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De Maria Luiza a Luizianne, encontros do PT para decidir candidatos somam reviravoltas e acirramento

O histórico de encontros municipais do PT aponta um cenário de pouca tranquilidade nos eventos

Escrito por Alessandra Castro , alessandra.castro@svm.com.br
PT
Legenda: PT definirá neste domingo quem será seu representante na disputa pela Prefeitura de Fortaleza
Foto: Thiago Gadelha

O Partido dos Trabalhadores (PT) vai realizar, neste domingo (21), mais um encontro municipal para definir quem será o candidato da agremiação na eleição pela Prefeitura de Fortaleza, a ser realizada em outubro próximo. Ao todo, 200 delegados escolhidos por filiados da legenda irão se reunir no Hotel Oasis Atlântico, no bairro Meireles, para escolher um dos cinco pré-candidatos apresentados: Luizianne Lins, deputada federal e ex-prefeita; Evandro Leitão, presidente da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece); Larissa Gaspar, deputada estadual; Guilherme Sampaio, suplente de deputado estadual em exercício e presidente do partido em Fortaleza; e Artur Bruno, secretário especial do Governo do Estado. 

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Os nomes dos delegados indicam uma preferência por Evandro Leitão, já que a maioria deles são de chapas que apoiam o seu nome. Juntas, elas somam 118 representantes pró-Evandro. Todavia, foi a chapa de Luizianne Lins que obteve a maior votação individual, no último dia 7 deste mês, elegendo 58 delegados. O restante ficou distribuído entre Guilherme (20) e Larissa (4).  

Apesar de as cartas estarem à mesa, isso não significa que o jogo está concluso e nenhuma intercorrência pode acontecer. O histórico de encontros municipais do PT, inclusive, aponta um cenário de pouca tranquilidade nos eventos, com direito à pancadaria, documentos "surrupiados" e reviravolta. 

O Diário do Nordeste separou três dos encontros mais acirrados da legenda. Confira abaixo. 

1988 

Domingo, 24 de abril de 1988. O relógio marcava 9h quando os portões das zonais do PT espalhados pela Cidade se abriam para dar início à pré-convenção do partido, prévia que antecipava a escolha dos delegados responsáveis por definir a tática eleitoral e o representante da sigla em Fortaleza. O dia do evento já começou sob tensão, com filiados indo votar carregando placas e entoando palavras de ordem a favor de seus pré-candidatos nas portas das zonais. Ali, no entanto, não era possível imaginar que, tão logo, pré-convenção nenhuma iria mais ocorrer. 

Assim como agora, a escolha dos delegados pela militância da legenda já indicava a preferência por uma pré-candidatura. Por isso, eleger representantes alinhados a um pretenso postulante poderia representar vitória de uma das forças internas do PT, que já disputavam entre si. Naquele momento, eram quatro os pretensos candidatos: Dalton Rosado, secretário municipal de Finanças; o presidente do Instituto Doutor José Frota (IJF), Mario Mamede, o deputado João Alfredo, e Antonio Campelo

convenção PT
Legenda: Matéria do Diário do Nordeste do dia 25 de abril de 1998 sobre confusão em pré-convenção do PT

À época, o Partido dos Trabalhadores detinha o comando da Prefeitura, representado por Maria Luiza Fontenele — primeira mulher prefeita de uma capital. Ela, por sua vez, não era tida como "petista autêntica", e sim do PRO (Partido da Revolução Operária) — uma espécie de subpartido dentro da agremiação, com visões mais "radicais" sobre pautas sociais, mas sem CNPJ próprio, subsistindo no PT. É o que explicam petistas ouvidos pela reportagem. 

Naquela manhã de 24 de abril, na zonal 1, no Teatro São José, militantes "clandestinos" chegaram em dois ônibus "lotados", empunhando faixas com nome de Dalton Rosado — pré-candidato à Prefeitura apoiado por Maria Luiza — e gritando palavras de ordem. Eram cerca de 80 pessoas ligadas ao PRO que desceram dos coletivos para poder votar nas zonais.  

Eles, no entanto, foram impedidos pelos "petistas autênticos" porque haviam se filiados havia apenas uma semana e não tinha cumprido "praxes oficiais" do partido, por isso, tiveram suas filiações impugnadas pela Executiva. Foi aí que a confusão começou.

Os recém-filiados não reconheciam a impugnação de suas filiações e queriam votar mesmo assim. Na tentativa de impedi-los, houve troca de socos, pontapé, listas com os nomes dos filiados que iriam votar rasgadas, troca de palavrões e, no meio disso tudo, o presidente interino do Diretório Regional do PT, José Guimarães (hoje, deputado federal), acabou sendo agredido e teve sua pasta com documentos "surrupiada", como aponta matéria do Diário do Nordeste de 25 de abril daquele ano — um dia após o episódio. 

