Petrobras estuda alternativas para usina de biodiesel em Quixadá; Ceará tem potencial para biomassa
Equipamento está com atividades paralisadas desde novembro de 2016, mas ainda pertence à Petrobras
A usina de biodiesel localizada em Quixadá, no Sertão Central, pode ter um novo uso adotado pela Petrobras. O equipamento está desativado desde novembro de 2016, mas ainda pertence à empresa.
Oficialmente, a Petrobras é dona da usina de biodiesel no interior do Ceará, através da subsidiária Pbio (Petrobras Biocombustíveis S.A.).
A companhia foi questionada pela reportagem sobre a usina no Sertão Central. Em nota, a empresa afirma que avalia "regularmente oportunidade de negócios para a Pbio", mas não prevê no momento reativação do equipamento por enquanto.
"No momento, não há expectativa de reativação da usina de Quixadá, mas sim estudo em curso sobre possíveis alternativas de geração de valor para essa planta industrial", informa a Petrobras.
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O equipamento já chegou a figurar entre os setores que receberiam desinvestimentos do Governo Federal. Com pautas de transição energética em alta, contudo, o cenário mudou desde o início do ano.
No Plano Estratégico da Petrobras, aprovado no fim de novembro, projetos de baixo carbono, como biocombustíveis, somam R$ 11,5 bilhões em investimentos nos próximos cinco anos (2024 - 2028), o dobro em relação ao último período (2019 - 2023) segundo a empresa.
LULA TEM INTERESSE EM REABRIR USINA, AFIRMA PROFESSOR CEARENSE
Durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS) - conhecido como Conselhão, nesta terça-feira (12) em Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria afirmado o intresse em reabrir a usina de biodiesel em Quixadá.
A informação é do professor de Filosofia da Universidade Federal do ABC (UFABC) o cearense Victor Marques, presente na reunião. Segundo ele, a afirmação foi feita por Lula de forma rápida.
Ele expressou o desejo de reabrir a usina. Falou que queria voltar à Quixadá para fazer isso. Não houve nenhum detalhe. Entendi que está ainda no nível da intenção.
Procurada para repercutir a afirmação do presidente, a Secretaria-Geral da Presidência e a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), até o fechamento desta reportagem, não retornaram com as informações solicitadas.
SEGUNDA MAIOR USINA DE BIOGÁS DO BRASIL ESTÁ NO CEARÁ
Além da usina de biodiesel em Quixadá, a Região Metropolitana de Fortaleza conta com outro serviço do gênero: a GNR Fortaleza, inaugurada em 2017 em fase pré-operacional e atualmente já integrada com a rede de gás natural estadual.
O equipamento é oficialmente denominado como a primeira usina de tratamento de biogás do Norte e Nordeste e utiliza como matéria-prima o biometano gerado a partir do Aterro Municipal Oeste de Caucaia (Asmoc), onde também se localiza o empreendimento.
Conforme dados da empresa, o sistema de tratamento de gás natural já atingiu a capacidade de produção de 100 mil m³ de biometano diariamente, sendo a segunda maior usina do gênero, atrás apenas de Seropédica, no Rio de Janeiro.
A distribuição do equipamento cearense é feita pela Companhia de Gás Natural do Ceará (Cegás), segundo informações disponibilizadas pelo Governo do Estado. O biometano deriva da matéria orgânica em decomposição depositada no Asmoc.
O professor de Engenharia Química da Universidade Federal do Ceará (UFC), André Casimiro, enfatiza que a atuação da usina na Caucaia já incrementa o abastecimento de indústrias no Estado com gás natural.
"O Ceará conta com uma das maiores plantas de produção de biometano instaladas no País, na Caucaia, com capacidade de suprimento de mais de 10% do gás natural que se utiliza no setor industrial do nosso Estado. No passado, ainda nos anos 1970-1980, o Ceará teve papel importante nos programas seminais daquilo que, à época, se chamava de fontes não convencionais de energia, contando com iniciativas muito fortes da UFC", argumenta.
André Casimiro também relembra a atuação do professor Expedito Parente no período. O engenheiro químico cearense, já falecido, é considerado o inventor do biodiesel no Brasil.
"Há ambiente favorável para que o estado venha a se consolidar como referência em energia limpa e produção de biocombustíveis. Hoje temos na UFC grupos com atuação muito sólida no desenvolvimento de rotas e processos para produção de biocombustíveis", pontua o docente.
CEARÁ NO TOP-5 DE POTENCIAL DE BIOCOMBUSTÍVEIS
O equipamento em Quixadá era responsável por produzir biodiesel, cada vez mais utilizado no mercado consumidor brasileiro. Apesar disso, o biocombustível mais utilizado é o etanol.
