PL da Anistia: o que dizem os deputados do Ceará sobre apoio aos golpistas do 8 de janeiro
Oito dos 22 representantes da bancada cearense na Casa deram seu apoio ao requerimento de urgência protocolado na segunda-feira (14) pelo relator Sóstenes Cavalcante (PL-RJ)

A principal pauta da oposição ao Governo Lula (PT) no momento, o PL da Anistia pode começar a tramitar em regime de urgência na Câmara dos Deputados em breve, mas o tamanho da adesão ainda é incerto. Promessa dos seus interlocutores, o ajuste no texto ainda não foi realizado, impedindo discussões mais palpáveis sobre o teor. Esta, inclusive, é uma das ressalvas de deputados federais cearenses ouvidos pelo PontoPoder.
Apesar disso, a matéria conseguiu certo fôlego recentemente, ao reunir as assinaturas necessárias para a tramitação simplificada. Oito dos 22 representantes da bancada cearense na Casa deram apoio ao requerimento protocolado na segunda-feira (14) pelo relator Sóstenes Cavalcante (PL-RJ).
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A maioria é filiada ao PL (André Fernandes, Dr. Jaziel e Matheus Noronha) e ao União Brasil (Danilo Forte, Dayany Bittencourt e Moses Rodrigues), mas deputados do PP (AJ Albuquerque) e do PSD (Luiz Gastão) também ajudaram na iniciativa de acelerar as discussões.
Em regime de urgência, uma proposta pode ser analisada diretamente pelo Plenário, sem passar por comissões.
O apoio a esse requerimento, como alguns ressaltam, não necessariamente indica aprovação ao mérito do projeto. Para Fernanda Pessoa, é “inadmissível” atentar deliberadamente contra a democracia, por isso se diz contrária à anistia “ampla e irrestrita”, mas reconhece a existência de “casos distintos”.
“Há pessoas que foram levadas por impulso, mal informadas, enganadas por narrativas distorcidas. Muitas delas participaram dos atos acreditando estar em um protesto legítimo, sem compreenderem a gravidade do que estava por trás. Portanto, sou favorável a um debate que diferencie essas situações”, comentou, ainda.
As modificações esperadas no texto, segundo a deputada, devem “buscar uma forma de distinguir o joio do trigo, preservando os valores democráticos, sem deixar de lado o senso de justiça, mas também abrindo espaço para o diálogo com o Judiciário em relação àqueles que não agiram de má-fé”.
Enfermeira Ana Paula (Podemos) e Celio Studart (PSD) também adotam cautela na análise de casos específicos, destacando a necessidade de conceder a devida dosimetria das penas, mas rejeitam uma anistia geral. Ambos apostaram na reformulação do texto.
“Aqueles que planejaram o golpe, devem ser punidos com o rigor da lei. Sem anistia. No entanto, caso haja modulação com foco na dosimetria das penas, será algo que precisarei ler para me posicionar”, pontuou Ana Paula.
“Acredito que não exista nem dentro do nosso partido ainda uma posição partidária, muito menos individual, sem que venha primeiro um texto. A priori, tendo a ser contra qualquer anistia para a cúpula do ex-presidente e para o próprio ex-presidente”, declarou Studart.
“Se houver uma separação onde casos específicos possam ser considerados dentre os condenados do dia 8 de janeiro, acredito que isso pode modificar alguns votos, mas uma anistia total e irrestrita não me parece viável, e é altamente anti-pedagógica para os que possivelmente tramaram contra a ordem e o estado democrático de direito”, completou o deputado.
Afinal, o que diz o PL da Anistia?
O texto em discussão foi apresentado pelo ex-deputado e atual vereador de Goiânia (GO), Major Vitor Hugo (PL), ainda em 2022. O Projeto de Lei 2858/22 concede anistia para crimes políticos e eleitorais registrados a partir da data do segundo turno das eleições daquele ano, que ocorreu em 30 de outubro, e pode beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro.
