Entrevista: Filho de Corbiniano Lins fala sobre a restauração da obra "Mulher Rendeira"
Os restos da escultura do artista pernambucano já estão sob a guarda da família, em Recife, desde quarta-feira (3)
A lembrança do primeiro contato com a escultura "Mulher Rendeira" (1966) é guardada com o máximo de carinho. Chico Lins era criança quando o pai, o artista pernambucano Corbiniano Lins (1924-2018), decidiu reunir a família e rodar o Nordeste para apresentar suas obras. A passagem por Fortaleza aponta o ano de 1997. Duas décadas depois, os restos da peça do acervo do Banco do Brasil (BB) estão diante dele, no ateliê da família em Recife.
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Salva pelo arte-educador cearense José Viana, a escultura foi derrubada a marretadas durante obra executada pela Agência do BB da Praça do Carmo. Momentos depois do reencontro, na última quinta-feira (4), o filho estipula o difícil processo de reconstrução. "Temos que unir força e delicadeza nesta obra. Vai valer muito a pena. Ela é magnífica", defende Chico, 36 a nos, que trabalha com restauração desde os 15. Veja, a seguir, entrevista que concedeu ao Verso.
Como era a relação com esta obra da "Mulher rendeira"?
Meu pai juntou a família. Eu, minha mãe e meu irmão mais novo e fomos fazer um tour por Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Ele queria justamente mostrar obras dele pelo Nordeste. Chegamos a Fortaleza, conhecemos 'Iracema' e o 'Vaqueiro'. Por fim, não tínhamos conseguido chegar até a 'Rendeira'. Lembro bem que naquele tempo, 1997, não tinha GPS. Quando estávamos voltando para o hotel, encontramos por acaso o Banco do Brasil e lá estava a 'Rendeira'. É uma figura linda e com muito movimento. Como todas as obras de Corbiniano.
Quando o Banco do Brasil e a Artflex Engenharia falaram com você, o que lhe propuseram?
Eles entraram em contato comigo e pediram para eu avaliar se a obra tinha condições de restauro. Enviaram para nossa oficina. Aqui temos como analisá-la melhor. Fiquei de passar o orçamento.
Após a primeira análise que fez da obra, 23 anos após vê-la em Fortaleza, quais sentimentos tomaram conta de você?
Ver essa obra é sentimento que não tem nem como falar. Foi uma viagem de família, a mais longa que fizemos. (...) A 'Rendeira' me encantou pelo movimento que ela faz, entendeu? E saber que aquilo ali foi seu pai que fez... É muito orgulho que eu sinto desse camarada que, onde estiver, está feliz pelo resgate da escultura.
Quais as técnicas mais apropriadas para este restauro?
Como é uma peça da década de 1960, temos que nos adaptar aos moldes daquela época. Saber qual o metal que ele usou naquela peça pode ser (e com certeza é) diferente dos últimos que ele costumava usar. Tirar as camadas, pois ao longo dos anos deve ter sofrido várias restaurações (não com nosso ateliê). Tem camadas que precisam ser retiradas para voltar a ser a linha do Corbiniano Lins. Basicamente é isso. Tem as amarrações por dentro que precisam ser refeitas. Tem lodo... Enfim, uma infinidade de coisas. É bem trabalhoso. Um trabalho de formiguinha e de muita força porque ela é muito pesada. Temos que unir força e delicadeza nessa obra. Vai valer muito a pena. Ela é magnífica.
Em quanto tempo acredita ser possível restaurá-la?
Não há um tempo exato de restauro. Pode ser em três, seis meses. Depende de muita coisa. Ela é muito trabalhosa. Não tem como fazer o orçamento agora. Depende de tirar aquela crosta que está nela. Essa crosta não é da nossa linha, da linha Corbiniano Lins. Então, tem muita coisa a ser feita.
Qual destino acredita que a obra deve ter após restaurada?
Ela merece um lugar de destaque. É muito querida. Recebi várias mensagens. É fora de série.
Que lição esse episódio traz à sociedade?
Se formos para países um pouco mais desenvolvidos que o Brasil, vemos que os monumentos e as obras de arte são preservadas. Arte é uma coisa que não se mensura. E uma obra que retrata a figura nordestina, nós como nordestinos temos que preservar ainda mais. Meu pai fez a 'Iracema', o 'Vaqueiro' e a 'Rendeira' nos anos 1960. Devemos preservar mais. Principalmente quando se trata da nossa origem. O que tenho a dizer, não falando de política, não adianta investir em segurança e saúde se a base de tudo é a educação.