Terreno do Hard Rock Hotel Fortaleza é alvo de disputa judicial
Segundo antigos donos do terreno, há um saldo devedor de R$ 61 milhões. Já os investidores responsáveis pelo hotel negam pendências financeiras e afirmam que tudo está garantido por cartas fianças
O Hard Rock Hotel - Lagoinha – localizado no município de Paraipaba, a cerca de 100 quilômetros de Fortaleza –, não teve nem mesmo as obras concluídas e já é palco de uma disputa na Justiça. De um lado, uma imobiliária, antiga proprietária do terreno em que o hotel está sendo construído, alega não ter recebido, desde agosto de 2018, parte das parcelas previstas pela venda do imóvel, totalizando, segundo ela, um saldo devedor de R$ 61 milhões. Do outro, a empresa que investe no hotel da famosa franquia afirma que não há pendências e que o pagamento está assegurado por um acordo entre as duas partes e um banco de garantias.
Toda a disputa foi iniciada a partir da negociação entre a Venture Capital Investimentos (VCI), empresa que fechou um contrato para o uso da marca Hard Rock Hotel no Ceará, e a Fortalisboa Promoção Imobiliária LTDA, antiga dona do terreno de 178.701,61 metros quadrados na praia de Lagoinha. O imbróglio acabou se tornando ainda maior por conta de um segundo processo envolvendo o terreno onde o hotel é erguido. Segundo a VCI, antiga proprietária omitiu disputa por posse do terreno.
Após captar mais de R$ 300 milhões com emissão de debêntures para dar o pontapé inicial ao projeto, que também contaria com outra unidade do resort no estado do Paraná, a VCI negociou a compra do imóvel com a Fortalisboa, por cerca de R$ 79 milhões em 2017. Os investidores queriam iniciar as obras o mais cedo possível e a expectativa era de início das operações no Ceará era dezembro de 2020. As vendas de unidades e cotas do hotel começaram em 2018, conforme planejado.
O projeto acabou sendo acelerado porque parte da estrutura para o resort do Hard Rock já estava erguida. O projeto aproveitou obras executadas anos antes, quando a Fortalisboa iniciou a construção de outro hotel que nunca saíra do papel.
Para dar celeridade às obras, a VCI e a Fortalisboa fizeram um acordo de pagamento parcelado pelo terreno, com os valores sendo atualizados pelo Índice Geral de Preços do Mercado (IGPM) – usado para corrigir mudanças nos valores de aluguéis, por exemplo.
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Pagamentos atrasados
Os problemas começaram, segundo a equipe jurídica da Fortalisboa, quando os pagamentos das parcelas pela VCI pararam de ser efetuados, de agosto de 2018 a janeiro de 2019.
Esses pagamentos somariam R$ 23 milhões, e o não cumprimento deles fez com que as duas partes firmassem um acordo de garantia na Justiça de São Paulo, focado no recebimento dos valores que estariam atrasados. O acordo, ao qual a reportagem teve acesso, foi firmado no dia 11 de fevereiro de 2019.
Por conta deste arranjo judicial em São Paulo, a VCI emitiu, com uma instituição financeira, quatro cartas fianças para garantir que o saldo devedor fosse quitado ao longo dos anos. Os documentos estavam definidos nos valores de R$ 36 milhões, R$ 5 milhões, e dois de R$ 10 milhões.
Mas o problema foi agravado quando dois deles venceram sem que o pagamento fosse efetuado. A carta de R$ 5 milhões estava vencida desde 8 de dezembro de 2019. Já a de R$ 36 milhões teve o primeiro vencimento no último dia 21 de janeiro de 2021. As informações foram obtidas diretamente do site do Analysis Bank, banco de garantias.
Questionada sobre o assunto no dia 27 de janeiro deste ano, a VCI afirmou à reportagem que todas as pendências estavam solucionadas e que o pagamento à Fortalisboa estava garantido pelas cartas fianças. A empresa enviou novas cartas fianças, com novos prazos. Ambas haviam sido emitidas no próprio dia 27 de janeiro de 2021.
