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Com o comando do Estado e da União, PT acumula crises locais no Ceará para definir chapas eleitorais

Partido tem momento de alinhamento histórico no Estado e no Governo Federal, mas a chegada de novos filiados tem provocado um choque de interesse com nomes tradicionais da sigla

Escrito por Igor Cavalcante , igor.cavalcante@svm.com.br
Há embates entre petistas em Fortaleza, Iguatu, Maracanaú, Crato, Icó e Caucaia
Legenda: Há embates entre petistas em Fortaleza, Iguatu, Maracanaú, Crato, Icó e Caucaia
Foto: Thiago Gadelha

O Partido dos Trabalhadores (PT) passa por um momento único da sua história no Ceará. Pela primeira vez, a sigla comanda o Governo do Estado, a Presidência da República e tem sua principal liderança estadual, Camilo Santana (PT), em um ministério estratégico para o Governo Federal. Além dele, um dos quadros mais tradicionais do Partido no Ceará, o deputado federal José Guimarães (PT), é líder do Governo na Câmara dos Deputados. Nos municípios, desde as últimas eleições locais, em 2020, a legenda expandiu seu domínio de 17 para 42 prefeituras no Ceará.

A menos de seis meses para o novo pleito municipal, todos esses elementos colocam o PT em um patamar dos mais favoráveis no Estado. Contudo, a sigla tem acumulado e enfrentado crises em municípios estratégicos. Os impasses, com direito a desfiliação de quadros históricos da legenda, acusações de traição e intervenção de forças estaduais, têm como plano de fundo a chegada de “novos petistas” com interesses que entram em rota de colisão com figuras mais tradicionais da sigla.

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Em Fortaleza, por exemplo, a disputa ficou polarizada entre a ex-deputada Luizianne Lins (PT) e o recém-ingresso no PT, Evandro Leitão, presidente da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece). Em Iguatu, o militante histórico Dr. Sá Vilarouca deixou a sigla com a chegada do pré-candidato Ilo Neto. Em Icó, a adesão da prefeita Laís Nunes provocou reações de repúdio em seus correligionários. Há disputas acirradas ainda em municípios como Crato e Maracanaú.

Emanuel Freitas, professor de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará (Uece), aponta que esse movimento de atração de novos filiados — principalmente mandatários — é natural para partidos que estão em momentos políticos favoráveis e com a “máquina pública” nas mãos.

“Antes de ser a história do PT é uma história da tradição governista no Ceará. Quando o governador era do PSDB, o partido tinha a maior quantidade de prefeitos, filiados e deputados no Ceará. Quando o governador passa a ser do PSB e depois do Pros, há essa mudança também. Depois, temos o PT e aí se mantém com o Camilo Santana porque ele era um PT-PDT”, contextualiza Freitas.

“O que está acontecendo com o PT agora, tendo esse inchaço, nada mais é do que a nova expressão do governismo do Ceará. Se quiséssemos utilizar uma expressão do Joaquim Nabuco, é a ‘sedução do trono’ (...) Então, é um movimento que acontece dentro da tradição do Ceará. Se a oposição ganhar e chegar ao poder, isso também vai acontecer porque prefeitos e deputados querem estar aliados a quem detém o poder da caneta”
Emanuel Freitas
Professor de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará (Uece)

Atração e reação

Tão comum quanto o movimento de atração de novos quadros é a reação daqueles que já estavam na sigla, avalia o cientista político Cleyton Monte, que também é professor universitário e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará (UFC).

“É muito comum esse embate entre os históricos e os neófitos, aqueles recém-ingressos no partido, porque há uma disputa por espaço. Por exemplo, quando um prefeito ingressa no PT, geralmente, ele busca o comando do diretório municipal da cidade que ele governa, isso causa atrito com os filiados e com as lideranças do município que estavam lá há 10 ou 20 anos”
Cleyton Monte
Cientista político, professor universitário e pesquisador

Essas insatisfações, na avaliação dele, tendem a não encontrar eco nas lideranças estaduais e nacionais por conta da sinalização dos diretórios de que o partido deve realmente se expandir. “Isso envolve acolher novos prefeitos, das mais diferentes ideologias, das mais distintas correntes e dos passados mais diversos”, ressalta.

