Lei do superendividamento é sancionada; veja o que muda para o consumidor

Norma que altera o Código de Defesa do Consumidor foi publicada na sexta-feira (2) para dar mais transparência aos contratos de empréstimos

Escrito por Lívia Carvalho , livia.carvalho@svm.com.br
Legenda: Projeto promove maior transparência na contratação de empréstimos
Foto: JL Rosa

O presidente Jair Bolsonaro sancionou novas regras para prevenir o superendividamento dos consumidores. A norma, que altera o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso, foi publicada nessa sexta-feira (2) no Diário Oficial da União.  

Sancionada com vetos, o texto é resultado de um projeto de lei aprovado por deputados e senadores e pretende dar mais transparência aos contratos de empréstimos e impedir condutas consideradas abusivas.  

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De acordo com o texto, entende-se por superendividamento "a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação".   

Com isso, a principal mudança diz respeito à quitação de dívidas garantindo o mínimo de subsistência básica para os brasileiros.  

Avanço na legislação 

O advogado Thiago Fujita, presidente da Associação Cearense de Defesa do Consumidor (Acedecon), explica que a lei tramitava desde 2015 no Congresso e avalia que sua aprovação é um grande avanço para a legislação, embora ainda precise de aperfeiçoamentos uma vez que, em seis anos, o cenário passou por mudanças.  

“A oferta de crédito no Brasil aumentou muito. Apesar de necessária, os abusos do mercado são muito grandes. Essa lei é um primeiro passo importante para que se cuide desse fenômeno do superendividamento, que com a pandemia piorou muito".  
Thiago Fujita
presidente da Acedecon

Para o advogado, a lei ganha ainda mais relevância quando consideradas as consequências que a inadimplência causa em muitas pessoas. “Quando não há dinheiro para se pagar as dívidas e sobreviver com o mínimo, muitas pessoas acabam entrando em depressão ou até mesmo tentando suicídio”.  

De acordo com o Mapa da Inadimplência no Brasil, divulgado pela Serasa, aproximadamente 62,56 milhões de brasileiros estavam endividados em maio. As dívidas na categoria banco/cartão apresentam o maior volume, sendo 29,7% dos mais de R$ 211 milhões de débitos. 

Reverter vetos  

A expectativa do especialista agora é de que o Congresso reveja vetos do presidente, que darão ainda mais robustez à lei. Um deles, aponta Fujita, é a limitação da soma das parcelas das dívidas em até 30% da remuneração mensal do consumidor.  

O artigo fixava ainda que poderia haver acréscimo de 5% nesse percentual, destinados exclusivamente à amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito ou a saque por meio de cartão de crédito. 

“Na pandemia, uma lei aumentou essa margem para 40% e é bastante prejudicial ao consumidor, pois não é aumentar uma dívida que vai fazer com que você consiga reverter esse quadro”, argumenta Fujita.  

Outro trecho que, para Fujita, não deveria ter sido vetado diz respeito às publicidades de empréstimos que dizem ser ‘sem juros’ ou ‘sem acréscimos’, por exemplo. Segundo o advogado, essas ofertas já são vendidas com os valores embutidos na parcela.  

“Nós esperamos que isso possa ser modificado pelo Congresso, pois uma das preocupações dessa legislação é com a transparência e informação ao consumidor. Inclusive, há a obrigação de informar as taxas efetivas no ato da contratação, pois muitas vezes são acrescidos encargos por trás que encarecem muito o produto”.  

Veja o que muda para o consumidor:  

1. A instituição financeira não pode ocultar os riscos da contratação do crédito 

A Lei determina que os bancos estão proibidos de “ocultar ou dificultar a compreensão sobre os ônus e os riscos da contratação do crédito ou da venda a prazo”. As instituições devem prezar pela transparência durante a contratação.  

2. Pressionar ou assediar o consumidor para a contratação de crédito agora é prática ilegal 

Com a mudança, a pressão e o assédio de bancos para a contratação de qualquer serviço ou produto se tornou prática ilegal, principalmente no caso de pessoas idosas, analfabetas, doentes ou em situação de vulnerabilidade. A contratação não pode envolver prêmio.  

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) destaca a importância de denunciar as instituições, caso o consumidor se sinta pressionado. A denúncia pode ser feita ao próprio banco, ouvidoria ou com o Banco Central.  

3. Custo efetivo contratado deve ser informado 

Os bancos agora são obrigados a informar previamente o custo efetivo total do crédito contratado aos consumidores, isso implica a apresentação adequada de juros, tarifas, taxas e encargos sobre atraso, por exemplo. A instituição também é obrigada a fornecer uma cópia do contrato ao contratante. 

O não cumprimento do artigo pode acarretar a redução dos juros, dos encargos ou de qualquer acréscimo, além de aumento do prazo do pagamento previsto no contrato original, de acordo com a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor.  

4. As instituições são obrigadas a avaliar situação financeira do cliente 

A norma determina ainda que as instituições financeiras são obrigadas a avaliar as condições de crédito do consumidor, mediante análise das informações disponíveis em bancos de dados de proteção ao crédito.  

5. Consumidor tem direito a "mínimo existencial” durante quitação da dívida 

Com a lei, há a garantia que uma quantia mínima da renda mensal não possa ser comprometida para a quitação de dívidas para evitar que novos débitos sejam contraídos com contas de consumo básicas.  

6. Durante contestação, instituições não podem cobrar quantia no cartão de crédito 

Caso o consumidor faça contestação de compra feita no cartão de crédito, a instituição financeira fica proibida de realizar qualquer cobrança até que seja solucionada. Para isso, a pessoa deve notificar a administradora do cartão com pelo menos 10 dias de antecedência contados da data de vencimento da fatura.  

Fica assegurado ao consumidor o direito de deduzir o valor em disputa do total da fatura. A administradora pode, por sua vez, lançar o valor como crédito em confiança enquanto não encerrar a apuração da contestação.  

7. Dívidas podem ser negociadas com todos os credores juntos  

De modo a garantir um acordo mais justo para os consumidores, a lei permite que as dívidas podem ser repactuadas e negociadas com todos os credores ao mesmo tempo em audiência conciliatória, semelhante ao que acontece com as empresas que anunciam falência.  

O endividado pode apresentar proposta de plano de pagamento com prazo máximo de cinco anos. Contudo, não entram no rol da conciliação as dívidas com garantia real, de financiamentos imobiliários e de crédito rural, e aquelas contraídas sem pretensão de quitar.  

A lei ainda permite que o pedido de repactuação possa ser repetido somente após dois anos. 

8. Consumidor pode tentar conciliação no Procon antes de ir à Justiça 

Os consumidores podem tentar uma conciliação nos órgãos de defesa do consumidor, como o Procon, antes de ir à Justiça. O atendimento, no entanto, não é obrigatório e o “mínimo existencial” também deve ser garantido.  

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