Investimento em Educação é urgente para frear efeitos devastadores sobre mercado de trabalho

Neste segundo episódio, a reportagem explica sobre as atribuições dos governos e o que foi feito até aqui

Escrito por Bruna Damasceno , bruna.damasceno@svm.com.br
Personagens na janela
Legenda: Mãe e filho têm trajetórias escolares distintas, mas sonham juntos por uma vida melhor por meio da Educação
Foto: Fabiane de Paula / SVM

A crise educacional é um duro golpe para a economia brasileira, conforme discutido no primeiro episódio desta reportagem. Economistas frisam que, se nada for feito agora para combater esses problemas, os efeitos serão devastadores sobre os trabalhadores futuros.

Entretanto, não basta reabrir as escolas, é necessário fornecer ensino de qualidade, investir em inclusão digital e aprimorar a gestão para uma aplicação eficiente destas verbas. Mas cabe a quem resolver esses desníveis sociais e o que tem sido feito?

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Pela legislação, o orçamento para a área é partilhado entre municípios, estados, Distrito Federal e a União, com diferentes responsabilidades.

As cidades ofertam a Educação Infantil e o Ensino Fundamental. Os estados e o DF ficam com o Fundamental e o Médio, além de universidades estaduais.

Ambos devem aplicar, no mínimo, 25% das receitas de impostos recolhidos e transferências neste segmento — apesar de ter ocorrido uma discussão para desobrigação durante a pandemia. 

A União, que é responsável pelo financiamento das instituições federais, também tem de repassar recursos para garantir estudo de qualidade para todos. 

Como fica a situação do Brasil em meio à crise educacional 

As altas taxas de evasão e de analfabetismo demonstraram que, na crise sanitária, deveria haver mais investimentos para a Educação. Não o contrário. A pandemia agravou esses problemas, mas eles já eram endêmicos.

Nos últimos três anos, contudo, houve uma desidratação destes recursos. Para 2022, o cenário continua preocupante.

Em janeiro deste ano, os vetos do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao orçamento do Ministério da Educação tiraram R$ 402 milhões da formação básica, segundo levantamento feito pela ONG Todos pela Educação. 

Esse corte afetará o transporte escolar, crucial para garantir o deslocamento de crianças que moram longe dos colégios. Também diminui os valores para o período integral do Ensino Médio, além da infraestrutura.

Pontos crucias para evitar a evasão. Em um momento cujo foco deve ser a reversão do processo de perdas educacionais, essa diminuição pode gerar uma pressão nos cofres de estados e municípios. 

Mas houve avanço, como o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). A mudança prevê repasses maiores da União, passando de 10% até chegar aos 23%, de forma progressiva, até 2026. 

Já o Ceará caminha em direção oposta no campo da Educação. É um dos estados com os melhores indicadores do País, incluindo as melhores taxas de alfabetização e um dos menores índices de evasão, apesar dos impactos da pandemia.

Além disso, Sobral, no Interior do Estado, é considerada a cidade brasileira que mais se destaca em relação às políticas educacionais. A avaliação é de que essa conjuntura ajudará o Ceará a recuperar com mais velocidade os níveis de escolarização dos seus alunos. 

Por que o Brasil ainda enfrenta problemas nesta área

O economista sênior do Banco Mundial, Leandro Costa, acredita que “o Governo Federal tem apoiado respostas à Covid-19”, no âmbito da Educação. Para ele, a falta de investimentos na área não está ligada somente aos repasses, mas à gestão das redes de ensino.

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 “Os estados economizaram dinheiro e muitos não tiveram a resposta à Covid, não investiram para tentar minimizar esses impactos negativos", diz. "Não só economizaram como, em 2021, aumentaram a arrecadação devido à retomada da atividade”, observa. 

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Ele exemplifica que houve casos de municípios pagando 14ª, 15ª , 16ª ou mais salários a professores para executar o gasto obrigatório por não saberem como aplicar o dinheiro devido ao fechamento das escolas.

Diante desse cenário, analisa, não adianta aumentar os salários sem apoiar uma estratégia para recuperar a aprendizagem. No Ceará, pelo menos, 25 prefeituras concederam abonos salariais aos educadores para garantir a alocação mínima. 

