso, ousam nos pequenos objetos, almofadas, adornos. Com a pandemia também houve uma procura maior por plantas em casa que, querendo ou não, traz cor também pro ambiente”.  
Ticiana Sanford
arquiteta

Com os objetos de decoração e pinturas de paredes, contudo, as mudanças são mais fáceis de serem feitas, conforme Ticiana, o que facilita a brincadeira com cores diversas até com tons mais vibrantes, como o vermelho e o amarelo.  

Padrão industrial 

Porém, Ticiana pondera ainda que isso causa uma padronização que reduz custos para a indústria, por isso há uma tendência de fechadas de prédios mais neutras e espelhadas. “As construtoras acreditam que, quanto mais personalizado, menos vai vender. Mas eu acho que existe um mercado pra todo mundo”. 

“Quando você tem uma variedade de cores e você precisa produzir, o custo é mais alto, então padronizar é uma escolha voltada pro dinheiro pra que as empresas não precisem gastar tanto”, afirma a criadora de conteúdo especializado em moda, Elisa Santiago. 

Para Elisa, pensando no viés da moda, há um outro fator que influencia: o de que cultural e socialmente existe um receio de usar certas cores e ainda que o neutro está ligado ao ideal de elegância, de sobriedade e do que é discreto.  

"Tem essa ideia de que são cores mais fáceis de se combinar, são mais valorizadas no meio social. O que eu acho, particularmente falando, que é uma ideia equivocada, porque nós temos diversas culturas no mundo e que tem cores coloridas como básico e geralmente são mais marginalizadas. Além de ser uma visão elitista”, diz Elisa.  

Apagamento de culturas 

Elisa argumenta que esse fenômeno acaba provocando um apagamento de culturas que tendem a se expressar com cores que não são neutras. Ela cita como exemplo a mudança de tonalidade que aconteceu com as estátuas gregas na época do Renascentismo, movimento cultural surgido na Itália no século XIV.  

Legenda: Estudo feito na Inglaterra constatou mudança de cores
Foto: Reprodução/Cath Sleeman/ Science Museum Group Digital Lab

"As estátuas gregas que eram originalmente coloridas, mas o Renascentismo trouxe as cores neutras atreladas ao que é certo e ideal, e apagou essas cores. A gente cresceu com essa cultura que o que é colorido é ligado ao que é brega, cafona, podre, marginalizado e isso é muito perigoso”.  
Elisa Santiago
criadora de conteúdo

A produtora de conteúdo acredita ainda que o Brasil acaba vivenciando um processo diferente por conta da miscigenação de culturas. "A localização, a cultura ser essencialmente colorida, principalmente no Norte e Nordeste do país, não tinha como as cores não sobreviverem nesse contexto. Acho que isso é uma forma também de resistir à essa cultura europeia, à essa padronização". 

Chico Neto, por sua vez, pontua que as cores guardam significado e "quando a gente escolhe de forma deliberada um conjunto de cores pra colocar nos lábios, nos cabelos, nas roupas, vai ter vários códigos visuais que vão comunicar. O significado desas escolhas varia conforme o público, o contexto, por isso a significação do vermelho, por exemplo, pasa por mudanças de acordo com o momento e o local que você tá utilizando". 

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