Para Emanuel Freitas, ainda que esse movimento seja fundamental para o crescimento da legenda, ele “não acontece, obviamente, sem ser produto de uma maior desideologização do partido”.

“Ao mesmo tempo que essa entrada em massa é produzida pelo pragmatismo, ela também o produz no sentido de que vão sendo importantes para o partido não mais aqueles que estão identificados historicamente com a luta da classe trabalhadora”, conclui.

Cleyton pondera que a principal particularidade, no caso do PT, é que o partido é organizado por correntes internas. “Elas têm voz e debatem, é um partido que tem democracia interna. Por mais que a gente possa visualizar lideranças mais destacadas, com mais peso e que direcionam, essas correntes fazem barulho, então esses embates já aconteciam e vão continuar acontecendo”, afirma.

Partidos políticos precisam crescer

Vivendo esse bom momento atualmente, o PT enfrentou uma crise sem precedentes entre 2015 e 2018 com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e a prisão de Lula (PT), à época, pré-candidato à Presidência da República. Já em 2022, o petista conseguiu concorrer de fato ao cargo e foi eleito, derrotando o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). 

A vitória de Lula marcou uma retomada de protagonismo do partido. No Ceará, o ex-governador Camilo Santana conseguiu se manter no poder mesmo nos momentos mais críticos nacionalmente para os petistas. Contudo, foi em 2022, com Elmano de Freitas sendo eleito ainda no primeiro turno, que a sigla demonstrou sua força no Estado.

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Desde de 2020, o PT Ceará vem se fortalecendo com a ampliação de sua bancada parlamentar no Estado, chegando a sete cadeiras na Alece. Camilo Santana assumiu a liderança do grupo governista no Ceará e chegou ao comando do Ministério da Educação. Entre prefeitos, os 17 eleitos em 2020 assistiram à chegada de outros 25 nomes, totalizando 42 mandatários.

“O impacto imediato dessas filiação em massa de prefeitos ao PT é uma maior estrutura, maior capilarização, maior poder de barganha, mais espaço em cargos públicos, mais espaço no legislativo, um maior capital político para eleições estaduais, mais recursos também, porque o partido, quando tem mais prefeitos, ele passa a ter um olhar especial do diretório nacional, então esse é o impacto maior, ele passa a ser uma força política de destaque”, destaca o cientista político Cleyton Monte.

Emanuel Freitas reforça que o “sonho de qualquer partido” no poder é se “reproduzir e ampliar seus quadros”. 

“Até para que ele continue existindo na condição de partido. Nesse sentido, você vai sacrificando, ou como diz a essência política, você vai cristianizando nomes históricos em nome daqueles que apresentam alguma competitividade. É um movimento da classe política de chegar àqueles que estão detendo o poder e também de salvar-se mesmo, porque a classe política não quer estar com quem perdeu, ela precisa estar com quem ganhou”, ressalta. 

Impasses locais

Fortaleza

Na Capital, a disputa entre Luizianne Lins e Evandro Leitão tem como plano de fundo uma queda de braço entre nomes mais tradicionais do partido e outros mais recentemente filiados. O petista destaca como principais fiadores de sua pré-candidatura Camilo Santana e José Guimarães — que estão há décadas no PT — , mas ele próprio se filiou em dezembro do ano passado.

Sem citar diretamente o correligionário, Luizianne constantemente questiona sobre onde estavam alguns atores hoje na legenda quando o PT vivia momentos de crise. Ela também tem ressaltado que se dispôs a concorrer nas eleições de 2016 e 2020, períodos em que a sigla também enfrentava dificuldades.

