Exposição apresenta imagens históricas das marchas dos Tremembés

Com registro fotográfico de Philipi Bandeira, a mostra virtual é um recorte de memória da marcha que acontece há 17 anos. Material está disponível no site do Dragão do Mar

Escrito por Felipe Gurgel , felipe.gurgel@svm.com.br
Legenda: A Marcha dos Tremembés não pôde sair este ano, em virtude das restrições impostas pela pandemia do coronavírus
Foto: Philipi Bandeira

O Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (Praia de Iracema) lança a exposição virtual "Memórias da Marcha Tremembé". A partir desta quinta (5), às 17h, a mostra integra o projeto "Tapuyas do Siará". O material traz 20 fotografias produzidas pelo pesquisador Philipi Bandeira e segue em cartaz até 5 de janeiro de 2021. As imagens foram captadas em filme 35mm colorido e registram movimentos da 2ª Marcha pela autonomia do povo Tremembé; e ainda registros do ritual do torém. A exposição tem acesso gratuito, pelo site dragaodomar.org.br.

Segundo Philipi, o recorte definido para a exposição surgiu no diálogo com lideranças da comunidade indígena do Ceará. "A ideia foi, na verdade, do Getúlio Tremembé (coordenador da Escola Indígena Maria Venância), que lançou uma campanha nas redes sociais com esse tema, com desafio para as pessoas postarem fotos sobre as edições passadas da Marcha. Isto porque a Marcha Tremembé, uma manifestação que ocorre anualmente desde 2003 no dia 7 de setembro, neste ano foi cancelada devido à pandemia", situa o pesquisador.

"Penso que a proposta do recorte em si seja mais uma pequena contribuição ao movimento da memória indígena com o protagonismo dos próprios, seguindo as demandas e fluxos das próprias aldeias. Na verdade, percebo que é um recorte bem específico dentro do acervo fotográfico que produzi e que também não seja bem 'representativo' do meu trabalho documental. Mas isto não me incomoda, ao contrário, é uma satisfação aprender com os fluxos indígenas", complementa ele. 

A criação do acervo fotográfico tem origem na pesquisa que Philipi mobiliza desde 2005, junto aos Tremembés de Almofala. Antes de trabalhar com a comunidade, o pesquisador teve contato com outras aldeias do Estado, como os Jenipapo-Kanindé da Lagoa Encantada, os Kanindé de Aratuba e os Pitaguary da Monguba. 

Foto: Philipi Bandeira

Além do ensaio com as imagens, ele fez um filme documentário com os Tremembés ("Espelho Nativo", 2009), e ainda uma monografia para o curso de Sociologia da Universidade Federal do Ceará (UFC). Enquanto se dedicava, o pesquisador foi convidado a assessorar, em 2011, a criação do Museu do Índio Tremembé. Foi sua última atuação "em campo" com os indígenas, e desde então eles mantêm contatos pontuais e a amizade. 

Abrindo o leque para pesquisar outras etnias indígenas, inclusive fora do Ceará, hoje Philipi Bandeira se mantém investigando as relações entre o cinema indígena e o "xamanismo", ligado à formação de Doutorado na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). 

Invisibilidade

A partir da proximidade com as comunidades indígenas, Philipi conta que teve oportunidade de aprender muito sobre a vida e perceber, por outra ótica, o preconceito que há em relação à influência do índio na formação da sociedade brasileira. Ele situa que a "carga afetiva" nutrida pelo contato com as aldeias vai além da reflexão teórica das pesquisas, e coloca como os indígenas tratam o amor e a dor de uma forma bem mais direta. 

"Acho que, em boa medida, o que pude aprender deve-se ao fato de que nunca olhei para um indígena como objeto, como 'coisa' de pesquisa. Assim, primeiramente, do ponto de vista da cultura que se diz 'brasileira', esta deveria não distanciar os indígenas como outra cultura (apesar de sê-lo em específico, não genérico), mas perceber que está nela mesma, desde sempre", reflete o pesquisador.
 

Compreensão

Ele identifica que uma das compreensões que ainda precisam chegar ao senso comum, a respeito da influência indígena, afirma como o Ceará é, sim, 'terra indígena'. Philipi recapitula as origens dessa afirmação. E situa como Aquiraz foi destruída pelos Payacú, e depois Fortaleza tornou-se a capital do Estado como centro gestor da mão-de-obra e produtos indígenas. Crato, Icó, Baturité e Viçosa do Ceará, por exemplo, foram originadas de missões e aldeamentos. 

Segundo Philipi, essa compreensão "guiaria a sociedade a agir de forma menos ignorante com a questão indígena, inclusive no sentido jurídico da aplicação dos direitos estabelecidos pela Constituição e dos tratados internacionais a que o Brasil é signatário - mas que não cumpre, ao impor um estado de exceção de fato", sinaliza. 

O pesquisador lembra que assegurar os direitos indígenas dá condição para que as próprias comunidades apresentem suas culturas, por meio de suas próprias vozes. "Desde as lideranças de base com sua sabedoria prática até médicos, advogados e políticos - como, apesar da imensa lacuna e dos desafios, felizmente cada vez mais se vê", vislumbra. 

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