Dez marcos históricos para celebrar a importância do Dragão do Mar
Reportagem é a última de série que festeja e reflete sobre o aniversário do Centro Cultural, neste domingo (28); entre os principais acontecimentos, muitos desenharam a história de Fortaleza
Pináculos vermelhos anunciam ao longe: é o Dragão do Mar tocando o céu de Fortaleza. Há 25 anos é assim. Fundado às vésperas da virada do milênio, em 28 de abril de 1999, um dos mais importantes centrols de cultura do país festeja um quarto de século permeado por conquistas, progressos e desafios.
Sucessão de marcos desenham a identidade do local, desde o evento de inauguração até shows e espetáculos inesquecíveis. Quem não recorda de Marília Mendonça lotando a Praça Verde de sofrência? Ou da realização de festivais como o Maloca Dragão e o Elos? E do velório de Belchior? São acontecimentos cravados na memória do Estado.
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Olhar para o panorama exige que, necessariamente, vasculhemos o passado em busca dos primeiros indícios do equipamento. Reportagem de 7 de agosto de 1998 do Diário do Nordeste destacou que 20 milhões de dólares foi o suficiente para erguer a estrutura. “Em um ambiente de 30 mil m², as artes terão espaço para mostrar suas cores e sabores”, anunciava.
“Foram gastos cinco anos de trabalho para plantar no coração histórico de Fortaleza, na Praia de Iracema, a promessa de um projeto cultural capaz de atender às mudanças e reivindicações, em fim-de-século, da tecnocultura – em que arte e técnica tentaram andar de mãos dadas por vias múltiplas”, continuava o texto.
Na ocasião, o Dragão abria as portas ainda em fase experimental, “sob as trilhas das sementes de um novo tempo para a cultura do Estado”. Após isso, já inaugurado, seguiu contabilizando resultados: 1.199 eventos culturais no primeiro ano, envolvendo 11.178 artistas de diferentes áreas, indo das Artes Plásticas às Artes Cênicas, passando por manifestações populares.
Embalado por esse espírito festivo, o Verso elegeu dez marcos históricos para celebrar a relevância do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. A seleção também contou com olhar da própria equipe do espaço, numa colcha de olhares e recordações. Você esteve presente em algum desses momentos? De que modo eles moldaram sua vivência na cidade? Recorde.
Fagner, orquestra e homenagens na inauguração
Apresentar e colocar à disposição dos cearenses um patrimônio com a envergadura do Dragão do Mar exigiu tempo. Em julho de 1994, a Secretaria da Cultura anunciou a construção do Centro. Dez meses após o anúncio, eram erguidos os cinemas, teatro e planetário. Em 28 de abril de 1999, veio a inauguração.
A programação de abertura dedicou três horas e meia de atividades. Tudo começava às 17h com a Festa Multicultural – apresentação simultânea de diversos grupos. Na sequência, às 19h, a solenidade envolveu descerramento da placa oficial e hasteamento das bandeiras na entrada da Avenida Monsenhor Tabosa.
Também houve homenagem ao astrônomo e escritor Rubens de Azevedo, com descerramento da placa inaugural do Planetário e sessão especial; homenagem ao até então ministro Sérgio Motta, igualmente com descerramento da placa inaugural do Anfiteatro e apresentação da Orquestra Infanto-Juvenil Experimental; e, por fim, um show-concerto.
Nesta última atividade, a Orquestra Sinfônica deu o tom, tendo Izaíra Silvino como regente e Raimundo Fagner como um dos convidados especiais. Um ano antes, também houve uma abertura do equipamento, mas em fase experimental, com foco nos ajustes necessários para que, no semestre posterior, o espaço funcionasse a pleno vapor. Dito e feito.
