Acesso a políticas culturais por crianças e jovens muda vidas e fortalece cenário da dança no Ceará
Obra "Dança de Situação", da pesquisadora e bailarina Isabel Botelho, ressalta conquistas e demandas da linguagem no Ceará
O acesso a uma política pública de dança na infância repercute no adolescente que decide dar sequência à formação na linguagem para, na vida adulta, retornar à sociedade o que recebeu a fim de seguir a corrente de impacto comunitário.
Tal movimento é um dos destacados pela obra “Dança de Situação: Um Olhar para a Dança a partir das Políticas Públicas em Fortaleza”, da pesquisadora, artista e professora Isabel Botelho. A obra — que evidencia o movimento duplo entre trajetórias de vida e acesso a políticas na linguagem — ganha lançamento nesta sexta-feira (14), na Casa Absurda.
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Percurso de vida e de pesquisa
Fruto da pesquisa de mestrado em Psicologia da Universidade de Fortaleza, a publicação parte das experiências de quatro professores e bailarinos que tiveram passagem pelo Colégio de Dança do Ceará e seguiram na trajetória artística: Clarice Lima, Milton Paulo Nascimento, Gerson Moreno e Rosana Mara.
No livro, Isabel demonstra tanto um histórico das políticas públicas de dança das últimas duas décadas a partir das experiências pessoais dos entrevistados quanto articula os modos como tais políticas impactam e moldam os caminhos de quem as acessa.
“Meu primeiro lugar de acesso à dança foi através de políticas públicas, porque era no centro comunitário, como a gente chamava antes, do Henrique Jorge, onde eu morava”, compartilha Isabel.
Da experiência ainda na infância, seguiram-se formações em academias de dança, na Escola Técnica, em diferentes companhias e no próprio Colégio de Dança do Ceará até chegar, em 2007, à coordenação da linguagem na antiga Fundação de Cultura, Esporte e Turismo de Fortaleza (FUNCET), atual Secretaria da Cultura da Capital.
Em 2016, Isabel se debruçou na pesquisa de mestrado que resultou no atual livro, publicado agora a partir do apoio do XII Edital de Incentivo às Artes e da Lei Rouanet. Com base na fenomenologia existencial de Jean-Paul Sartre, a pesquisadora buscou investigar, a partir de histórias de vida, como a dança repercute e tem impactos sociais e artísticos nas pessoas.
Impactos das políticas públicas nas trajetórias de vida
Neste viés, a importância do acesso às políticas públicas para estes fins ficou evidenciada. “Fui analisando como uma política pública de acesso na infância vai repercutir no adolescente e jovem que decide ser profissional na dança, e como isso vai aparecer nos espetáculos depois que ele já está profissional, formado”, resume.
Ressaltando que, na pesquisa, o foco da pesquisa foi qualitativo, Isabel elenca impactos positivos deste acesso em aspectos como autoconhecimento, relação com o outro e com a comunidade.
“A gente tem algumas ONGs em Fortaleza que trabalham com a dança no campo cultural, artístico e social e a maioria das pessoas delas foram alunos da dança e resolveram criar esses espaços para também impactarem a vida de outras pessoas”, segue.
Entre os inúmeros exemplos possíveis de iniciativas do tipo, Isabel lembra da Vidança, de Anália Timbó; de projetos de Janne Ruth; e da Edisca, de Dora Andrade, que oportunizou o surgimento de iniciativas como o Instituto Katiana Pena, entre vários outros.
Em experiências de gestão pública, a pesquisadora destaca a centralidade da Escola Pública de Dança da Vila das Artes que, entre outros formatos, oferta formação básica para crianças e jovens com duração de seis anos.
“Se as secretarias de cultura do Estado e dos municípios conseguem garantir essa formação básica de dança, você vai ver que a produção artística depois é social, é para a comunidade”, aponta Isabel.
“Quando a pessoa acessa a dança através de políticas públicas e desenvolve essa consciência social do corpo, da relação estética e artística com a sociedade, ela vai produzir outro tipo espetáculo, que vai impactar na sociedade”
Conquistas e demandas históricas da linguagem
Em “Dança de Situação”, a pesquisadora traça uma retrospectiva das políticas públicas a partir de 1999, ano de implementação do Colégio de Dança do Ceará. “Naquele momento, a gente não tinha praticamente nada ofertado como política pública com periodicidade”, destaca.
“A partir do Colégio de Dança — que durou só três anos —, um grupo que já vinha da Comissão de Dança do Ceará e do Fórum de Dança do Ceará pressiona as secretarias para que a gente consiga manter essas formações”, segue Isabel.
É a partir deste movimento que uma série de avanços foi conquistada na linguagem, ressalta a pesquisadora, incluindo experiências de cursos no Porto Iracema e no Centro Cultural Bom Jardim e, também, as formações envolvendo dança da Universidade Federal do Ceará.
“Nesses últimos 23 anos a gente conseguiu construir um percurso que envolve a infância, a adolescência, a juventude, chegando na graduação em dança e na pós graduação em artes. Tudo isso é parte de uma estrada longa de pessoas que persistiram, se uniram, insistiram, negociaram”
Apesar das conquistas visíveis, Isabel destaca que ainda é preciso fortalecer a descentralização de experiências do tipo. “Isso ainda não dá conta de contemplar as cidades das regiões. Existe um movimento nas Secretarias para que esse acesso se expanda, mas é complexo manter continuidade, investimento. A gente ainda não alcançou esse momento, mas espero que alcance logo”, torce.
A pesquisa concretizada na publicação, enfim, surge como forma de fortalecer esse caminho vindouro. “Espero que ele tenha um impacto nos registros históricos e nas próximas pesquisas que as pessoas puderem fazer”, antevê.
Webinar Dança de Situação: criação, arte e políticas públicas
- Quando: quarta (12), de 18 às 20 horas, e quinta (13), de 16 às 18 horas
- Onde: Canal da Casa Absurda no YouTube
- Gratuito.
Lançamento e roda de conversa com Cláudia Pires, Andrea Soares, Flávio Sampaio e Alexandre Barbalho
- Quando: sexta (14), às 19 horas
- Onde: Casa Absurda (Rua Isac Meyer, 108 - Aldeota)
- Mais informações: @casaabsurda e (85) 98607-5502
- Gratuito.