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Ao menos no caso de Fortaleza, a expectativa é que o impasse termine neste domingo (21), quando o PT municipal realiza um encontro municipal entre 200 delegados. O colegiado irá votar e decidir entre algum dos cinco pré-candidatos. Além de Luizianne e Evandro, também estão na disputa o presidente do diretório municipal, Guilherme Sampaio (PT); a deputada estadual Larissa Gaspar (PT); e o assessor especial do Governo do Ceará, Artur Bruno (PT).

Mesmo recém-chegado ao partido, Evandro recebe apoio de 118 dos 200 delegados. Luizianne contabiliza 58; Guilherme, 20; e Larissa, 4. 

Por enquanto, a disputa segue tensionada. Logo após a definição dos delegados e com a vantagem garantida, Evandro tentou fazer um aceno a Luizianne, se dispondo a dialogar e defendendo a unidade da legenda. Já a parlamentar não demonstrou a mesma disposição e ainda reafirmou a preocupação com o que chamou de “influências externas que invadiram a integridade dos processos internos do PT”. 

PT decide quem será seu pré-candidato neste domingo (21)
Legenda: PT decide quem será seu pré-candidato neste domingo (21)
Foto: Thiago Gadelha

Enquanto isso, lideranças petistas tentam amenizar a tensão da sigla. No mesmo dia em que a sigla definiu a composição do encontro municipal, José Guimarães defendeu a unidade do partido e reforçou que o PT não corre qualquer risco de rachar por conta de disputas internas. “Isso aqui faz parte da cultura do PT, não tem esse negócio de racha, não, isso aqui é parte da cultura do PT, o PT é assim, democrático, as chapas disputam e, ao final, o PT é um partido nacional que preserva a sua unidade e a sua história, não tem nada de racha”, concluiu.

Iguatu

Em Iguatu, a disputa interna no PT terminou com a desfiliação de um dos quadros históricos do partido na Cidade. A nível municipal, a sigla indicou a pré-candidatura do empresário Dr. Sá Vilarouca em janeiro deste ano. Contudo, em uma articulação com lideranças estaduais, o deputado estadual Agenor Neto (MDB) conseguiu emplacar a pré-candidatura de seu filho, Ilo Neto.

O filho do parlamentar deixou o PSB e teve sua filiação aprovada pelo diretório do PT Ceará, que o lançou como pré-candidato de imediato. A decisão fez o PT Iguatu se levantar contra as lideranças estaduais, repudiando a filiação de Ilo Neto.

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“Decisão essa que tem claras intenções de tentar interferir em uma decisão democrática”, dizia nota do diretório municipal. “Pode-se dizer que é fácil estar ao lado das conquistas, que foram muitas nos governos populares do PT, mas somente os abnegados permaneceram nos momentos de convulsão, perseguição e ataques”, acrescentava o texto, que repete argumento semelhante ao adotado por Luizianne Lins.

Já Ilo Neto ressaltava que sua chegada ao PT tinha apoio de lideranças como o governador Elmano de Freitas, o ministro Camilo Santana e o deputado federal José Guimarães.

Em meio ao embate, Sá decidiu deixar o partido a que foi filiado por cerca de 40 anos, se juntou ao PSB de Iguatu e agora é pré-candidato pela sigla na cidade. No vídeo de anúncio de desfiliação, o empresário disse que se sentiu traído pelos ex-correligionários.

Maracanaú

Se em Iguatu a disputa interna entre petistas parece ter terminado com a saída de um integrante histórico da sigla, em Maracanaú o embate entre diferentes alas do partido segue a todo vapor. O impasse ocorre porque a sigla aprovou, em 21 de março, o apoio à reeleição do prefeito Roberto Pessoa (União).

Na prática, a decisão também recusou a pré-candidatura do deputado estadual Júlio César Filho (PT) a prefeito da cidade. Apesar da postura oposicionista do parlamentar, o PT de Maracanaú integra a base aliada ao prefeito, inclusive fazendo parte do Governo. 

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O deputado, contudo, não se deu por vencido e agora aposta na “influência dos líderes”, entre eles Camilo Santana, Elmano de Freitas e José Guimarães para tentar reverter a decisão. Ele toma como base uma resolução do PT de que diretórios de cidades com mais de 100 mil habitantes precisam remeter as decisões às instâncias superiores: o diretório estadual e nacional. 