O economista pondera que "municípios em muitos estados tentaram investir, mas precisam de apoio técnico para desenvolver uma política que funcione". 

“Por exemplo, a compra de tablet. Só comprá-lo não é suficiente. Se não for utilizado adequadamente, focado na aprendizagem, se não houver a capacitação do professor, não funciona. A mudança do orçamento é preocupante, mas não implica redução de gasto”, considera. 

Brasil precisa de uma agenda de qualificação profissional 

O analista de Política Pública do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), Alexsandre Lira Cavalcante, evidencia que os países ditos desenvolvidos, incluindo os Estados Unidos, alguns da Europa e da Ásia, como a Coreia do Sul, "hoje são desenvolvidos porque investiram em educação décadas atrás".

"O caminho é longo. É óbvio que um investimento feito hoje não tem o impacto imediato, será na próxima década", projeta.

"Nós perdemos muito por não estarmos fazendo a tarefa de casa hoje".

Alexsandre reforça que as três esferas do poder público devem investir o mais rápido possível para que as gerações futuras se preparem para um mercado de trabalho mais tecnológico e com processos digitalizados. Transformações que exigem trabalhadores qualificados. 

"A pandemia só terá efeitos devastadores na Educação, no mercado de trabalho e no PIB se o problema não for remediado logo", frisa. 

A busca por uma vida melhor acompanha gerações, mas os desafios também 

Mãe e filho estão sentados e olhando para a câmera
Legenda: Dona Francisca e o filho João contam sobre as dificuldades para estudar
Foto: Fabiane de Paula / SVM

A babá e cuidadora de idosos Francisca Telma, de 59 anos, estudou até a 5ª série, no bairro Bom Jardim, em Fortaleza. Ela se perde um pouco dentre tantas memórias, mas acredita que, por volta dos 10 anos, tenha iniciado os trabalhos domésticos em casas da vizinhança. 

Além disso, o modelo tradicional de ensino era ineficaz para a sua realidade e os pais iletrados não conseguiam auxiliá-la com as atividades escolares. Motivos que foram distanciando Telma da escola. Ela desistiu. 

“Eu estudei, mas nunca passava em matemática, aí parei”, externa. 

Foi, então, empurrada a continuar "nas casas do bairro" para garantir o ganha-pão. Vive disso até hoje, mas nunca trabalhou de carteira assinada. Após “algum tempo desempregada”, neste ano, conseguiu um “serviço para cuidar de uma criança”.

Trabalha das 9h às 19h para receber R$ 500. A renda é complementada por recursos oriundos do programa Auxílio Brasil — rebatizado Bolsa Família. 

“Me arrependo [de ter desistido dos estudos]. Penso que, se tivesse continuado, apesar das dificuldades, minha vida seria diferente. Hoje, o meu sonho é trabalhar com carteira assinada”, conta. 

Aos 20 anos, foi mãe pela primeira vez. O segundo filho, João Vitor Pereira Izidio, de 24 anos, veio mais de uma década depois. Ela relembra que, assim como seus pais, também não conseguia ajudá-lo nas tarefas de casa, mas o apoiava de outras formas para que não "largasse os estudos".

João lê um livro na janela
Legenda: João é envolvido em projetos da comunidade, que o ajudaram a se manter na escola. O estudante integra o coletivo de jovens do Bom Jardim, "o Tambores do Gueto" (@tamboresdogueto)
Foto: Fabiane de Paula / SVM

João era esforçado, estudava sozinho. Contara, também, com a ajuda de um tio que exercera a figura paterna. Foi o primeiro da família a entrar em uma universidade. Em 2021, passou para o curso de Comunicação Social em uma instituição privada da Capital. 

Conquista que exigiu persistência durante toda a trajetória escolar. Ainda no Ensino Médio, aflito, acompanhou amigos “entrando para o crime”, trocando máquinas de fotografias por armas e virando vítima da violência urbana.  

“Quando fiquei mais velho, o que me fez não desviar da escola foi o Centro de Defesa da Vida Herbert de Sousa (CDVHS), que atua aqui no bairro. Também tinha o incentivo por causa da merenda”, conta.