Antes de mais nada, é preciso entender o conceito de biocombustíveis. Segundo definição do Ministério de Minas e Energia (MME), tratam-se de "derivados de biomassa renovável que podem substituir, parcial ou totalmente, combustíveis" provenientes de fontes fósseis, como carvão e gás natural.
Os biocombustíveis são usados em motores a combustão, como veículos, ou em outro tipo de geração de energia, como as próprias usinas termelétricas. Eles já estão incorporados no dia a dia da população cearense e nacional, sobretudo em postos de gasolina sendo vendido como etanol e biodiesel.
O etanol nada mais é do que o álcool obtido a partir da cana-de-açúcar, abundante no Brasil, enquanto que o biodiesel vem de óleos vegetais ou de gorduras animais. Os dois combustíveis são misturados com a gasolina e com o diesel, oriundos do refino do petróleo, e vendidos no mercado brasileiro.
A maior parte da energia produzida no Ceará vem de fontes renováveis, como turbinas eólicas. Mas o segmento de biocombustíveis também ganha força no território cearense, com inúmeros projetos atuando em conjunto com a transição energética.
Principais tipos de biocombustíveis produzidos no Brasil:
- Biogás (biometano);
- Biodiesel;
- Biocombustíveis de aviação;
- Etanol;
Professora de Engenharia Química da UFC, Valderez Rocha acredita que o Estado está no top-5 do Brasil dentre aqueles com maior potencial para produção de biocombustíveis "por conta da posição geográfica, do clima e dos resíduos que podem ser aproveitados".
"O principal foco é na biomassa, e no nosso estado temos resíduos agroindustriais que podem ser utilizados como matéria-prima para biocombustíveis, estamos em uma situação privilegiada em relação à produção de energia renovável (eólica e solar) que podem ser utilizadas na produção de biocombustíveis", classifica.
Com uma política mais forte, podemos aproveitar os resíduos urbanos para produção de biogás. Temos vários incentivos a nível de pesquisa, bem como várias empresas estão procurando a produção de hidrogênio por conta da aplicação de energias renováveis. Isso deixa o Ceará em um quadro mais visto para atingir esse objetivo.
Ainda consoante a professora, no caso do etanol, estudos estão sendo feitos para que o material no País, derivado sobretudo de cana-de-açúcar, venha do reaproveitamento de biomassa de outros produtos, no chamado "etanol de segunda geração".
"Alguns dos biocombustíveis têm conflito com alimentos. O etanol tem conflito com a cana-de-açúcar, mas tem estudos que tentam aproveitar resíduos agroindustriais para produzir o etanol", projeta.
Embora o Ceará tenha um grande potencial para produzir biocombustíveis, como biogás, biodiesel e etanol, o Estado ainda não é referência no segmento, importando mais para suprir demanda local do que produzindo, sobretudo no que diz respeito a combustíveis.
"O Ceará tinha a expectativa da produção de biodiesel na planta da Petrobras que foi desativada. Atualmente importamos esse biodiesel de outros Estados produtores. Infelizmente nosso Estado depende de outras fontes para o abastecimento interno de biodiesel e etanol".
A afirmação de Bruno Iughetti, especialista na área de petróleo e gás, considera incipiente a produção de etanol em solo cearense, oriunda principalmente da usina em Jaguaruana, no Vale do Jaguaribe.
De acordo com informações do Grupo Telles, dono do empreendimento, a matéria-prima utilizada tanto no Estado quanto em Ceará-Mirim, no Rio Grande do Norte - cidades onde estão localizadas as duas unidades de produção de etanol da empresa - é o milho e a cana-de-açúcar.
"Sem dúvidas o Brasil reúne todas as condições operacionais e disponibilidade de matéria-prima para ofertar ao mercado doméstico e exportação do leque de biocombustíveis", completa Bruno Iughetti.
EFICIÊNCIA COM CONSCIÊNCIA
Diferente de outros materiais fósseis, os biocombustíveis têm como principal vantagem o uso de materiais renováveis e o planejamento de zero carbono, com emissões cada vez menores ou zeradas de poluentes.
Como todo composto molecular, no entanto, há prós e contras em comparação com combustíveis tradicionais. Valderez Rocha explica que, em termos de combustão, o hidrogênio verde (H2V) é melhor do que a gasolina, diferente do etanol, menos eficiente do que o derivado do petróleo.