Júlio César segue com a pré-candidatura nas redes sociais e protocolou dois recursos ao PT Ceará e diretório nacional do partido para anular a decisão do PT Maracanaú. 

Crato

Outro ponto de tensão interna no PT é na cidade do Crato, onde petistas passaram a disputar entre si quem será o indicado para liderar a chapa. A Executiva municipal chegou a lançar, em novembro, o vereador Pedro Lobo (PT) como pré-candidato, após o parlamentar ter apoio de dois terços da direção municipal do PT. 

Contudo, a Executiva estadual do partido acabou derrubando a decisão e ampliando o prazo para discussão, o que, na prática, permitiu o lançamento de outra pré-candidatura, a de Rondinele Brasil (PT), chefe de Gabinete Adjunto da Prefeitura do Crato. Os dois pré-candidatos têm polarizado a disputa no município. Outros nomes petistas na disputa incluem a secretária de Educação do Governo do Ceará, Eliana Estrela e o vice-prefeito André Barreto.

Contudo, enquanto a incerteza sobre o nome continua, o tensionamento na disputa só aumenta. No início do mês, a secretária-geral do PT Crato, Socorro Lobo, irmã do pré-candidato Pedro Lobo, anunciou a desfiliação do PT e fez críticas aos ex-correligionários com acusações de que lideranças petistas estão “escanteando” aqueles que estiveram no partido nos “momentos difíceis”.

Entre os aliados mais próximos ao prefeito Zé Ailton Brasil (PT), a expectativa é de que a decisão sobre o pré-candidato saia ainda neste mês.

Em conversa com o Diário do Nordeste, Rondinele informou que uma reunião chegou a ser anunciada nesta semana, mas foi adiada. “O Zé Ailton disse que ia reunir todos nesta semana, mas apareceram alguns compromissos e viagens, então acho que ficará para a próxima”, informou. Zé Ailton Brasil e Pedro Lobo foram procurados pela reportagem, mas não responderam.

Caucaia

Em Caucaia, ainda em 2023, o PT aprovou uma resolução para lançar candidatura própria na Cidade. Nos bastidores da sigla na cidade, os nomes do secretário nacional de Saúde Indígena, Weibe Tapeba, e da vereadora suplente em exercício Enedina Soares, chegaram a ser ventilados como pré-candidatos.

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Mesmo com a resolução, o governador Elmano de Freitas e o ministro Camilo Santana manifestaram, à época, a intenção de apoiar o atual prefeito, Vitor Valim (PSB), na disputa pela reeleição, o que criou um desconforto com parte do diretório municipal da Cidade.

O que acabou “alinhando” os interesses dos petistas no município foi o recuo de Valim de disputar novo pleito e a articulação feita por ele e por lideranças petistas estaduais para escolher como pré-candidato o ex-secretário da articulação política do Governo do Estado, Waldemir Catanho (PT).

Icó

Em Icó, o choque também ocorreu entre as lideranças municipais e estaduais do PT. Ainda em dezembro de 2023, a prefeita da cidade teve sua filiação à sigla aprovada pelo diretório estadual.

A decisão rendeu, de imediato, uma nota de repúdio do diretório do PT de Icó. O colegiado ressaltou que não foi consultado sobre a adesão da mandatária e disse que a gestão da prefeita "não tem nada a ver com o jeito PT de governar".

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O PT Icó ainda reafirmou que seguiria com a histórica oposição à gestão de Laís. De chegada na sigla, a prefeita não deixou barato e, em nota enviada à época ao Diário do Nordeste, disse que o diretório municipal preferia "estar alinhado com a ultradireita bolsonarista". 

Quatro meses depois do embate público com a cúpula municipal do seu partido, Laís tem liderado as articulações para sua sucessão em Icó e já lançou como pré-candidata a prefeita a professora Aurineide Amaro (PT), ex-secretária da Educação da cidade.

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