STJ abre caminho para elevar arrecadação com remessas ao exterior

A medida pode impactar a análise sobre mais de R$ 50 bilhões retirados anualmente do país por multinacionais e outras companhias

Escrito por Folhapress ,
Sede STJ
Legenda: Apesar de a discussão não estar encerrada, a corte deixou de automaticamente classificar os casos como lucro da empresa (como costumava ser feito) e isso é comemorado pela PGFN
Foto: Agência Brasil

O STJ (Superior Tribunal de Justiça) abriu caminho para que o governo amplie a arrecadação sobre remessas de recursos ao exterior. A medida pode impactar a análise sobre mais de R$ 50 bilhões retirados anualmente do país por multinacionais e outras companhias.

Há cerca de oito anos, o STJ e tribunais inferiores costumavam classificar os recursos enviados ao exterior em casos de serviços e assistência técnica como lucro de empresas. Nessas situações, diferentes tratados internacionais preveem a cobrança exclusivamente no destino para se evitar a bitributação (ou seja, o Brasil não poderia cobrar imposto sobre os recursos enviados).

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Esse entendimento sofreu uma mudança a partir do caso da empresa Engecorps, que enviou recursos à empresa espanhola Técnica Y Proyectos e contesta na Justiça a cobrança dos impostos. No caso julgado pelo STJ no fim do ano passado, o motivo da transação foi a prestação de serviços de engenharia.

A segunda turma do STJ seguiu por unanimidade o entendimento do ministro relator Mauro Campbell Marques de que é preciso que a Justiça Federal (de onde foi recebido o caso) verifique se está embutido no contrato o pagamento de royalties (por exemplo, pelo uso de programas de computador desenvolvidos pela empresa internacional).

A diferença importa porque, nesse caso, o acordo com a Espanha permite uma tributação pelo Brasil de até 15% sobre o valor enviado.

Após a argumentação da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) em defesa da cobrança, o STJ determinou que deve ser verificado o detalhamento do serviço antes de a Justiça decidir em que caso a remessa se enquadra.

Apesar de a discussão não estar encerrada, a corte deixou de automaticamente classificar os casos como lucro da empresa (como costumava ser feito) e isso é comemorado pela PGFN.

Especialistas
Ricardo Maitto, especialista em direito tributário do TozziniFreire Advogados, afirma que os juízes costumavam (principalmente antes de 2020) enquadrar as remessas como lucro de empresas em casos similares. E que, agora, a postura do STJ deve levar a uma mudança de comportamento e fazer com que as próximas decisões considerem os protocolos detalhados de cada tratado.

"A grande inovação dessa decisão é que o STJ parou para analisar o protocolo dos tratados internacionais. É provável que essa questão passe a ter mais relevância na análise [feitas pelos demais tribunais]", diz.

Maitto expressa preocupação com a extensão das cobranças a partir da decisão e do entendimento da PGFN. Em sua visão, pode haver aumento de custos de importação de tecnologias e serviços.

"O Brasil ainda precisa importar conteúdo técnico do exterior. Se for tributado de maneira mais agressiva, isso vai se refletir no custo daquilo que é vendido no país", afirma ele, citando setores como o automotivo e o farmacêutico.

Mônica Lima, procuradora da Fazenda Nacional que atuou no caso, defende que a decisão respeita o tratado com a Espanha e protege a economia local.

"A empresa brasileira seria tributada lá fora, porque é o que diz o tratado. Então é uma decisão que, no entendimento da Fazenda, protege o país e a economia nacional", diz.

O caso não tem efeito vinculante a outras decisões do mesmo tipo, mas a procuradora espera que seja usado como referência para futuras discussões judiciais.

Além disso, avalia também que a decisão dará mais segurança para que Receita Federal e Fazenda Nacional façam as cobranças dos impostos conforme a interpretação que defendem.

A PGFN não tem um levantamento sobre o impacto que a decisão pode gerar. Procurada, a Receita Federal também não forneceu uma estimativa.

Consultado, o Banco Central indicou dados do setor externo contidos na rubrica "outros serviços de negócio, incluindo arquitetura e engenharia" para uma verificação sobre o tamanho do valor potencialmente afetado pela decisão.

Os números apontados pelo BC mostram que as saídas de recursos destinadas a esses serviços chegaram a US$ 9,8 bilhões em 2019. O valor representa R$ 51,8 bilhões, conforme a cotação desta terça-feira (5).

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