Qual o histórico do PT na disputa pela Prefeitura de Fortaleza

O presidente da Assembleia Legislativa do Ceará, Evandro Leitão, será o candidato do partido em 2024

A oficialização da candidatura de Evandro Leitão (PT) à Prefeitura de Fortaleza, neste sábado (3), marca duas décadas em que o PT esteve presente em todas as disputas pelo Paço Municipal na capital cearense. 

Diferente das disputas anteriores, o partido terá como cabeça de chapa um 'recém-filiado'. Presidente da Assembleia Legislativa do Ceará, Evandro Leitão chegou ao Partido dos Trabalhadores no final de 2023, já ventilado como pré-candidato a prefeito e sob as bênçãos da principal liderança petista no Estado, o ministro da Educação, Camilo Santana (PT). 

O movimento é inverso ao observado em anos anteriores, quando quadros históricos do partido, como Luizianne Lins (PT) e Elmano de Freitas (PT), concorreram ao comando do Executivo municipal. A conjuntura política no País e no Ceará também é bem distinta das disputas eleitorais enfrentadas pelo PT nos últimos 20 anos. 

Evandro Leitão chega à disputa pela Prefeitura como um nome ainda pouco conhecido do eleitorado na Capital — sendo a primeira vez que concorre a um cargo no Executivo —, mas com uma candidatura apoiada por duas máquinas administrativas: a presidência da República e o Governo do Ceará. 

A presença do presidente Lula (PT) está confirmada na convenção partidária deste sábado. Essa será a primeira vez que Lula participa da campanha eleitoral para a Prefeitura de Fortaleza enquanto ocupa o Palácio do Planalto. Em 2004, o PT nacional não apoiou a candidatura de Luizianne Lins. Em 2008, ele não veio ao Ceará participar da campanha para reeleição da ex-prefeita. 

Dirigentes de partidos aliados — como o PDT — chegaram a pedir que Lula não se envolvesse na disputa em Fortaleza, já que Evandro Leitão terá como concorrentes candidatos de partidos aliados ao Palácio do Planalto em Brasília, o que acabou não sendo atendido. 

A nível estadual, a candidatura petista conseguiu atrair muitos dos partidos aliados que pertenciam à anteriormente ampla aliança entre PT e PDT no Ceará. Os dois partidos romperam em 2022, quando Elmano de Freitas e Roberto Cláudio (PDT) se enfrentaram na disputa pelo Governo do Ceará — com a vitória do petista ainda no 1º turno. 

Para 2024, Evandro Leitão terá, inclusive, o apoio de partidos que estiveram ao lado do PDT na disputa pelo Palácio da Abolição há dois anos, como o PSB e o PSD — legenda responsável por indicar a pré-candidata a vice-prefeita da chapa, a deputada estadual Gabriela Aguiar (PSD). 

Disputas eleitorais anteriores

A primeira disputa eleitoral em Fortaleza com a participação do PT foi apenas cinco anos depois do partido ser criado tanto no Ceará como no País. Maria Luiza Fontenele foi eleita em 1985, marcando a primeira vitória do PT na disputa pela prefeitura de uma capital brasileira. Ela também foi a primeira mulher a ser escolhida como prefeita de uma capital no País.

Três anos depois, em 1988, o PT passaria pela primeira crise interna causada pela eleição em Fortaleza. Na época, Maria Luiza apoiava o nome de Dalton Rosado para ser o candidato à sua sucessão. Os dois integravam o PRO (Partido da Revolução Operária), considerado uma espécie de sub partido dentro do PT.

Naquele ano, houve uma série de confusões durante a pré-convenção do partido — quando os filiados poderiam votar em delegados que, posteriormente, definiriam a tática eleitoral do PT e o representante do partido na disputa. Em alguns casos, ocorreram inclusive agressões. 

