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União Brasil: qual cenário do partido que mexeu com a eleição de 2022 no CE e é incógnita para 2026

Sigla é um dos redutos da oposição no Ceará, mas é cobiçado por lideranças da base governista

Escrito por
Igor Cavalcante igor.cavalcante@svm.com.br
Capitão Wagner e seus aliados durante coletiva de imprensa
Legenda: Capitão Wagner comanda o União Brasil no Ceará
Foto: Thiago Gadelha

A maior bancada federal do Brasil, um amplo tempo de propaganda eleitoral gratuita e recursos partidários que podem superar R$ 1 bilhão em todo o Brasil no próximo ano. É com esses atrativos que o União Brasil, partido que é um dos redutos da oposição no Ceará, tornou-se cobiçado pela base governista cearense, sob liderança do ministro Camilo Santana (PT).

Com pouco mais de três anos de existência, nascido a partir da fusão do DEM e do PSL, o União Brasil já surgiu como um dos maiores partidos do Brasil. Essa combinação de fatores alimenta uma disputa de bastidores no Ceará que começou antes mesmo da agremiação ser oficializada pela Justiça Eleitoral, em fevereiro de 2022.

Para tornar a legenda ainda mais atrativa, em 29 de abril deste ano, a cúpula da sigla anunciou a formação de uma federação com o Progressistas (PP). A união que irá gerar a maior bancada na Câmara, com 109 deputados, e a segunda maior no Senado, com 14 senadores. A "super federação" deve ter direito a quase R$ 1 bilhão só de Fundo Eleitoral. A junção aguarda apenas aval do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

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O peso do União Brasil para os governistas e para os oposicionistas

Cientista político Pedro Barbosa, que também é diretor técnico do Instituto de Pesquisa Opnus, aponta que essa federação alça o União Brasil a um outro patamar diante de siglas como o PT e o PL, que têm em seus quadros de filiados as duas maiores lideranças políticas em atividade no Brasil, o presidente Lula (PT) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). 

“A nova federação entra no jogo político com o maior tempo de propaganda no horário eleitoral, além da maior fatia dos fundos partidário e eleitoral. No cenário cearense, onde o partido pode marchar ao lado do governo ou lançar candidatura própria, tudo isso dobra de valor, pois contar com a aliança dessa federação não significa apenas aumentar o meu tempo de propaganda, mas também retirar esse tempo da candidatura adversária”, avalia. 

A cientista política Cleris Albuquerque, que é doutoranda em Políticas Públicas (Uece), localiza o União Brasil na centro-direita no Ceará, em uma posição oposicionista, com alinhamento a pautas bolsonaristas, mas não integralmente identificado com esse nicho, como ocorre com o PL. Segundo ela, esse posicionamento é estratégico para políticos que fazem oposição à esquerda, mas não são bolsonaristas tradicionais.

“O União Brasil pode ser um parceiro estratégico caso consolide uma aliança (principalmente para as eleições em 2026): além de possuir uma boa representatividade, o partido é bem organizado e estruturado”
Cleris Albuquerque
Cientista política e doutoranda em Políticas Públicas na Uece

Na avaliação de Pedro Barbosa, esse papel desempenhado na oposição faz a sigla ter uma relevância para o grupo ainda maior que para a base governista. Contudo, ele reforça que uma eventual conquista do União Brasil pelos governistas representa uma vitória dupla.

“Além do que falamos sobre o tempo de TV e fundo eleitoral, duas lideranças importantes e seus respectivos grupos precisariam se reorganizar. Para Roberto Cláudio, atualmente, o único grande partido que restaria para concorrer ao governo do estado seria o PL, de Jair Bolsonaro, que já tem lideranças muito consolidadas no Estado, o que não lhe permitiria, nem de longe, o mesmo protagonismo que o União hoje lhe oferece”, afirma.

“Numa outra perspectiva, para Capitão Wagner, acredito que o alinhamento do partido com o Governo significaria sua saída da direção do partido. Assim, mesmo que continuasse no União como uma voz dissidente, ele perderia o controle sobre a destinação dos recursos na eleição, o que seria bastante prejudicial para as candidaturas de seus aliados”, acrescenta. 

Independentemente do desfecho dessa disputa, Pedro Barbosa ressalta que a sigla enfrenta uma divisão interna inédita no Ceará. 

“Enquanto o grupo ligado ao Capitão Wagner atua como oposição, há grupos que têm se aproximado bastante do governo desde que Elmano de Freitas assumiu, como o de Roberto Pessoa, prefeito de Maracanaú, e do deputado Moses Rodrigues, que tem em Sobral sua principal base. A recente cereja desse bolo é a possibilidade de filiação de Roberto Cláudio ao partido, o que reforçaria as fileiras do grupo oposicionista, tendo como finalidade uma candidatura para unificar as oposições no Estado”
Pedro Barbosa
Cientista político e diretor técnico do Instituto de Pesquisa Opnus

Ofensiva governista

A nova ofensiva de Camilo Santana para tentar atrair o União Brasil para a sua zona de influência foi revelada pelo petista em maio deste ano, durante entrevista ao Diário do Nordeste. Ele disse que o partido "tem sido muito simpático" ao diálogo. "Hoje a deputada (federal) Fernanda (Pessoa) tem interesse em dialogar, o próprio deputado federal Moses (Rodrigues) tem se colocado à disposição para dialogar, tenho conversado com o presidente nacional do partido, o Rueda", listou.