As pessoas participaram do bloqueio de rodovias nacionais e demais atos contrários ao resultado das eleições, incluídas as publicações em redes sociais, seriam beneficiadas pela medida. Receberia anistia, ainda, pessoas jurídicas e físicas quem tenham financiado essas manifestações, com anulação de multas e outras sanções relacionadas a esses fatos.
Estão de fora do texto as práticas de crimes contra a vida e a integridade corporal, bem como os crimes de sequestro e de cárcere privado. Por outro lado, a proposta abarca as condenações por litigância de má-fé em processos de cunho eleitoral de 2022.
Mas conforme o Blog do Camarotti, com colaboração do jornalista Pedro Figueiredo, o Partido Liberal (PL) deve apresentar um texto mais leve para aumentar as chances de aprovação, focando nos processos penais dos condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023.
Mais palatável ou não, a decisão de pautar o projeto em plenário deve sair do Colégio de Líderes, disse o presidente da Câmara Federal, Hugo Motta (Republicanos-PB). Com dois feriados no meio, o colegiado só se reunirá no próximo dia 24, uma quinta-feira.
Defensores
Filiado ao PL, o deputado Matheus Noronha entende que existe uma “diferença gritante” no peso dado aos processos dos envolvidos na tentativa de golpe em 8 de janeiro “em comparação com outros casos parecidos e até muito mais graves no Brasil”.
“A Justiça deve ser igual para todos, independentemente da posição ideológica. Quando há penas excessivamente duras ou processos que parecem mais motivados por política do que por justiça, é preciso repensar. Não estou defendendo vandalismo ou ilegalidades, mas acredito que a punição precisa ser proporcional. Muitos desses réus estão sendo tratados de maneira injusta, como se fossem criminosos de altíssima periculosidade”, complementa.
Outro defensor da medida é o deputado Luiz Gastão, que, assim como Noronha, assinou o requerimento de urgência da proposta. Ele admite que não leu o projeto todo, mas acredita na articulação que será feita pelo relator.
“Acho que não há dosimetria das penas impostas, pessoas foram penalizadas e presas exageradamente, o STF extrapolou a condução desse processo, então cabe ao Congresso normatizar esse processo”, avalia.
Para ele, “não houve tentativa de golpe, mas atos de vandalismo”. “É hora de pacificar o País, buscar justiça e punir aqueles que devem ser punidos”, conclui.
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Os outros signatários do requerimento do regime de urgência (André Fernandes, Dr. Jaziel, Danilo Forte, Dayany Bittencourt, Moses Rodrigues e AJ Albuquerque) foram buscados pelo PontoPoder, mas não houve retorno até a publicação deste material.
Opositores
Por outro lado, há aqueles que adotam um discurso mais alinhado ao que defende o Governo Lula, com posição forte contra a concessão de anistias.
“O retorno da democracia brasileira adveio da árdua luta dos brasileiros e brasileiras. Não pode, de modo algum, existir retrocesso. Condeno qualquer tentativa que venha ameaçar a democracia. Se nos acostumarmos a tolerarmos todos os antidemocráticos, estamos oxigenando as ameaças a democracia. Defendo a discussão sobre as penas, se são excessivas ou não; mas sou contrário a anistia”, diz Yury do Paredão (MDB).
Já Leônidas Cristino e André Figueiredo, ambos do PDT, não fazem ressalvas. “Sou contra e ponto final. Os caras atacaram a democracia, disseram que queriam um golpe. Tem justificativa para isso?”, questiona Leônidas.
Presidente nacional em exercício do PDT, Figueiredo divulgou nota com a opinião da Executiva partidária contra o projeto.
“Vítima da ditadura militar e defensor intransigente dos princípios democráticos, o partido trabalhista – fundado por Leonel Brizola – fechará questão com seus representantes na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, pois a iniciativa legislativa representa um profundo ataque aos pilares da Constituição brasileira e da democracia”, disse.