Com a atualização, o prazo limite para o pagamento de R$ 36 milhões seria de 8/1/2021 até 8/1/2022, enquanto a de R$ 5 milhões tem vigência de 8/12/2019 até 8/1/2022.
Procurado para comentar sobre as cartas fianças, o Analysis Bank não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Próximos passos
Com os supostos atrasos, a Fortalisboa afirmou que vai entrar com uma nova ação na Justiça para tentar reverter a situação e garantir o pagamento do saldo devedor ou a devolução da posse do terreno, o que inviabilizaria o projeto do Hard Rock Hotel.
A afirmação sobre os novos passos ainda está sob análise da equipe jurídica ligada à imobiliária, que não entrou com um processo contra a VCI até a publicação desta matéria. A previsão é que as "devidas ações" sejam tomadas nas próximas semanas.
Os advogados responsáveis pelas demandas da Fortalisboa alegaram que a VCI, em um acordo com os donos da imobiliária, condicionou o pagamento total pelo imóvel à solução de um outro processo jurídico envolvendo o terreno.
A demanda faz referência a um pedido de reintegração de posse aberto contra a Fortalisboa em 2007 por uma terceira parte, formada por dois empresários que seriam donos de uma parcela do terreno. Eles possuíam um empreendimento instalado em uma área de 2.500,00 m² na faixa de praia onde o Hard Rock Hotel está sendo construído.
Impasse jurídico
Todo o imbróglio levou a Fortalisboa a entrar com um novo acordo com os empresários para solucionar o problema e comprar a parte do terreno que estava em disputa. O acordo foi fechado no dia 29 de abril de 2020, em que a imobiliária se comprometeu a adquirir por R$ 750 mil a faixa de terreno em questão.
Contudo, como a VCI já constava como proprietária do terreno do hotel na data, ela foi incluída como co-ré no processo entre a Fortalisboa e os dois empresários, e a Justiça passou a exigir o aval da VCI para validação do acordo de reintegração de posse.
A VCI, no entanto, apresentou novas condições para que a disputa fosse solucionada. Segundo a Fortalisboa, a VCI estaria exigindo que as ex-esposas de um dos empresários assinassem a confirmação do acordo. Contudo, a medida não seria necessária pelo tipo de acordo, defendeu um dos advogados ligados à Fortalisboa.
Segundo a equipe jurídica da Fortalisboa, a VCI está "se aproveitando da própria torpeza" ao manter o processo de reintegração de posse aberto, já que ela havia condicionado os pagamentos atrasados à imobiliária ao fim do impasse jurídico.
"A Ré Fortalisboa Promoção Imobiliária Ltda discordou dos termos apresentados pelo Assistente Litisconsorcial (VCI), afirmando que as alegações deste último tem somente fim protelatório", diz parte do processo ao qual a reportagem teve acesso.
Mesmo não concordando com as condições do acordo entre os empresários e a Fortalisboa, a VCI já está operando obras na faixa de terreno em disputa. Parte da estrutura dos futuros quartos do resort já foi erguida na área, que corresponde a uma faixa quase central do novo empreendimento, apesar de pequena em relação à área total de 178 mil metros quadrados.
Resposta da VCI
Questionada, a VCI informou, através da assessoria de imprensa, que não há pendências ou atrasos referentes à compra do terreno do Hard Rock Hotel Fortaleza, em Lagoinha, e que todos os pagamentos estão garantidos pelas cartas fianças.
A reportagem pediu o envio de documentos bancários que comprovassem os pagamentos já realizados pela VCI, mas não obteve retorno.
Valores atualizados
A previsão da equipe jurídica da Fortalisboa é que o valor do terreno do Hard Rock Hotel, avaliado em R$ 79 milhões, representa hoje mais de R$ 113,870 milhões com o ajuste pelo IGPM – acumulado em cerca de 44% desde novembro de 2017.