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Nacionalmente, o União Brasil integra a base do Governo Lula, inclusive controlando três ministérios, mas tem um comportamento errático, colecionando demonstrações de infidelidade partidária e com ameaças constantes de desembarque da gestão. No caso do Ceará, a sigla é um dos pilares da oposição, sob o comando de Capitão Wagner, mas tem nomes alinhados com o governador Elmano de Freitas.

O petista, inclusive, reforçou o posicionamento de Camilo sobre o partido. “Sabemos que o União Brasil tem uma divisão, tem parlamentares e lideranças que são da oposição, parlamentares que são da base do governo do presidente Lula, que são da base do nosso governo. E vamos, evidentemente, dialogar permanentemente com todos os partidos que queiram colaborar com o que tem sido feito no estado do Ceará”, declarou Elmano ao Diário do Nordeste no último dia 16 de junho.

A primeira disputa pelo União Brasil

A ofensiva para atrair o União Brasil para a base governista cearense não é recente. Em 2022, antes mesmo de o registro ser aprovado pela Justiça Eleitoral, houve disputa com lideranças do bloco governista estadual pelo controle do União Brasil. Chiquinho Feitosa, hoje presidente do Republicanos Ceará, chegou a pleitear a posição. Se o empresário tivesse obtido êxito, possivelmente o partido estaria ao lado de partidos como o PT no Estado atualmente. 

À época, Wagner saiu na frente e articulou com o então presidente nacional do União Brasil, Luciano Bivar, a sua escolha como comandante da sigla. Com o martelo batido, a legenda passou a reunir os principais nomes da oposição cearense, ainda que alguns parlamentares mantivessem boa relação com lideranças petistas, conjuntura que permanece até hoje.

Para a cientista política Cleris Albuquerque, essa conquista de Wagner alçou o político a um novo estágio de liderança estadual. “O União Brasil é um partido que já começou forte. Estar na liderança de um partido de grande destaque no Ceará contribui para o fortalecimento de seu capital político, especialmente, por sua atuação na oposição, o que possibilita uma maior projeção e notoriedade em sua trajetória política”, aponta.

Reação do União Brasil

Em meio à pressão do grupo governista para assumir o comando do partido, nomes do União Brasil reagiram à ofensiva. Em entrevista ao Diário do Nordeste, Capitão Wagner ressalta que o interesse de seus adversários na sigla passa pelo “tempo de TV e rádio” e outras vantagens que o partido tem a oferecer pela sua representatividade.

“Mas o que ele (Camilo) tem prometido aí para um ou outro integrante da União Brasil, ele já prometeu para pelo menos oito pessoas diferentes, que são as duas vagas no Senado. Além de não existir qualquer possibilidade de nós irmos, essa mentira, esse ‘H’, como dizem os cearenses, a gente não come”
Capitão Wagner
Presidente do União Brasil no Ceará

Wagner diz que mantém diálogo constante com o presidente nacional do União Brasil, Antônio Rueda, e descarta qualquer risco de perder o comando da sigla. “O nosso presidente é muito experiente e tem uma palavra muito firme. Quando ele me entregou o União Brasil, ele pediu para que eu entregasse três deputados federais, nós entregamos quatro deputados federais e quatro deputados estaduais, então essa relação de confiança minha com o Rueda é muito forte, e acredito muito na palavra dele”, afirma.

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O presidente do União Brasil no Ceará destaca ainda que a sigla já tem articulações em andamento para 2026, como a filiação do ex-prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio. “Ele pode ser candidato a deputado federal, senador, governador ou qualquer que seja o cargo, é extremamente competitivo e ajuda o partido a crescer”, acrescenta.

No último dia 17 de junho, o político usou as redes sociais para minimizar a ofensiva governista. "Estaremos na oposição, tanto a nível nacional como a nível local. Tudo isso já confirmado inclusive hoje, quando liguei para o presidente nacional Antônio Rueda", ressaltou. "Essa é nossa posição clara e firme", disse.

Com o anúncio da filiação já feito, Roberto Cláudio também reforçou, em entrevista ao PontoPoder no início deste mês, que lhe foi garantido o papel de oposição em 2026. 

“Eu ouvi do próprio presidente Rueda que a Federação União Brasil-PP estará, nacionalmente, em uma aliança contra a candidatura do PT e também na oposição ao PT aqui no Ceará. Então, tanto a direção estadual, que é o Wagner, quanto a nacional deram essa garantia de que o partido estará na oposição. Essa é uma das razões, inclusive, para minha ida ao União Brasil”, disse.

O político ainda ironizou a fala de Camilo Santana, seu antigo aliado. “(Ele) quer promover um oitavo candidato ao Senado, né? Uma oitava promessa”, disse em referência à quantidade de pré-candidatos do grupo governista. 

Em seguida, o ex-prefeito citou o novo aliado, Capitão Wagner, para rebater Camilo. “Quando foi perguntado sobre isso, o Wagner apontou a contradição: ‘Estão reclamando da filiação do Roberto ao União Brasil, mas o Camilo disse que queria o União Brasil com ele. Como é isso, não serve para o Roberto, mas serve para ele?’ Então essa é só mais uma contradição dessa narrativa que o PT tenta criar”, concluiu o ex-prefeito.

A pouco mais de um ano das eleições, a disputa pelo comando do União Brasil coloca na mesa não apenas a briga por tempo de propaganda eleitoral gratuita e recursos eleitorais, mas também os rumos de uma ala da oposição ao PT no Ceará. Ao mesmo tempo, os petistas testam os limites de influência para minar as forças adversárias e avançar o arco de aliança governista.

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