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O peso da reação das instituições à tentativa de golpe contra a democracia do Brasil

Para cientistas políticos, a reação das instituições foi à altura do nível de gravidade que a ameaça exigiu. Contudo, eles apontam a necessidade de responsabilização de setores das Forças Armadas e da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF)

Escrito por Igor Cavalcante , igor.cavalcante@svm.com.br
No domingo (8), atos terroristas ocorreram contra a sede dos Três Poderes. Na segunda (9), lideranças do Executivo, do Legislativo e do Judiciário reagiram
Legenda: No domingo (8), atos terroristas ocorreram contra a sede dos Três Poderes. Na segunda (9), lideranças do Executivo, do Legislativo e do Judiciário reagiram
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil - Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Pouco mais de 24 horas separaram duas imagens que já nasceram históricas no Brasil: no domingo (8), centenas de pessoas avançavam sobre a rampa no Palácio do Planalto em ato terrorista contra a democracia; na segunda (9), dezenas de governadores e ministros, além dos chefes dos Três Poderes desceram a mesma rampa, sob escombros, em um ato de defesa da democracia.

Desde o último fim de semana, o já frenético ritmo de acontecimentos políticos no Brasil escalou com a ação de terroristas atacando o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF). Em resposta, as instituições brasileiras uniram-se e passaram a agir em diversas frentes para sufocar o ataque mais agressivo contra a democracia brasileira desde a ditadura militar.

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No dia seguinte à invasão e depredação, as principais lideranças do País desembarcaram em Brasília para atuar em conjunto, os trabalhos de reconstrução dos prédios públicos já começaram imediatamente e centenas de prisões foram realizadas. Servidores públicos suspeitos de facilitar os atos terroristas também começaram a ser exonerados.

Para cientistas políticos ouvidos pelo Diário do Nordeste, a reação das instituições foi à altura do nível de gravidade que a ameaça exigiu. Contudo, os pesquisadores apontam que a necessária responsabilização de setores das Forças Armadas e da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) ainda é um imbróglio que as autoridades terão de resolver.

“Para os agentes civis do processo, acho que a reação é condizente e está à altura. Agora, para o envolvimento de militares, não. Até agora não temos indicativo de responsabilização dos chefes do Gabinete de Segurança Institucional, também ainda não temos notícia do processo instalado de afastamento dos militares”
Marcos Paulo Campos
Professor de sociologia na Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA)

Responsabilização de militares

Ainda no domingo, o próprio presidente da República subiu o tom contra o apoio ou a omissão de militares diante dos atos terroristas. 

"Não é a primeira vez. Vocês vão ver nas imagens que eles estão guiando as pessoas na caminhada até a Praça dos Três Poderes. Quando houve a minha diplomação, vocês viram aquele quebra-quebra em Brasília à noite. A Polícia Militar de Brasília estava guiando e vendo eles tocarem fogo em ônibus e não fazia absolutamente nada. Esses policiais que participaram disso não poderão ficar impunes e não poderão participar da corporação, porque não são de confiança da sociedade brasileira", disse o petista. 

Nesta terça-feira, as primeiras reações efetivas mirando agentes da segurança começaram a ser tomadas. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou a prisão do ex-ministro do Governo Bolsonaro, Anderson Torres, que estava como titular da Secretaria da Segurança Pública do Distrito Federal.  

O magistrado ainda determinou a prisão do ex-comandante-geral da PMDF, coronel Fábio Augusto. Ele era o responsável pela corporação no dia da ação dos terroristas. Para a pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará (Lepem/UFC), Paula Vieira, é preciso avançar nas investigações.

“O ato mais simbólico de domingo, para mim, foi o movimento se aproximando do Congresso e os policiais escoltando. Achei muito marcante porque sinaliza o tamanho do risco desses ataques terroristas. Não para para acharmos que são manifestações legítimas, precisamos pensar em termos da segurança, o poder de polícia ali articulado com os atos terroristas”
Paula Vieira
Pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará (Lepem/UFC)

“Isso é grave porque significa que uma parte da instituição está a favor dos atos terroristas, foram coniventes, mais que coniventes, entendo que há ali um caráter de cumplicidade”, acrescenta. 

Para Marcos Paulo, além dos servidores da PMDF, é preciso responsabilizar agentes das Forças Armadas, especialmente do Exército, que endossaram os atos. 

“Considero esse o ponto mais delicado por conta do processo de bolsonarização das Forças Armadas, que agora reivindicam em silêncio ou em uma ação semi-secreta uma espécie de tutela na participação política”, aponta.

“A relação do Governo com os militares, o comprometimento desses agentes com os atos golpistas e a responsabilização de figuras como os generais Eduardo Pazuello e Braga Neto, assim como os responsáveis pelo Gabinete de Segurança Institucional e comandantes das Forças, são pontos nevrálgicos desse momento”, afirma Marcos Paulo.

Reação imediata do Executivo: intervenção federal

Quando agentes da Força Nacional da Segurança Pública e da PMDF ainda tentavam afastar os vândalos do entorno da Praça dos Três Poderes, na noite de domingo, o presidente Lula assinou um decreto determinando intervenção federal na Segurança Pública do Distrito Federal. 

"Eu espero que, a partir desse decreto, a gente possa não só cuidar da segurança do Distrito Federal, mas garantir de uma vez por todas que isso não se repetirá mais no Brasil", disse Lula. 