A força dos festivais de música
Se tem algo pelo qual o Dragão é lembrado é por ser um palco difusor de música. Pelo gigante vermelho e branco, já passaram inúmeros artistas nacionais e internacionais. MPB, rock, samba, rap, trap, concertos sinfônicos, forró, reggae, pop e outros gêneros em shows memoráveis. Gilberto Gil, Os Transacionais, Richie Ramone, Daniel Groove, BaianaSystem, Karol Conká, Lagosta Bronzeada e Marcelo D2 são alguns dos nomes que já passaram pela casa.
Mas a Maloca Dragão é o grande destaque. Criada em 2014 em comemoração ao aniversário dos 15 anos do CDMAC, veio para celebrar a efervescência e a pluralidade da produção cearense. Inspirado na “maroka” – palavra de origem tupi que designa a casa coletiva dos indígenas – o evento é uma reafirmação do CDMAC como espaço público e democrático.
A cada edição, o evento apresentou, gratuitamente, centenas de atrações, entre shows, espetáculos cênicos de teatro, dança, circo, arte urbana, cultura popular, além de exposições, feiras de gastronomia, design e moda, lançamentos literários e sessões de cinema, debates e rodadas de negócios entre artistas e players. Tudo ao mesmo tempo em palcos espalhados no entorno do Centro.
“Vaqueiros”, a exposição que atravessa gerações
Você viu, seus pais viram e, possivelmente, você levará um amigo ou até um filho ou sobrinho para ver. Inaugurada em 28 de abril de 1999, a exposição “Vaqueiros” é dessa que atravessa gerações. Localizada no piso inferior do Museu da Cultura Cearense, é o carro-chefe do MCC e já recebeu mais de um milhão de visitantes.
A exposição etnográfica tem curadoria de Margarita Hernández e resulta de pesquisa coordenada pela historiadora Valéria Laena no período de 1998-1999, com equipe multidisciplinar formada por museólogos, antropólogos, historiadores, documentalistas e fotógrafos em expedição pelo sertão cearense. Um encanto.
A magia está sobretudo nos elementos. A mostra congrega objetos que possibilitam reconstruir o que, tradicionalmente, compreende-se como cultura sertaneja. No acervo de 130 peças, é possível ver retratos de vaqueiros (as), fotografias de instalações, vestimentas de couro, utensílios domésticos e de trabalho, entre outros.
O objetivo é nobre: reconhecer o vaqueiro como personagem simbólico na história e cultura cearense, oriundo de contexto social onde surgiram e se fixaram costumes e saberes oriundos de intrínseca relação com o sertão. Além disso, identificar referências culturais e enriquecer com saberes que bebem da vestimenta à religião, passando por costumes e hábitos.
Um planetário para chamar de nosso
Já citado na programação de inauguração do Dragão, o Planetário Rubens de Azevedo é outro marco do equipamento, e não à toa. A emblemática abóbada azul da arquitetura abriga as belezas e os mistérios inefáveis do universo. Com capacidade de 65 lugares sentados, em ambiente refrigerado, atua no binômio turístico-pedagógico.
No começo das atividades, foi equipado com projetores marca Carl Zeiss e modelo Skymaster ZKP3, com Space Gate Quinto e Sistema PowerDome. Esse tipo é fabricado pela empresa alemã Carl Zeiss AG, inventora do planetário como estrutura – há mais de 80 anos detendo a tecnologia dos melhores planetários do mundo.
Após 11 anos trabalhando com a marca, o Planetário Rubens de Azevedo mudou. Foi reinaugurado com equipamentos de última geração – os projetores marca Carl Zeis AG, modelo Skymaster ZKP4 com Space Gate Quinto e Sistema PowerDome. O novo instante ocorreu a partir de 30 de junho de 2010.
Desde essa data, o planetário do Dragão passou a ser o mais moderno do Brasil, sempre passando por novas reformas e atualizações. Em abril de 2013, por exemplo, houve inauguração de dois novos Telescópios Refletores Newtonianos disponibilizados no Programa Noite das Estrelas, quando a lua está quarto-crescente.
