Curso de dança da Vila das Artes está sem coordenação e professores; famílias temem descontinuidade
Familiares e estudantes da formação artística da Prefeitura de Fortaleza denunciam demissão de coordenadora e troca do corpo docente
No meio do ano letivo e sem aviso ou explicação, a Escola Pública de Dança da Vila das Artes — complexo cultural da Prefeitura de Fortaleza vinculado à Secretaria Municipal de Cultura da Fortaleza (Secultfor) e gerido pela organização social Instituto Cultural Iracema (ICI) — está sem coordenação e corpo docente.
É o que denunciam familiares e estudantes do Curso de Formação Básica em Dança, que temem que a situação impacte o calendário letivo e a continuidade das aulas. Em protesto contra as mudanças e em busca de diálogo, alunas, alunos e responsáveis começaram mobilizações nas redes sociais e na própria Vila.
Em nota, o Instituto Cultural Iracema (ICI), responsável pela gestão do Complexo Vila das Artes, informou "que a mudança na coordenação da Escola de Dança foi motivada por adequações administrativas. O plano de curso e de trabalho da Escola de Dança será mantido conforme o previsto, sem prejuízo aos alunos".
O ICI também disse que a contratação da nova coordenação será realizada de acordo com o disposto no Regulamento Pessoal do Instituto.
"Assim, a vedação disposta no artigo 73, V da lei 9504/97 não se aplica ao caso, visto que está direcionada a agentes públicos, nos termos da lei. O ICI permanece comprometido com a qualidade e a continuidade das atividades educativas oferecidas pelo Complexo Vila das Artes", completou o ICI.
A reportagem também contactou as assessorias da Vila das Artes e da Secultfor e não obteve retorno até a finalização desta matéria.
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Em entrevista ao Verso, alunas e mães explicam que a situação de incerteza começou na última sexta-feira (28), logo após a semana de aulas públicas, atividades de encerramento do primeiro semestre que envolve apresentações para os pais e comunidade.
“Saímos com a alegria e satisfação de cumprir mais um semestre e, de repente, a notícia de demissão da coordenadora. Sem nenhum diálogo, inclusive nem sabemos o motivo até agora. Na mesma ocasião ficamos sabendo da finalização dos contratos de professores”, compartilha Rayssa Diniz Amarante, 14 anos, aluna do 6º ano da Formação.
A coordenação da Escola Pública de Dança era, desde 2017, comandada pela coreógrafa, bailarina e professora Marina Carleial. A saída da gestora ocorreu no mesmo dia (28) em que o ICI lançou novo edital da Chamada Pública para Credenciamento de Prestadores de Serviços de Professor(a) para as Escolas Públicas de Dança e Teatro.
No último dia 10 de junho, a organização social já havia lançado uma primeira versão da chamada e divulgado, inclusive, o resultado preliminar dos aprovados nas fases 1 e 2. No site do ICI, é possível acessar o Termo de Revogação do documento anterior no qual a OS justifica a suspensão pela “necessidade de reajuste dos critérios de avaliação”.
Anteriormente, ter experiência docente nas escolas públicas de Dança e Teatro da Vila atribuía pontuação aos candidatos. O fato, segundo o Termo, privilegiaria “o credenciamento de profissionais que já têm prévia atuação nas escolas, restringindo o alcance da Chamada e diminuindo o potencial de credenciamento de novos profissionais com experiências e históricos diversos”.
“Não sabemos como vai ser daqui pra frente”
Jordana Rafaela dos Santos, mãe de um menino que passou pela formação e de duas meninas que estão atualmente no quarto e o quinto anos do curso, aponta que “esse contrato dos professores nunca aconteceu no meio do ano, também, sempre foi do final de um ano para o começo do outro ano”.
A situação de incerteza fez com que pais se organizassem "em prol da gestão compartilhada”, como define Jordana, uma das mentoras da movimentação. "Foi a gota d’água, nós não queremos mais surpresas. O que nós estamos exigindo do Instituto Cultural Iracema é que eles nos incluam na mesa de discussões”, afirma.
Ela explica que, na estrutura do projeto pedagógico, o segundo semestre do ano letivo é marcado pelo preparo do espetáculo de fim de ano. “O primeiro semestre é uma preparação, um engajamento das famílias, a preparação dos alunos, do corpo, e o segundo semestre já é um embalo para o espetáculo”, resume.
A saída da coordenadora e o processo de contratação do corpo docente no meio do ano causam instabilidade quanto à continuidade das atividades previstas para o novo semestre. “Tudo isso atinge diretamente os alunos e alunas que estão na linha de frente, que dependem das decisões tomadas para continuar o processo”, relata Rayssa.
“Não temos garantia que as agendas e programações irão se cumprir, pois não está tendo transição para uma nova coordenação. O segundo semestre é de montagem de espetáculos e formatura, não sabemos como vai ser daqui pra frente”, segue a aluna.
Receio de novos cortes
Ex-aluna da Formação Básica em Dança, Liana Maria Barbosa, 20 anos, atua como monitora da atual turma da tarde do primeiro ano do curso. Essa possibilidade surgiu como fruto da criação, em 2023, do Corpo Artístico Jovem de Dança da Vila das Artes.
A iniciativa, apelidada de Caju, reúne pessoas que se formaram na Escola em anos anteriores e foi fruto da mobilização de familiares, estudantes e egressos. A ação de monitora, avalia Liana, “auxiliou muito o desenvolvimento das crianças”.
“Vejo uma melhora muito significativa, elas já criam confiança com os professores, as monitoras, já tem inspiração de que podem seguir carreira, sim, como bailarinas profissionais”, aponta.
“Parar o processo de aprendizagem de uma criança que já teve toda essa construção de confiança com professores, monitoras, coordenação, é como se você realmente perdesse um pouco da esperança”
O contexto de mudanças e trocas aumenta o temor de impactos dele também no Caju, como compartilha Liana: “A coordenação e os professores que escreveram esse projeto nos afirmaram que batalharam muito para que ele realmente acontecesse. Então, temos medo de que, por ser recente, ele acabe sendo cortado”.
Demanda por diálogo e participação
As incertezas acerca da situação são frutos, como ressaltam as fontes ouvidas pelo Verso, de ausência de diálogo. Uma das principais demandas, portanto, é em prol da participação das famílias e transparência na tomada de decisões.
“Esse segundo semestre, como vai ser? Quero entender melhor como a gente, comunidade civil, pode intervir em algumas decisões, porque nos impacta muito”, aponta Jordana. “Queremos saber como eles decidem algo tão importante sem um aviso, no meio do ano letivo e em pleno ano de eleição. Nossa voz deve ser ouvida, é um direito nosso, alunos e pais responsáveis”, reforça Viviane Pessoa, mãe de alunos do Curso.
Os questionamentos e pedidos de posicionamentos são inúmeros: “Ter troca no meio do ano é uma coisa inaceitável. Como nós vamos ter a certeza do segundo semestre? Quando será o próximo espetáculo? Como a escola vai ter certeza de cumprir os compromissos?”, pergunta Liana.
“Quais os critérios para uma nova pessoa ocupar o cargo de coordenação? Por que os contratos de professores findam no meio do ano letivo se gera descontinuidade e fragilidade dos planos pedagógicos, dos conteúdos e aprendizados dos estudantes? Por que um processo seletivo para docentes no meio do ano letivo?”, adiciona Rayssa. “Queremos a participação dos responsáveis, alunas e alunos nas decisões. A comunidade escolar precisa participar”, finaliza a aluna.