A pré-convenção foi suspensa e a então prefeita Maria Luiza, Dalton Rosado e outros militantes do PRO acabaram expulsos do PT. O partido lançou então o médico Mário Mamede como candidato à Prefeitura, mas ele acabou ficando apenas na 4ª colocação. Na eleição seguinte, em 1992, o PT também ficou na 4º colocação, desta vez tendo como candidato Fernando Ayres Branquinho. 

As duas eleições seguintes — em 1996 e em 2000 — foram as únicas em que o PT não apresentou candidatura para o Executivo municipal. Nessas disputas, o partido apoiou o nome do ex-senador Inácio Arruda (PCdoB). Houve inclusive uma terceira tentativa de apoiar a candidatura dele à Prefeitura em 2004. 

Contudo, naquele ano, houve uma divergência no PT que resultou no partido chegando dividido para a disputa eleitoral. Uma ala do partido queria apoiar o nome de Inácio Arruda para prefeito da Capital, uma tese defendida inclusive pelo diretório nacional do partido. Contudo, outra parte do partido queria lançar candidatura própria. 

No Encontro Municipal do PT, por apenas três votos, venceu a tese de candidatura própria, e a ex-prefeita Luizianne Lins foi escolhida candidata do PT. Antes da decisão, os ânimos chegaram a se exaltar e houve trocas de insultos entre as diferentes alas do PT Fortaleza. 

Apesar do resultado, parte das lideranças petistas continuou apoiando, ainda que informalmente, Inácio Arruda no 1º turno da votação. O presidente nacional do PT na época, José Dirceu (PT), chegou a vir para Fortaleza para participar de evento em apoio ao então deputado federal. 

Contudo, Luizianne Lins acabou indo para o 2º turno, quando venceu Moroni Torgan e levou o PT, pela segunda vez, ao comando da Prefeitura de Fortaleza. Ela seria candidata ao cargo outras três vezes. Em 2008, foi reeleita para o segundo mandato ainda no 1º turno. Em 2016 e 2020, ficou na 3º colocação. 

Em 2012, a escolha do candidato a prefeito de Fortaleza pelo PT também passou diretamente por Luizianne Lins. Ela estava encerrando o segundo mandato e, sem poder concorrer novamente ao cargo, indicou o nome do então secretário municipal de Educação, Elmano de Freitas. Um processo que também não foi livre de tensões. 

Foram apresentadas 13 possibilidades de pré-candidatos à Prefeitura apenas dentro do PT. Na época, havia uma disputa entre o então governador Cid Gomes e Luizianne Lins pela definição de quem seria o escolhido. A divergência entre eles quanto a quem deveria ser lançado acabou gerando o rompimento político — o primeiro entre PT e o grupo liderado pelos Ferreira Gomes. 

Com a escolha de Elmano pelo PT, Cid Gomes lançou o então presidente da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), Roberto Cláudio, como candidato. Os dois foram para o 2º turno, com a vitória de RC. 

Escolha petista em 2024

A escolha de Evandro Leitão para concorrer à Prefeitura de Fortaleza pelo PT também foi fruto de disputa interna. Principal concorrente dele, Luizianne Lins chegou a defender que fossem realizadas prévias para a definição da candidatura petista — na qual todos os filiados poderiam votar diretamente para escolher o candidato. Com a mediação do governador Elmano de Freitas, a definição acabou ficando para o Encontro Municipal, quando a decisão esteve na mão de delegados anteriormente escolhidos pelos filiados.

Evandro chegou ao Encontro com a maioria dos delegados — número que aumentou após Guilherme Sampaio e Larissa Gaspar desistirem da pré-candidatura em apoio a ele. Minutos antes da definição, Luizianne Lins retirou a pré-candidatura, e os delegados que a apoiavam se abstiveram da votação que confirmou o nome de Evandro Leitão. 

Desde então, a ex-prefeita tem estado ausente das discussões eleitorais na Capital. Ela é coordenadora da campanha de Waldemir Catanho, forte aliado dela e pré-candidato a Prefeitura de Caucaia, e tem participado dos atos dele na cidade da Região Metropolitana. 