“Lembro que, quando os alunos ficavam de férias, uns iam para o crime e não voltavam. Participar da ONG foi importante para eu terminar o Ensino Médio”, recorda. 

Outra dificuldade, enumera, foi quando conseguiu vaga em uma instituição de ensino com uma estrutura maior, mas tinha de atravessar o território de facções rivais. 

“É resistência, né? Porque são linhas imaginárias. É muito difícil sabe onde pode ou não ir. O meu sobrinho tem 18 anos e passou a mesma coisa, ficou dois anos sem ir para a escola”, expõe. 

João é estagiário e reparte a bolsa de R$ 950 para pagar a faculdade e ajudar em casa. Para isso, precisou tirar algumas disciplinas, fazendo com que demore mais para se formar, além de pedir um desconto. Com os abatimentos, a mensalidade ficou por R$ 530.

O resto (R$ 430) é usado para passagens do transporte coletivo, lanches, materiais e ajudar na renda familiar. Diante das adversidades, o único plano agora é superar os desafios postos para conseguir empunhar o diploma.

“Quando entrei na faculdade, foi um choque mesmo de realidade. Da minha cor, só tem eu e outro rapaz, além de vivenciar coisas diferentes das outras pessoas ali”, aponta as diferenças de classes sociais. 

Ele crescenta que as aulas online também foram um obstáculo no começo. Atualmente, João sai do trabalho às 17h e anda por cerca de 20 minutos para chegar à universidade.

“Para a minha realidade, fazer uma faculdade é muito. Meu foco é me esforçar para conseguir me manter estudando. O meu maior desafio mesmo, no momento, é não baixar a guarda. Quando eu terminar, será mais uma vitória”, diz.  

O que Fortaleza tem feito para reverter os danos na Educação
 

Em nota, a Secretaria Municipal (SME) informou que a Educação é área prioritária da gestão. Reflexo disso, citou, é que Fortaleza é a quarta maior rede de ensino do Brasil, com 607 unidades escolares e mais de 244 mil alunos matriculados, conforme Censo Escolar de 2021. 
 

Segundo a pasta, houve investimento de  R$ 1,7 milhão, em 2020. No ano passo, o valor subiu para R$ 2 milhões. Investimentos foram voltados para busca ativa, monitoramento e salas de inovação para inclusão digital.  
 

O que o Ceará tem feito 
 

A Secretaria da Educação do Ceará (Seduc) informou ter adotado uma série de medidas com o objetivo de resguardar o direito dos estudantes à aprendizagem e evitar o abandono escolar, a partir de 2020.
 

Os orçamentos para a pasta, nos últimos três anos, somam R$ 10 bilhões, montante acima de 25% da receita líquida do Ceará. Dentre as medidas, estão busca ativa, apoio aos municípios, entrega de chips, tablets, cartões vale-alimentação aos 423 mil alunos da rede estadual.  
 

O que o Governo Federal tem feito 
 

Em nota, o Ministério da Educação (MEC) ter adotado medidas urgentes, de curto, médio e longo prazos,para mitigar as perdas em razão das aulas online e as dificuldades estruturais dos sistemas. 
 

Dentre elas, o Programa Brasil na Escola para criação de estratégias e inovações para assegurar a permanência, as aprendizagens e a progressão escolar de estudantes matriculados nos anos finais do Ensino Fundamental, especificamente os mais vulneráveis, além de ações de busca ativa. 
 

Também houve investimento  de R$ 308.974.47 em Política de Inovação Educação Conectada (PIEC). 
 

Falta de dados 
 

O Diário do Nordeste não conseguiu dados atualizados sobre investimentos em Educação. 
 

Em nota, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) afirmou que os indicadores financeiros educacionais produzidos pela Deed/Inep seguem a metodologia recomendada pela OCDE e também o cronograma de divulgação de seus resultados de acordo com a publicação Education at a Glance (EAG).
 

Nesse sentido, em setembro de 2022, conjuntamente com o EAG, serão divulgados os dados ainda 2019, em consonância com a publicação. O sistema Siope também possui os indicadores financeiros da área, mas somente até o ano de 2020.
 

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