"O etanol é um biocombustível, têm suas propriedades, mas por exemplo: o hidrogênio supera a gasolina, no entanto, o poder calorífico do etanol não supera o da gasolina. Vai depender muito do biocombustível e da forma como vamos aplicá-los mas temos que avaliar o contexto inteiro. Os combustíveis fósseis vão liberar muito dióxido de carbono na atmosfera, comparado com o H2V, que não produz CO2 durante a combustão, mas água", explica.
A afirmação é corroborada por André Casimiro. O professor de Engenharia Química analisa que o etanol, principalmente em dias menos quentes no Ceará, pode ficar menos suscetível a uma combustão eficiente em detrimento da gasolina.
"Em dias mais frios, pode ser mais difícil ligar o veículo que está abastecido com etanol. Isso se dá por conta de perda em seu poder de combustão em temperaturas mais baixas. Quanto maior o poder calorífico do combustível, maior é sua capacidade de gerar energia, e por consequência, melhor o seu rendimento", argumenta o professor.
Ele completa fazendo um comparativo entre o poder calorífico de combustíveis fósseis e dos biocombustíveis comumente utilizados pelos veículos no Brasil.
Se focarmos no etanol combustível, o poder calorífico corresponde a, aproximadamente, 70% do poder calorífico da gasolina comum. No caso do biodiesel, essa diferença não é tão alta, o poder calorífico do biodiesel é de cerca de 9% inferior ao óleo diesel derivado de petróleo.
André Casimiro salienta também a questão do potencial de biomassa em território cearense, com foco em resíduos agropecuários e industriais, que podem ser convertidos em biocombustíveis de segunda geração.
"Há ambiente muito favorável para que o Estado venha a se consolidar como referência em energia limpa e produção de biocombustíveis. Temos um estado muito rico sob o aspecto da biomassa, contudo, é preciso ampliar parcerias e consolidar um pacto muito forte entre a academia, que deve estar disposta a desenvolver pesquisas de referência, e o setor produtivo, visando novas oportunidades e gerando capacitação para implementação destas tecnologias em campo", orienta.
HIDROGÊNIO VERDE COMO BIOCOMBUSTÍVEL DO FUTURO?
Enquanto biogás, biodiesel e etanol já são uma realidade em solo cearense, o hidrogênio verde, representado pela sigla H2V, é visto como uma oportunidade áurea para consolidar o Ceará como um hub de energia limpa e biocombustíveis.
Ainda não há uma legislação brasileira que libere a produção de H2V em escala industrial, mas o Ceará tem pelo menos 35 usinas que estão em tratativas para iniciar a geração do composto.
O cenário ainda conta com novos desdobramentos tendo em vista que os estudos baseados na produção do H2V levam em conta situações hipotéticas, não reproduzidas em larga escala no mundo real.
Apesar da alta eficiência do ponto de vista químico, sobretudo pela combustão muito mais rápida em comparação com outros materiais, Valderez Rocha acredita que, ao invés de o H2V dominar o mercado de biocombustíveis no Ceará, ele será mais um tipo de composto a ser utilizado.
"O H2V tem suas particularidades, requer uma atenção bem maior com a questão de segurança de processo, armazenamento e manuseio. Como ele é a menor molécula que existe, temos que ter uma temperatura abaixo de - 200°C para armazenar. Para fazer com que ele se torne um dos mais utilizados no Ceará, acho que estamos ainda distantes, e não descarto outros que podemos obter, como biogás, etanol de segunda geração, utilizando os resíduos", reflete a professora.
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Ela ainda ressalta que o processo da produção do H2V considera que o composto passará por duas transformações para ser vendido à Europa, principal mercado consumidor do hidrogênio em acordos já firmados.
- H2V será produzido a partir de eletrólise (quebra da água dessalinizada);
- H2V será misturado com o nitrogênio, gerando amônia verde (NH3);
- Após exportação, NH3 será convertido novamente, desta vez em H2V.
Para André Casimiro, apesar do uso em larga escala do H2V ser como biocombustível e para geração de energia limpa, o composto pode ser utilizada em diversos outros segmentos.
Utiliza-se o hidrogênio nos mais variados processos industriais, a exemplo da indústria química, visando a produção de amônia, ácido clorídrico, álcoois, fertilizantes, além de uma outra gama de compostos orgânicos. Acredito que, bem mais que um biocombustível de grande potencial, há uma outra infinidade de aplicações que, direta e indiretamente, beneficiariam nosso mercado.
O Diário do Nordeste entrou em contato ainda com o Ministério de Minas e Energia (MME), com a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE) do Ceará entre os dias 8 e 13 de dezembro de 2023 para tratar do potencial de biocombustíveis no Estado e projetos já em andamento. Nenhum dos três órgãos respondeu aos questionamentos da reportagem.