Em paralelo, a reportagem dá conta de que Maria Luiza e Dalton Rosado "a tudo assistiram passivamente", sem intervir. Acabou que, na zonal 1, a votação para eleger delegados foi suspensa. Em outras zonais, episódios semelhantes ocorreram, o que levou o partido, mais tarde, no mesmo dia, a suspender de vez a realização da pré-convenção. 

PT
Legenda: Matérias do Diário do Nordeste do dia 26 de abril de 1988, quando diretório regional comunicou expulsão da então prefeita Maria Luiza da legenda

O grupo de "militantes clandestinos", forma como foram classificados pela Executiva da legenda, fazia parte das 905 pessoas que se filiaram ao PT na semana anterior e apoiavam a candidatura de Dalton Rosado. Todavia, para a prefeita Maria Luiza, tratava-se de "discriminação" a seu grupo político. 

Petistas ouvidos pela reportagem apontam que, à época, a gestão de Maria Luiza estava mal avaliada. Por isso, o que a Executiva petista queria mesmo era apoiar o nome do radialista e deputado Edson Silva, do PDT. A tese de candidatura própria foi a que vingou. No fim das contas, Mário Mamede, tido como "petista autêntico", foi quem representou a legenda naquele pleito. Ele, porém, não saiu vencedor. 

Além disso, Maria Luiza acabou sendo expulsa do partido junto com Dalton Rosado, Rosa da Fonseca e outros militantes que compunham o PRO dentro do Partido dos Trabalhadores. A decisão foi tomada no dia posterior aos episódios de confusão registrados em zonais da pré-convenção. Ela até tentou recorrer da decisão, mas não teve jeito, e, com a decisão, o PT perdeu a primeira mulher prefeita de uma capital brasileira. 

2004 

Anos mais tarde, em 2004, o encontro municipal do PT ficaria, mais uma vez, marcado na história do partido. No dia 15 de fevereiro daquele ano, no Sindicato dos Comerciários de Fortaleza, no Centro, o partido realizava votação para escolher qual seria a tática para a eleição pelo Paço Municipal. O resultado foi definido voto a voto. 

Naquele momento, os delegados já estavam escolhidos, mas o cenário ainda era nebuloso, com praticamente um empate técnico entre as teses defendidas. Havia apenas duas teses em disputa: a do partido ter candidatura própria e a de apoio a Inácio Arruda, pré-candidato à Prefeitura pelo PCdoB. A força política do grupo de Luizianne defendia a candidatura, com ela, inclusive, sendo apresentada como pré-candidata. 

PT 2004
Legenda: Matéria do Diário do Nordeste do dia 16 de fevereiro de 2004 sobre resultado do encontro municipal do PT

À época Luizianne vinha em uma expoente, não tendo sofrido uma única derrota desde que começou a concorrer a cargos eletivos. Estava no primeiro mandato como deputada estadual, após dois mandatos como vereadora - o segundo, tendo deixado na metade para concorrer ao Legislativo estadual. Já Inácio tinha mais "recall" em disputas eletivas, tendo sido eleito uma vez como vereador, uma como deputado estadual e estava no segundo mandato como deputado federal.  

De acordo petistas, o nome de Inácio era o preferido porque o PCdoB e o PT eram aliados a nível nacional, e a primeira legenda apresentou duas capitais como prioridade: Fortaleza e Manaus. Além disso, Inácio aparecia bem postado nas pesquisas. Como a sigla estava bem a nível nacional, a ala aliada a Lins achou que era o momento de o partido tentar emplacar um nome na Capital. 

No dia 15 de fevereiro, durante o encontro municipal, muita água rolou até sair o resultado. Primeiro, houve uma votação para decidir se o voto seria secreto ou aberto. O voto secreto ganhou. A modalidade era defendida pela ala do partido estadual, encabeçada pelo então deputado estadual José Guimarães, pelo então vereador José Airton (hoje, deputado federal), pelo então deputado estadual Artur Bruno (hoje, assessor especial do Governo do Estado), pelo então prefeito de Quixadá, Ilário Marques, entre outros. O grupo defendia a aliança em torno de Inácio. Eles contavam com o "voto envergonhado" diante do acirramento da disputa. 

2004 LUIZIANNE PT
Legenda: Matéria do Diário do Nordeste de 16 de fevereiro de 2004, após vitória de tese de Luizianne sobre candidatura própria à Prefeitura de Fortaleza

Durante a votação do modelo de voto, integrantes de ambas as chapas defenderam suas teses. No momento, houve entoação de palavras de ordem, com exaltação de alguns militantes e troca de insultos. O Sindicato dos Comerciários estava lotado, até quem não era membro do partido foi ao local para acompanhar o evento. Na ocasião, petistas alegam que José Guimarães, líder do PT na Alece, à época, acabou "puxando a orelha" dos manifestantes para se comportarem na frente da imprensa, para não passar a ideia de que o partido estava em atrito, com a unidade interna ameaçada. Ele conseguiu, os ânimos se acalmaram durante a apuração naquela tarde. 