Patativa do Assaré e Chico da Matilde
Dois ícones de nossa cultura são homenageados com esculturas no Dragão do Mar e chamam o público para mais perto: o poeta Patativa do Assaré e o jangadeiro e herói abolicionista Chico da Matilde. Os trabalhos rendem de fotografias dos visitantes a reflexões, e atestam a vocação do equipamento para exaltar grandes nomes da arte cearense.
Confeccionada em bronze fundido e com cerca de 1,50 metro, a escultura de Patativa foi inaugurada em novembro de 2004 e é uma tentativa de aproximar o poeta da “roça” com a cidade. O trabalho é assinado pelo escultor Murilo de Sá Toledo, conforme inscrição na placa com o trecho “Cante lá que eu canto cá”.
Murilo também ergueu a estátua de Chico da Matilde, jangadeiro que passou à história como o Dragão do Mar por ter levantado a voz contra a escravatura no Ceará. Chico era filho de Canoa Quebrada. Aos 20 anos, aprendeu a ler e, na sequência, tornou-se chefe dos catraieiros (condutores de bote).
Trabalhou na construção do porto de Fortaleza, tornou-se marinheiro, e finalmente foi nomeado prático da Capitania dos Portos. Com a deflagração da greve, em 1881, foi demitido. Três anos depois, devido à libertação dos escravos, levou a embarcação Liberdade no barco negreiro Espírito Santo para o Rio de Janeiro. Mas ela tomou rumo incerto.
Reinauguração das salas de cinema
Inauguradas em janeiro de 1999, as duas salas de cinema do Dragão colocaram Fortaleza no importante circuito de exibição da cinematografia independente e de arte. Com o nome “Espaço Unibanco Dragão do Mar”, sob gestão do Itaú Unibanco, as atividades acenderam novo fôlego na Capital no que toca à sétima arte.
Após 13 anos, o Itaú encerrou parcerias em salas de cinema em todo o país e, sob breve gestão de João Soares Neto, o equipamento cearense passou a ser chamado Cine Dragão do Mar. Fechado em 2012, o Cinema do Dragão foi reinaugurado em 3 de setembro de 2013 depois de passar por completa reforma estrutural e aquisição de novos equipamentos.
Isso o destacou nacionalmente como referência em qualidade de programação e exibição na cidade, com ações regulares de terça a domingo, a partir das 13h40 – entre exibições de estreias e clássicos do cinema brasileiro e mundial, além de mostras e debates. A implementação do projeto de reestruturação foi fruto de importante acordo.
Trata-se da cooperação técnica e curatorial entre o Instituto Dragão do Mar e a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) de Recife, com expertise de mais de 20 anos na área da difusão cinematográfica e representada pelos renomados programadores Kleber Mendonça Filho e Luiz Joaquim, cuja parceria foi mantida até 2017.
Dragão Fashion
“De biquínis fabricados em jeans até roupas de festas insinuantes e reveladoras em tecidos transparentes, leves e rendas da terra, a versatilidade de um grupo de criadores ocupou o cenário. A promoção foi vitoriosa. Com alto astral, como todas de moda”. Assim era descrito um momento do Dragão Fashion Brasil no Diário do Nordeste de 5 de dezembro de 1999.
De fato, o evento iniciou vitorioso e já demarcava a vocação tentacular do Dragão de alcançar as mais distintas linguagens artísticas. Idealizado e produzido pelo estilista Claudio Silveira, o projeto nasceu com a intenção de promover e apoiar profissionais do mercado. Recebeu esse nome devido ao local que originalmente aconteciam os desfiles, o CDMAC.
Com o tempo, a passarela passou a ser o Terminal Marítimo de Passageiros. Nos últimos anos, ocorre na Praia de Iracema. Entre os nomes que despontaram na moda nacional devido à participação no evento estão David Lee, Silvânia de Deus, Gabriel Baquit, Celina Hissa e Marina Bitu. No interstício de tantos estilos, muita originalidade e ousadia.
