Produção da Fiocruz em Eusébio deve reduzir custo de medicamentos usados no tratamento contra o câncer

Com produção própria, medicamentos biológicos serão incorporados ao SUS com menor preço

Escrito por
Mariana Lemos mariana.lemos@svm.com.br
(Atualizado às 15:18, em 09 de Setembro de 2025)
Imagem de produção de medicamentos em planta da Fiocruz
Legenda: Fiocruz terá complexo tecnológico em Eusébio para produção de medicamentos biológicos de alto custo
Foto: Divulgação/Fiocruz

O Ceará deve produzir o princípio ativo para medicamentos de alto custo em um novo complexo tecnológico da Fiocruz, em Eusébio, na Região Metropolitana de Fortaleza. A produção deve baratear o tratamento de alguns tipos de câncer e doenças inflamatórias, utilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS)

O desenvolvimento ocorrerá no Complexo Tecnológico em Insumos Estratégicos (CTIE), que está sendo instalado no Distrito de Inovação e Saúde do Ceará (DIS-CE), com investimento de R$ 1 bilhão.

O complexo deve ampliar a capacidade de produção do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), no Rio de Janeiro

Entre os ativos que serão produzidos estão os insumos para rituximabe e trastuzumabe, medicamentos utilizados em tratamentos oncológicos.

Também deve haver fabricação de adalimumabe, um medicamento utilizado em pacientes com artrite reumatoide e doença de crohn, com alto nível de inflamação, além do hormônio do crescimento (somatropina) e insulina recombinante. 

O complexo começou a ser construído em junho, com três fases de obras. Serão gerados pelo menos 400 postos de trabalho. A previsão de entrega é fevereiro de 2027. 

Segundo a Fiocruz, pode haver qualificação local dos profissionais, incrementando a capacitação técnica ofertada no Ceará.  

Remédios serão destinados prioritariamente ao SUS

A produção será orientada diretamente para o Sistema Único de Saúde (SUS), destaca o vice-presidente adjunto de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, Marco Nascimento. 

“A única hipótese disso não ser dirigido ao SUS é no caso de o SUS já estar totalmente satisfeito, ou seja, com um excedente além do que é capaz de utilizar", observa.

"Há também previsão de cooperação com organismos internacionais, como OMS, com envio para outros países que estejam em situação de necessidade”, afirma.

O gestor destaca que a produção do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA), principal componente de medicamentos, será um grande diferencial do projeto. O objetivo é reduzir a dependência do setor farmacêutico brasileiro de importações. 

“Mais de 90% do IFA que é utilizado pelo Brasil é importado. A estratégia é interromper o processo de dependência a que o Brasil normalmente está submetido, de forma que a tecnologia, uma vez que ela seja dominada pelo fabricante nacional e público, sobretudo, é natural que haja um custo de produção inicial mais alto, mas à medida que a instituição domina esse processo, o custo tende a cair”, aponta. 

O Complexo Tecnológico da Fiocruz deve produzir o IFA de biofármacos a partir de 2031

Produção no Ceará vai reduzir os gastos públicos com saúde no Brasil

Como a importação de medicamentos tem como base moedas mais valorizadas que o real, como o dólar, os tratamentos se tornam onerosos para a gestão pública, destaca Carlos Roberto Paier, doutor em biologia pela Unicamp. 

Os ativos que serão produzidos pela Fiocruz, como rituximabe e trastuzumabe, custam em torno de R$ 10 mil por caixa. A fabricação nacional deve reduzir para faixa de poucos milhares. 

“Por exemplo, tem um medicamento produzido pela Pfizer para tratar artrite rematoide que custa R$ 10.096, uma caixa com quatro seringas. O mesmo medicamento produzido pela Biomanguinhos está entre R$ 2.600 e R$ 3.700. É uma redução absurda”, aponta.

Isso deve diminuir os gastos públicos com medicamentos imunobiológicos, que representam grande parte dos investimentos em saúde pública, aponta Carlos Paier. A utilização de tecnologia própria também protege o sistema público de saúde brasileiro de eventuais falhas no abastecimento. 

“Quando há alguma flutuação da cadeia logística de medicamentos e produtos para saúde, falta de matéria-prima, excesso de demanda, como aconteceu na pandemia de Covid-19, os países não produtores, que é o nosso caso, são os primeiros a ficar sem insumos”, aponta. 

Regina Cláudia Dourado, especialista em indústria farmacêutica e professora da Universidade de Fortaleza (Unifor), reitera que um dos efeitos da produção própria é a redução da judicialização de processos de saúde. 

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“Isso deve tornar acessível o tratamento a um número maior de pessoas, diminuindo a necessidade de processos, que são uma forma de os pacientes tentarem obter os medicamentos. O tratamento sai muito caro; então, muitas vezes, o processo é negado e se perde tempo tentando obtê-los”, aponta.

Novo complexo tecnológico deve acelerar crescimento do setor farmacêutico no Ceará

A instalação do novo complexo tecnológico da Fiocruz representa um avanço significativo para a indústria farmacêutica cearense e brasileira, avalia Carlos Roberto Koscky Paier.

O especialista aponta que não há nenhuma produção semelhante de imunobiológicos em larga escala no Ceará. A estrutura inovadora deve servir de estímulo para a segmento com o desenvolvimento de novos medicamentos e interação com entidades de ensino.

“A produção local de medicamentos de alto valor agregado contribui para a economia local, mesmo sendo uma fábrica pública. É um estímulo à criação local de uma cadeia de novos medicamentos do mesmo tipo. Já existe no Ceará uma cadeia de saúde em formação”, afirma. 

As instituições de pesquisa cearenses realizam diversas pesquisas que podem ser incorporadas à produção industrial, inclusive com produtos naturais, avalia Regina Cláudia Dourado. 

“O setor farmacêutico da nossa região tende a crescer. Novas indústrias serão implantadas a partir dessa produção. Novos ativos podem ser obtidos, tanto de origem natural, da nossa região, quanto de origem sintética”, projeta. 

A Fiocruz também está instalando em Eusébio uma biofábrica voltada para o controle de arboviroses, como dengue e zika. 

O empreendimento deve produzir 70 milhões de ovos por semana, o que significará 10 milhões de mosquitos adultos por semana, com a perspectiva de atender 55 milhões de habitantes da região Nordeste em 7 anos. 

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