Porém, um fato inusitado não passou despercebido à imprensa: o militante Elis Pereira de Sousa, à época com 37 anos, "virou a casaca". Vestido com blusa de apoio à Luizianne, em determinado momento ele retirou a camisa e jogou chão. Claramente emocionado, justificou a atitude dizendo de que estava "votando em quem acreditava". Por isso, foi a favor do voto secreto, e não do voto aberto.

"Estou votando em quem acredito. Eu fui abandonado por eles quando passei por dificuldades e não devo nenhum favor a eles", reclamou, sendo amparado por José Airton, Artur Bruno e Ilário Marques sob gritos de "traidor". 

No momento, houve tumulto. Depois, a votação seguiu para escolher qual seria a tese. Já no fim da tarde, o anúncio saiu: o PT iria ter candidatura própria em Fortaleza. E a teve venceu por três votos: foram 125 contra 122. Militantes da ala de Luizianne comemoraram, levando a petista aos braços e já gritando palavras de ordem com ela como prefeita.  

O grupo da petista que defendia apoio a Inácio informou que não reagiria ao resultado. Artur Bruno, que à época também havia se apresentado como pré-candidato, retirou a pré-candidatura, reconhecendo que a "turma" queria Luizianne. 

A possibilidade de intervenção nacional foi logo descartada. Depois dali, Luizianne foi mesmo confirmada como candidata, mas saiu sem apoio da Executiva nacional do partido no primeiro turno. Teve até o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, vindo a Fortaleza no período de campanha para participar de um evento de apoio a Inácio. No fim das contas, Lins foi para o segundo turno, momento em que o PT e Lula passaram a apoiá-la, vindo a ser eleita como prefeita. 

2012 

Em 2012, novas tensões marcariam o PT na disputa pela Capital. Naquela ocasião, o atrito começou por rompimento da então prefeita com o Governo do Estado, que estava sob o comando do governador Cid Gomes (hoje, senador). As farpas entre os dois já vinham sendo trocadas antes de pré-candidatos serem anunciados.  

Encontro Municipal PT 2012
Legenda: Matéria do Diário do Nordeste do dia 4 de junho de 2012 sobre Encontro Municipal do PT em Fortaleza

Nos bastidores alguns nomes já rolavam, conforme petistas ouvidos pela reportagem. O debate inicial girava em torno do então secretário de Educação de Fortaleza, Elmano de Freitas (hoje, governador), e do então secretário de Governo do Município, Waldemir Catanho (hoje, pré-candidato a prefeito de Caucaia). Eles eram as possibilidades apresentadas pela então prefeita, por serem próximos a ela. Já Cid tinha petistas no seu Governo e colocou os nomes na mesa. Eram eles: Camilo Santana, então secretário das Cidades; Professor Pinheiro, secretário da Cultura e ex-vice-governador; e Nelson Martins (atual assessor especial do Governo do Ceará), então secretário de Desenvolvimento Agrário. 

O preferido de Luizianne era Elmano, enquanto o de Cid era Camilo. Acabou que os estranhamentos entre os dois foram aumentando, sem nenhum acordo sobre o assunto. Com isso, 13 opções acabaram sendo apresentadas como pré-candidatos pelo PT.  

Na época, a tese do Cid, é que um secretário da Luizianne teria muito dificuldade para ser eleito porque a gestão da petista estava mal avaliada. Ela, por sua vez, refutava, chegando a declarar que "elegeria até um poste". Cada um, por sua vez, queria indicar quem fosse de sua confiança. No fim, nenhum dos dois cedeu.  

Encontro Municipal PT 2012
Legenda: O presidente nacional do PT em 2012, Rui Falcão, esteve presente no encontro municipal petista. Na ocasião, ele declarou ter ouvido de Luizianne que a legenda votaria no candidato de Cid para o Governo do Estado em 2014 se a aliança fosse mantida
Foto: Tuno Vieira/Arquivo Diário do Nordeste

Internamente, o PT acabou mais uma vez ficando dividido, e um encontro municipal foi marcado. Das 13 pré-candidaturas apresentadas, restaram apenas duas: Elmano de Freitas, defendido por Luizianne, e Artur Bruno. O então secretário da Educação acabou sendo o escolhido pela maioria dos delegados, com quase 90% dos votos obtidos no encontro municipal realizado em junho daquele ano. 

Para alguns petistas, o encontro foi apenas uma "formalização" do nome de Elmano, "sem confusão". Em paralelo, Cid apresentou o nome do então presidente da Assembleia Legislativa, Roberto Cláudio (hoje, presidente do PDT Fortaleza), na disputa. Ele, inclusive, foi quem saiu vitorioso naquela eleição. 

Encontro Municipal PT 2012
Legenda: Matéria do Diário do Nordeste do dia 4 de junho de 2012 sobre Encontro Municipal do PT em Fortaleza

Mais tarde, no entanto, em um novo embate, dessa vez pelo comando do Governo do Ceará, Elmano foi quem levou a melhor sob Roberto Cláudio. O petista foi eleito governador em 2022, no primeiro turno. 

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