"É preciso que essa gente seja punida de forma exemplar, que essas pessoas sejam punidas de forma a que ninguém nunca mais ouse, com a bandeira nacional nas costas ou com a camiseta da seleção da brasileira, para se fingir de nacionalistas, para se fingirem de brasileiros, fazer o que eles fizeram hoje", prosseguiu.

Reações endossadas pelo Legislativo

Na segunda-feira (9), o decreto foi aprovado na Câmara dos Deputados. Nesta terça-feira (10), a intervenção foi aprovada pelo Senado Federal, em uma articulação do Legislativo Federal.

“Esses acontecimentos são crimes, e, como crimes, devem ser tratados como tais, não são excessos de manifestações democráticas,” disse Pacheco. “O Congresso Nacional jamais negou voz a quem queira se manifestar pacificamente. Mas nunca dará espaço para a baderna, a destruição e vandalismo”, escreveu Lira ainda no domingo.

Para a cientista política Grazielle Albuquerque, pesquisadora do Judiciário, a sequência de acontecimentos após os atos terroristas indicam uma mudança na relação entre os poderes. 

“Antes, com a eleição de Lula, tínhamos um distensionamento entre Executivo e Judiciário, o que não acontecia no governo Bolsonaro, mas o Congresso Nacional ainda não compunha um bloco, a pauta era basicamente o Orçamento Secreto (...) Então, até ali tínhamos o Judiciário e o Executivo mais próximos, mas agora o que aconteceu foi uma junção de autoproteção”
Grazielle Albuquerque
Cientista política e pesquisadora

“É um momento de união em nome de uma sobrevivência, agora, se isso futuramente irá se converter em uma agenda política governamental uníssona, não para saber agora. Acredito que o que teremos é que parlamentares do bolsonarismo vão passar por um constrangimento maior a partir de agora”, acrescenta a pesquisadora.

Judiciário reage com afastamento de governador e prisões

Na terça, Alexandre de Moraes seguiu a ofensiva no Judiciário, com a ordem de prisão de Anderson Torres e do coronel Fábio Augusto. Paralelamente, a Polícia Federal (PF) transferiu cerca de 500 pessoas, consideradas as mais radicais entre os presos desde domingo, para a Penitenciária da Papuda.

Na madrugada de segunda, Moraes já havia determinado o afastamento, por 90 dias, do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB).

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Conforme Paula Vieira, a reação em conjunto dos Três Poderes era necessária para demarcar a posição diante da crise. Ela, no entanto, pondera que é preciso que essa interação se mantenha até que a ameaça seja reduzida.

“Eles estão querendo mostrar que a relação entre o Executivo, o Legislativo e Judiciário é que vão compor e caracterizar a democracia no Brasil. Por isso Lula decretou a intervenção, o Legislativo confirmou e o STF atuou na determinação das prisões e das desocupações dos acampamentos. São demonstrações de força, mas será necessário que os três poderes permaneçam em diálogo e agindo em favor da democracia”, conclui.

Professora de graduação e pós-graduação em Direito da Unifor e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Mariana Dionísio de Andrade ressalta também que os poderes estaduais ficaram em alerta diante dos atos terroristas em Brasília. 

“Todos nós acompanhamos essa escalada: era um mero discurso e se tornou uma ação violenta. E o que sobrou dos espaços físicos dos Três Poderes só serve para mostrar o nível de violência que esses extremistas tentam impor”, pontua. 

Três Poderes a favor da democracia

Simultaneamente às ações isoladas dos três poderes, as lideranças do Legislativo, do Executivo e do Judiciário brasileiro também fizeram atos em conjunto. 

Na segunda-feira, Lula recebeu no Palácio do Planalto, ainda em meio aos escombros, governadores e representantes de todos os estados, além dos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e do vice-presidente do Senado Federal, Veneziano Vital do Rêgo. Também estiveram na reunião ministros do Governo Lula e magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF), entre eles a presidente da Corte, Rosa Weber.

Mesmo nomes da oposição ao PT, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), estavam em uníssono em defesa da democracia. 

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O governador disse estar "muito feliz" de estar presente na reunião. “Que Deus nos proporcione sabedoria para que a gente construa pacificação. Lembrando que a pacificação demanda gestos, gestos de todos, do Judiciário, Legislativo, Executivo, dos estados. Temos que aprender a construir gestos para ter desenvolvimento, dignidade”, disse.

Para a professora Mariana Dionísio, a reação em cadeia das principais lideranças do País naturalmente pressionou para que todos agissem em conjunto, mesmo nomes da oposição ao Governo Federal. "(Eles precisavam ir) sob o risco de perderem um pouco do capital eleitoral. Eles se fizeram presentes, assim como associações, universidades e outras instituições. Agora eles estão todos trabalhando e agindo em prol da democracia” ressalta.

Caminhada até o STF

O mais simbólico, destacado de forma unânime pelos cientistas políticos, foi a caminhada feita pelos políticos presentes na reunião após o encontro. A convite de Lula, eles desceram a rampa do Palácio do Planalto em mãos dadas e seguiram até a sede do STF. Lá, viram o prédio da mais alta Corte do país vandalizado, com pichações, vidraças quebradas e todo o mobiliário destruído.

“É como se a bala que foi lançada pelos bolsonaristas mais extremistas tivesse ricocheteado, foi um tiro que saiu pela culatra porque, contrariamente ao que os extremistas queriam, o presidente Lula agora está mais fortalecido do que nunca. Agora ele detém a imagem não apenas de um chefe de estado, mas de um combatente firme em prol da democracia brasileira”
Mariana Dionísio de Andrade
Professora de graduação e pós-graduação em Direito da Unifor e doutora em Ciência Política pela UFPE

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