A ilusão da fluidez e como a moda voltou a vestir o binarismo
O look é livre? Acho que só até a página dois; reflexos de um mundo em crise causam uma reaproximação com os arquétipos binários na moda

A moda, essa entidade que é símbolo de transgressão e liberdade, está dando uma meia-volta volver. Em vez de romper com os padrões, ela anda flertando com uma binariedade vintage — e não necessariamente no bom sentido.
Hoje, mais do que nunca, estamos vendo uma polarização estética que divide os corpos entre “feminino demais” ou “masculino demais”, enquanto o meio-termo, o fluido, vai sendo engolido. 2025, você me prometeu.
Vocês já devem ter reparado: de um lado, a estética bimbo repaginada — muita pele à mostra, cinturas finas, cabelos longos, brilho, rosa, salto alto e a tal “feminilidade poderosa”. Do outro, os “masc chique”: alfaiataria oversized, blazer estruturado, cara fechada, nada de “delicadeza”. A moda “sem gênero” que me prometeram virou, na real, uma troca de figurino entre estereótipos.
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Daí eu te pergunto: onde ficam os corpos que não cabem nessas duas caixinhas? Quem quer ser múltiplo, híbrido e contraditório? Um hora é uma coisa, outra hora é outra coisa e tal hora é uma mistura de tudo? Parece que esses corpos ainda incomodam, ou pior, não renderam o suficiente em engajamento.
As marcas dizem celebrar “inclusão” nas campanhas, mas quando chega na arara (ou no tamanho ou na modelagem), tá tudo segmentado entre o rosa e o azul, entre o corte acinturado e o reto, entre o que “combina com ela” e o que “combina com ele”.
Isso não é só uma preguiça estética, é projeto. É político. Porque quando você reforça visualmente que feminino é uma coisa e masculino é outra (e só essas duas existem), você também limita a existência de quem transita entre, fora, ou para além dessas categorias.
E o mundo em crise que vivemos é a resposta disso: instabilidade histórica e momentos de crise global vão provocar essas simplificações identitárias. Tensões sociais e o colapso ambiental que estamos vivenciando nos direciona a buscar alguma forma de segurança. Falamos disso no texto sobre o Hemline Index.
E aí, vamos permitir que a moda vire esse lugar de controle? Porque, a bem da verdade, a moda mesmo não tem gênero. Tem história e corpo - esses, ainda bem, continuam sendo muitos.
*Este texto reflete, necessariamente, a opinião da autora