Em entrevista no último sábado (27), quando lançou o Campo de Esquerda, Luizianne chegou a falar, inclusive, que "não tem como não se chatear com questões que aconteceram nesse processo" de escolha do PT Fortaleza. Antes disso, ela tinha falado a respeito de "interferências externas" na disputa interna do partido. 

Sanar essas 'fraturas internas' do partido — deixadas após o embate para a definição da candidatura — é apontado como um dos principais desafios a ser enfrentado por Evandro Leitão para a campanha eleitoral. "Porque, de fato, ele precisa do grupo de Luizianne e precisa desse voto da Luizianne. A gente já está vendo que outros candidatos estão fazendo gestos para pegar esses votos", pontua a coordenadora do Laboratório de Estudos de Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará (Lepem/UFC), Monalisa Soares. 

A pesquisadora argumenta, inclusive, que é possível perceber que a campanha de Evandro Leitão tende a ser "mais vermelha" do que a de Elmano de Freitas em 2022, inclusive com a defesa do legado de Luizianne Lins na Prefeitura de Fortaleza —, pela força eleitoral que a ex-prefeita possui na Capital. 

"Ele vai precisar sinalizar para esse eleitor da Luzianne que ele também reputa o legado da Luizianne e também porque, em alguma medida, vai precisar sanar essa fratura interna que foi o processo decisório que o escolheu.(...) O Evandro vai, em alguma medida, sinalizar a defesa de uma parte desse legado. Ou pelo menos espera-se que ele faça isso com vistas a esses dois movimentos: atingir diretamente o eleitor muito personalisticamente vinculado a Luizianne e também tentar sanar minimamente essas fraturas internas".
Monalisa Soares
Coordenadora do Lepem/UFC

A cientista política Mariana Dionísio concorda com a necessidade de uma "pacificação" interna do partido para a disputa eleitoral. "O momento político atual exige de Evandro Leitão um movimento de pacificação e esforço para reunificar a legenda. Seria um passo acertado tentar realinhar o apoio político e retomar o canal de diálogo com a Luizianne Lins", configura.  

Por enquanto, no entanto, não há garantias dessa presença da ex-prefeita. Presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann falou sobre o assunto quando esteve em Fortaleza no início de julho. Próxima a Luizianne, a deputada federal paranaense disse que a ex-prefeita deve ter "senso de estar junto e de responsabilidade no processo da campanha". 

Trunfos e desafios para a campanha

Apesar do desafio interno imposto a Evandro Leitão, Monalisa Soares lembra que, em 2024, "é inegavelmente uma situação melhor" para o PT do que as disputas vivenciadas em 2016 — pouco depois do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) — e 2020. 

"Partidariamente, a campanha do Evandro está melhor. O governo está na presidência (da República), a presidenta nacional do partido endossou a nome, tem a maior liderança do Estado, o governador. Então, ele tem conjunto de coesão, relativamente, partidária, e um partido mais forte nesse momento com ele", afirma. O "principal trunfo" do petista será, portanto, estar com o "partido bem estruturado e que está no poder, a nível estadual e nacional", completa. 

Soares afirma ainda que será necessário saber como a presença dessas lideranças — principalmente Lula, Camilo Santana e Elmano de Freitas — deve se projetar na imagem de Evandro Leitão, que ainda é uma figura "desconhecida" para grande parte dos fortalezenses. 

"Um candidato desconhecido, que para muita gente pode parecer ruim, às vezes é bom numa campanha curta, em que se faz uma exposição intensiva e se apresenta ele a partir dessas conexões", argumenta. 

Mariana Dionísio pontua, no entanto, que "gerar essa identificação é uma tarefa que, além de desafiadora, exige tempo e estratégia".

"Ainda, há três grandes pontos de preocupação para o candidato do PT: a dificuldade em agregar os votos do partido, o trabalho de conquistar os eleitores de candidatos com menor projeção numérica nas pesquisas e, principalmente, a tentativa contínua de se manter com baixos indicadores de rejeição", acrescenta.