A reportagem buscou os demais deputados federais do Ceará para comentar o mérito da proposta em discussão. Domingos Neto (PSD), Eunício Oliveira (MDB), José Airton (PT), José Guimarães (PT), Júnior Mano (PSB), Luizianne Lins (PT), Mauro Filho (PDT) e Robério Monteiro (PDT) foram procurados, mas não houve retorno sobre os questionamentos feitos pelo PontoPoder.
Posições já declaradas
José Airton já havia se pronunciado pelas redes sociais sobre o tema, afastando apoio à anistia e chamando os envolvidos de “terroristas, depredadores de órgãos públicos”. “Foi um atentado contra a democracia brasileira e as instituições, por isso nós não contamos com a anistia. Não à anistia para esses terroristas”, declarou.
Líder do Governo Lula na Câmara dos Deputados e contrário à anistia, Guimarães também abordou a adesão de parte da base ao projeto.
“Ainda que a base nem sempre corresponda nos votos, né? Pega esse negócio da anistia… Tem deputado da base que tá assinando (a urgência) lá em Brasília, não é correto isso, mas faz parte do processo democrático”, comentou o deputado.
Luizianne Lins é outra parlamentar que reforça a lista de opositores da medida. “O PL da Anistia nada mais é do que uma continuação das ações golpistas contra a nossa democracia, que até hoje é uma meta dos seguidores da extrema-direita. Não se enganem que eles aprenderam a lição. O sentimento golpista segue firme e forte”, publicou nas redes sociais.
Mauro Filho também chegou a publicizar sua opinião. “O Congresso Nacional não pode ter seu funcionamento burlado pela pressão da oposição para pautar os interesses de um grupo de pessoas que invadiram e destruíram as sedes dos três poderes. Não vamos aceitar esse movimento para gerar o caos e colocar o projeto de lei da Anistia em pauta”, disse em plenário.
“Essas pessoas devem ser julgadas pela justiça e arcar com as consequências de seus atos. O Parlamento precisa seguir em frente e trabalhar para garantir que tentativas de golpe como a do dia 8 de janeiro jamais ocorram”, complementou.
Confira a íntegra do atual PL da Anistia (2858/2022)
Art. 1º Ficam anistiados manifestantes, caminhoneiros, empresários e todos os que tenham participado de manifestações nas rodovias nacionais, em frente a unidades militares ou em qualquer lugar do território nacional do dia 30 de outubro de 2022 ao dia de entrada em vigor desta Lei.
§1º A anistia de que trata o caput compreende crimes políticos ou com estes conexos e eleitorais.
§2º Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.
§3º A participação em manifestações de que trata o caput abrange também o financiamento, a organização e o apoio de qualquer natureza, além das falas, comentários ou publicações em redes sociais ou em qualquer plataforma na rede mundial de computadores (internet).
§4º A anistia de que trata o caput não compreende a prática de crimes contra a vida, contra a integridade corporal, de sequestro e de cárcere privado.
§5º Consideram-se rodovias nacionais, para fins de aplicação desta Lei, as federais, estaduais, municipais, vicinais ou de qualquer natureza onde tenha havido manifestações ainda que impedindo ou dificultando o trânsito de pessoas ou veículos.
§6º A anistia de que trata o caput abrange também crimes supostamente cometidos ao se ingressar em juízo e as consequentes condenações por litigância de má-fé em processos de cunho eleitoral relacionados ao pleito presidencial de 2022.
Art. 2º Ficam anuladas as multas aplicadas pela Justiça Eleitoral ou Comum às pessoas físicas e jurídicas em decorrência dos atos descritos no Art. 1º.
Art. 3º A anistia de que trata esta Lei atinge também as restrições de direitos de quaisquer naturezas ou finalidades impostas pela Justiça Eleitoral ou Comum em decorrência de processos ou inquéritos de qualquer forma relacionados ao descrito no Art. 1º , em especial, as que se voltem contra a livre manifestação do pensamento, a imunidade material parlamentar quanto a opiniões, palavras e votos, a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, seja em manifestações populares, em entrevistas, em debates, em apresentação de programas jornalísticos, nas redes sociais e outros veículos publicados na rede mundial de computadores (internet) ou em qualquer outro meio.
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.