À medida que os anos passaram, outra matriz despontou com força e redesenhou a identidade do Dragão: o nome. Passou a ser conhecido como DFB Festival, muito em parte devido à programação envolvendo não apenas moda, mas formações, shows e gastronomia.
A força do Teatro
O Dragão do Mar instaurou outro marco na própria história ao abrigar o Teatro Dragão do Mar. De longas temporadas de espetáculos ao incentivo a grupos e apresentações experimentais, muita gente passou pelo espaço de forma a alimentá-lo com talento, criatividade e bravura.
Apresentações como as do coletivo “As Travestidas” – cuja trajetória de início, desenvolvimento e conclusão sempre perpassou o CDMAC – e do ator, diretor e humorista Moisés Loureiro, por exemplo, levaram milhares de espectadores às clássicas poltronas do equipamento. População ávida por viver e celebrar as Artes Cênicas.
De igual forma, o palco abriu espaço para outras ousadias, apostando em artistas e coletivos em começo de carreira ou com apelos mais autorais. É o caso do Bagaceira de Teatro, do Cangaias Coletivo Teatral, Nóis de Teatro, Pavilhão da Magnólia, Cia Teatral Acontece, entre outros. Mais uma fatia de aproveitamento da vocação de encantar.
Importante lembrar: dança, circo, performance, música, cultura popular, literatura, debates e conferências fazem do Teatro não somente um local de difusão da pluralidade artística, mas também de formação e pensamento. Ou seja, nada de resumir a estrutura a apenas uma linguagem: tem para todo mundo.
Show de Marília Mendonça
Pegando todos de surpresa, o Dragão do Mar sediou um dos shows mais importantes já ocorridos em Fortaleza. Marília Mendonça não divulgou data e, de repente, foi ao centro da cidade para distribuir panfletos da apresentação. Resultado: milhares de pessoas reunidas para a gravação do DVD “Te Vejo Em Todos Os Cantos”, em 17 de outubro de 2018.
O momento aconteceu gratuitamente na Praça Verde do Dragão e, tempos depois, também foi cenário para os bastidores da gravação, disponível numa série na Globoplay. No segundo episódio, a cantora, falecida em 2021, declara a paixão por chopp de vinho cearense. “Estou na saudade do chopp de vinho daqui que vocês não estão entendendo”, diz.
No total, o DVD reúne 27 músicas e cada uma delas foi gravada nas 27 capitais brasileiras. No mesmo outubro daquele ano, a cantora divulgou o clipe da música “Sem Sal”, gravado no CDMAC na noite histórica. A produção atingiu cerca de 500 mil visualizações no Youtube em menos de quatro horas no ar.
Tomadas panorâmicas dão conta de expressar a magnitude da arquitetura do Dragão, ao mesmo tempo que enfocam no talento de Marília e no amor dedicado aos fãs. Pessoas lotaram a praça tanto no espaço principal dela quanto nas laterais superiores, num misto de sofrência, carinho e muito frenesi.
Velório de Belchior
Era 1º de maio de 2017 quando milhares de fãs da obra de Belchior lotaram as dependências do Dragão do Mar para dar o último adeus ao rapaz latino-americano. Mais de sete mil pessoas participaram do velório após uma madrugada com show de homenagem ao artista no festival Maloca e velório em Sobral pela manhã, no Teatro São João.
Além da grande presença de familiares, muitos artistas cearenses compareceram ao velório no CDMAC. Eles falaram sobre lembranças e a força da obra do compositor sobralense. O corpo partiu da cidade natal dele, chegou à capital por volta das 12h30 e seguiu no carro do Corpo de Bombeiros por ruas de Fortaleza até o Dragão.
O cortejo passou por avenidas como Luciano Carneiro, Treze de Maio, Pontes Vieira, Desembargador Moreira e Abolição. Depois de todo o momento no centro cultural, a memória tratou de eternizar o instante e se lançou automaticamente como marco da trajetória do Dragão do Mar, de Fortaleza e do Ceará.